A Palestina e a ‘solução final’, segundo Deleuze

“Por que os palestinos seriam ‘interlocutores válidos’ visto que eles não têm um país? Por que teriam um país, visto que este lhes foi vedado? Nunca lhes foi dada outra escolha que não se renderem incondicionalmente. Só o que se lhes propõe é a morte. Na guerra que os opõe a Israel, as ações de Israel são consideradas como respostas legítimas (mesmo que pareçam desproporcionadas), ao passo que as dos palestinos são exclusivamente tratadas como crimes terroristas. E um morto palestino não tem a mesma medida nem o mesmo peso que um morto israelense.

[…] Para uma ‘solução final’ do problema palestino, Israel pode contar com uma cumplicidade quase unânime dos outros Estados, com nuanças e restrições diversas. Para todo o mundo, os palestinos, gente sem terra nem Estado, são um estorvo. De nada adianta receberem armas e dinheiro de certos países, pois sabem o que estão dizendo quando declaram que estão absolutamente sozinhos. […] Os combatentes palestinos são oriundos dos refugiados. Israel pretende vencer os combatentes fazendo, com isso, milhares de outros refugiados, de onde nascerão novos combatentes.

[…] O Estado de Israel assassina um povo frágil e complexo. […] Israel sempre considerou que as resoluções da ONU, que o condenavam verbalmente, na verdade lhe davam razão. O convite para que deixasse territórios ocupados foi transformado em dever de neles instalar colônias. […] [É necessário] uma pressão suficiente para que os palestinos sejam, enfim, reconhecidos pelo que são, ‘interlocutores válidos’, pois imersos num estado de guerra de que certamente não são os responsáveis.”

(GILLES DELEUZE – ‘Os Que Estorvam’ [Le Monde, 1978] – In: “Dois Regimes de Loucos”)

A frase do dia

“ONU desapareceu e é Lula quem domina o protagonismo internacional”.

Nicolas Sarkozy, ex-presidente da França

Rock na madrugada – The Raconteurs, “You Don’t Understand Me”

Apresentação ao vivo da cultuada banda de Jack White em Montreux, 2008. Indie rock da melhor qualidade, com destaque para Brendan Benson (guitarra), além de Jack Lawrence (baixo) e Patrick Keeler (bateria). O grupo foi montado em 2005, em Detroit (EUA). Todos os músicos já eram conhecidos de outros projetos musicais, como The Greenhornes, Blanche e White Stripes, este em parceria com o próprio Jack.

A falsa crise dos artilheiros

POR GERSON NOGUEIRA

A mídia sudestina insiste em ver uma suposta crise na formação de artilheiros no Brasil. Os fiascos nas Copas de 2018 e 2022 contribuem para reforçar esse argumento. A questão é que, muito mais do que uma carência de goleadores, há um reiterado processo de equívocos (propositais ou não) na convocação de jogadores para a Seleção.

Interesses maiores se sobrepõem ao simples mecanismo de escolha dos jogadores – não apenas de atacantes, diga-se – na Seleção. Faz tempo que as convocações são marcadas por verdadeiros absurdos, sem explicação clara para justificar a prioridade por atletas que nem sempre estão entre os melhores da posição.

É possível que no passado essa distorção já existisse, mas seguramente não era tão escancarada como passou a ser nas últimas décadas. A profissionalização e a mercantilização tornaram as escolhas extremamente valorizadas no mercado.

A partir da década de 1990, uma convocação para o escrete canarinho virou uma espécie de carimbo de qualidade, algo como um ISO-9000, uma garantia para o investimento de clubes ávidos em busca de jogadores promissores.

Clubes, empresários e técnicos começaram a descobrir um filão lucrativo, que permitia comissões polpudas e lucros portentosos, sem maior esforço. Muitos enriqueceram com esse expediente, talvez ainda enriqueçam, difícil saber – e provar. O certo é que, para cada Romário, havia um Viola; para cada Ronaldo Nazário, um Grafite, e por aí vai.

Rende tese acadêmica o rosário de falcatruas e golpes praticados em nome do futebol pentacampeão do mundo. Voltei a este tema em face da atual seca que se abate sobre o comando do ataque da Seleção, como ocorreu no ano passado na Copa do Qatar e quatro anos antes na Rússia.

Os centroavantes chamados foram Gabriel Jesus e Richarlyson. Jesus teve duas chances com Tite. Não conseguiu fazer gol em nenhuma ocasião. Richarlyson fez, mas, como Jesus, não convence.

É de espantar que no Brasileiro deste ano dois atacantes demonstrem plenas condições de honrar a camisa 9, tão emblemática e ao mesmo tempo tão pesada. Tiquinho Soares, artilheiro e melhor jogador da competição, marcou 15 gols. Não foi sequer mencionado por Fernando Diniz.

Tem 32 anos, é nordestino, nunca havia jogado no Brasil. Foi descoberto no futebol internacional e repatriado pelo Botafogo. Pouco importa. Simples, faz o que dele se espera. Gols, muitos deles. De todo tipo (de cabeça, por cobertura), de todas as distâncias. Dificilmente será lembrado. Sempre irá aparecer alguém com um argumento contrário a vetar o botafoguense.

Bem, se Tiquinho é “velho”, há uma opção mais jovem. Marcos Leonardo, da seleção sub-20, vem se destacando no Brasileiro no comando da dianteira do Santos, um dos piores times do campeonato. Como Tiquinho, faz gols em profusão, chuta e dribla muitíssimo bem.

Além dos citados, Rony continua em grande forma no Palmeiras, Victor Roque é referência no Atlético-PR e John Kennedy brilha no Flu. Basta chamar e dar chance. Caso fracassem, tudo bem, mas experimentar quem se destaca é parte fundamental das atribuições do técnico da Seleção.

Enquanto isso, Diniz imita o renitente Tite na insistência com Gabriel Jesus e Richarlyson. E a mídia preguiçosa seguirá repetindo o mantra da falta de homens com faro de gol. E la nave va.

Bola na Torre

O programa vai ao ar às 22h, na RBATV, com Giuseppe Tommaso na apresentação. Participação de Valmir Rodrigues e deste escriba de Baião. Em debate, os planos da dupla Re-Pa para a próxima temporada. A edição é de Lourdes Cezar.

Sobre pipocas e pipoqueiros mimados

Ao término do jogo entre Brasil e Venezuela, quinta-feira à noite, na Arena Pantanal, um torcedor atirou um saco de pipocas sobre Neymar, quando este caminhava para os vestiários. Como diz o outro, pra quê?! 

O menino mimado se abespinhou, pegou corda, dizendo-se ofendidíssimo com o gesto. Para zero surpresa, parte das focas amestradas deu plena razão a ele.

Não vi injúria ou humilhação na brincadeira do torcedor. Foi mais um ato de escracho e deboche, jamais achincalhe. No fim das contas, retrata bem as últimas performances de Neymar no escrete.

Excesso de firulas, reclamações abundantes sempre por motivos bobos e nada daquele futebol que um dia chegou a encantar a torcida.

Ao mesmo tempo, a reação foi visivelmente exagerada em relação ao episódio. Neymar tratou de aproveitar a situação para desviar o foco da pífia apresentação dele e dos demais jogadores da Seleção contra a esforçada equipe venezuelana.

Quando diz que não está no Brasil em férias revela aquela soberba dos que se acham super importantes, cuja presença na Seleção equivale a um imenso favor ao país. Tipo da bobagem que remete aos tempos tristes da pátria de chuteiras e outras patriotadas cretinas.

Neymar está devendo, muito, como principal jogador brasileiro da atualidade. Conduz sua vida pessoal com o descompromisso dos astros pop, mas sempre que pode exige reconhecimento e reverência.

Precisa voltar o quanto antes a ser o ídolo solícito e simpático que passou por Belém e deixou a impressão de que estava mudando para melhor. 

(Coluna publicada na edição do Bola deste domingo, 15)