A volta do jornalismo de esgoto e a guerra dos índices

Por Luis Nassif

Foi uma reestreia em grande nível da pior fase do jornalismo brasileiro: o jornalismo de esgoto, através do qual a mídia difundia as acusações mais inverossímeis visando estimular o estouro da boiada, o gado que atuava de maneira irracional nas grandes ondas de linchamento.

Lembrou as acusações de Cuba enviando dólares ao PT através de garrafas de rum, as FARCs invadindo o Brasil, a ABIN espionando o Supremo, Ministros recebendo propinas nas garagens do Palácio, e factóides em geral.

Criaram um crime impossível e atribuíram a um “inimigo”, usando o recurso do “SE”, que suporta tudo. “Se minha avó fosse roda, eu seria bicicleta”, por exemplo.

O crime impossível: a manipulação dos dados do IBGE.

Como explicou Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE e intelectualmente muito mais honesto que Edmar Bacha, outro ex-presidente, é impossível qualquer manipulação de dados no IBGE, devido à estrutura profissional dos funcionários do órgão.

A última manipulação ocorreu no período Delfim Netto, na primeira metade dos anos 70 – com plena aprovação do sistema Globo, que comanda o atual linchamento. Como reação, surgiram inúmeros outros índices, o do DIEESE (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas), o da FGV (Fundação Getúlio Vargas), da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da Universidade de São Paulo. Além deles, todas as grandes instituições financeiras montaram seus próprios levantamentos de preços.

Depois de criar o crime impossível, criaram o suspeito do “SE”: se o futuro presidente do IBGE, Márcio Pochmann, manipular as estatísticas, ocorrerá o mesmo que ocorreu com o IBGE argentino. E “se” Pochmann não manipular as estatísticas? Aí perde-se o gancho.

O que poderia ser uma crítica técnica ao pensamento de Pochmann, tornou-se um caso de linchamento público desmoralizante para o jornalismo da Globo. Após a primeira suspeita lançada, seguiu-se um festival de ataques de jornalistas analfabetos econômicos, zurrando como sábios contra os estudos de Pochmann, sem a menor noção sobre o papel do IBGE ou sobre temas tratados por Pochmann e sobre a própria biografia de Pochmann, “acusando-o” de ter posições ideológicas. E Roberto Campos Neto? Esse tem posição técnica.

Cronista esportiva, coube a Milly Lacombe, da UOL, enxergar o rei nu: em um país em que a economia é dominada pela ideologia do mercado, as acusações a todos que não concordam com isso é serem “ideológicos”. Em suma, um movimento que em nada ficou devendo aos movimentos do gado bolsonarista, as mesmas suposições sem base factual, o mesmo terraplanismo, a mesma intenção de fazer o gado pensar com o fígado.

Depois de um dia de ataques bárbaros, capitaneados por Miriam Leitão, restou uma única crítica válida: o anúncio do Secretário de Comunicação Paulo Pimenta, antecipando-se à Ministra do Planejamento Simone Tebet, uma grosseria, sem dúvida. E a soberba lição de civilidade de Tebet, quando cercada pelo gado setorista e indagada sobre o que achava das acusações sobre o crime impossível de Pochmann:

“Já fui julgada muitas vezes na minha vida e não vou julgar ninguém sem conhecer os fatos”.

A BRIGA DOS ÍNDICES

Por trás dessa baixaria completa, está o receio da grande guerra pelos índices.

O ponto central da ideologia mercadista é vender o peixe de que todas as medidas beneficiando o mercado são “técnicas”, e não políticas.

A consolidação dessa ideologia se deu através do monopólio dos indicadores e pela exclusão de qualquer análise sistêmica sobre medidas econômicas.

Vende-se a ideia de que gastos públicos aumentam a inflação prejudicando os mais pobres. E se começarem a ser desenvolvidos trabalhos mostrando os efeitos das taxas de juros sobre o emprego e sobre a situação dos mais pobres?

Em pleno período de ataques aos aumentos do salário mínimo, o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) divulgou um estudo, com base no IBGE, mostrando que em mais de 50% das famílias, com um aposentado ou pensionista, eles eram o arrimo econômico. Ou seja, o aumento do salário mínimo beneficiou a saúde, pelo fato de ajudar a alimentar a família; a educação, permitindo às crianças entrar mais tarde no mercado de trabalho; a segurança, tornando as crianças menos suscetíveis às investidas do crime organizado.

E se o IBGE utilizasse seus levantamentos para analisar, por exemplo, as externalidades positivas dos investimentos públicos ou dos gastos sociais? Por exemplo: o dinheiro gasto em uma estrada reduziu em xis porcento as perdas com transporte e com carga, permitindo um ganho adicional de ypisilone para a economia brasileira.

Ou a visão sistêmica sobre os financiamentos do BNDES?  Hoje em dia, o mercado meramente compara os custos de financiamento do BNDES com a taxa Selic – e diz que a diferença é déficit público. E se forem incluídos nas contas as empresas criadas, os fornecedores, os empregos e o pagamento de impostos desse novo universo produtivo? Aí se poderia saber que, além de gerar empregos e investimentos produtivos, os financiamentos do BNDES ajudam na arrecadação fiscal. E seriam desmascaradas as análises rasas que sustentam muitos dos estereótipos econômicos que alimentam a mídia.

Em suma, há uma grande batalha ideológica em torno dos índices. O medo desse pessoal não é com a manipulação de índices, mas como a elaboração de novos índices, bem embasados academicamente, podendo comprometer a sua própria manipulação de conceitos. Eles não temem a manipulação da estatísticas: temem o que as estatísticas podem mostrar.

Os méritos do comandante

POR GERSON NOGUEIRA

A tranquilidade que reina na Curuzu é o sintoma mais evidente de que o time finalmente entrou naquele astral que conduz ao sucesso. Não se pode afirmar a essa altura que o acesso virá, mas é notório que o PSC respira outros ares desde a entrada em cena de um personagem especial: o técnico Hélio dos Anjos, com seu estilo peculiar de comandar, por meio de um discurso que vai do enérgico ao paternal.

Além da rápida transformação que operou no time, que antes capengava na competição ostentando marcas constrangedoras (foi a pior defesa até a 11ª rodada), Hélio fez um movimento fundamental em direção à torcida. Assumiu pessoalmente a missão de conduzir o Papão à classificação e ao acesso, sem medo de se comprometer.

Esse carisma é parte do arsenal de positivismo que torna o ambiente interno mais leve e prazeroso. É visível nas imagens dos treinos a alegria dos jogadores, o clima de alto astral e os sinais de confiança próprios de quem sabe que está no caminho certo.

Foram três vitórias (Amazonas, Remo e CSA), por escores apertados e sem grandes performances. Os resultados fizeram o Papão saltar da 14ª posição para a sétima, entrando em definitivo na lista de times cotados para a classificação. O que era dívida com o torcedor se torna, a cada jogo, um passo importante no sentido de alcançar a meta maior.  

Acima de tudo, Hélio conseguiu resgatar no elenco o foco nas vitórias e o comprometimento com o resultado. Para isso, constatou que a equipe precisava de força e intensidade. Chegou a dizer que, para isso, seria necessário sangrar e sentir dor. 

Se o processo foi de fato doloroso, ninguém sabe dizer, mas é certo que a recompensa está aí, aos olhos de todos.

Quando a notícia briga com as imagens

É comum que países promotores de Copas turbinem artificialmente números relacionados à presença de público nos estádios. Isso ocorre principalmente em locais sem maior tradição no futebol e onde prevalece o apego a outras modalidades. Austrália e Nova Zelândia, sedes do mundial feminino de futebol, estão às voltas com a necessidade de mostrar avanço em relação à Copa do Mundo anterior, disputada na França.

Por mais que a Fifa fique alardeando que as vendas de tíquetes estão acima do esperado, a paisagem nos estádios desmente essa informação. As câmeras até fogem de registros das áreas vazias das arenas, mas a imensa maioria dos jogos foi disputada com estádios com baixa presença de torcedores.

A Austrália tem no rúgbi e no beisebol seus esportes preferidos. A Nova Zelândia vai na mesma direção. Não é surpreendente, portanto, a baixa adesão de público. A presença de torcedores de outros estádios é inexpressiva, pois o futebol feminino ainda não arrasta multidões.

Na África do Sul, em 2010, presenciei inúmeras partidas com casa meio vazia, principalmente em Pretória e Porto Elizabeth. Lá, como ocorre atualmente na Austrália, o rúgbi é o esporte mais praticado, o que afasta boa parte do interesse dos torcedores.

Para complicar ainda mais os sonhos de grandeza da Fifa, os preços cobrados pelos ingressos são proibitivos para a imensa maioria da população. Na Copa do Qatar, no ano passado, ingressos para as fases de mata-mata eram vendidos por até R$ 2.500,00.

As informações que chegam da Copa feminina indicam que os preços de ingressos continuam salgadíssimos, tornando mais do que previsível a contradição entre notícias de recordes de públicos e as imagens de arenas semi vazias.

É provável que, a partir das quartas de final, o público cresça e prestigie as fases mais emocionantes da competição. Ao mesmo tempo, é preciso notar que o faturamento com ingressos é apenas uma pequena parte dos lucros que a Fifa terá com o torneio. Patrocínios e direitos de transmissão garantem receitas estratosféricas, para alegria de Mr. Infantino.

Luan no Grêmio: a volta emocionante do filho pródigo

O Reizinho do Olímpico está voltando para casa. Luan, garoto ainda, recebeu ontem à tarde em Porto Alegre todo o carinho e aclamação da torcida gremista. Depois de ser humilhado e agredido por bandidos com camisas do Corinthians em São Paulo, há duas semanas, o meia-atacante retorna seis anos depois ao clube que o projetou.

Méritos de Renato Gaúcho, que defendeu publicamente a contratação no momento mais difícil da vida do jogador. Os aplausos entusiasmados da torcida – mais de 100 pessoas foram recepcioná-lo no aeroporto Salgado Filho – emocionaram Luan e reafirmam uma verdade do futebol: quem conquista o respeito de uma torcida jamais será esquecido ou deixado pelo caminho.

É bonito e comovente ver um reencontro feliz. Um gesto de imensa gratidão pelos gols e dribles que Luan deu ao Grêmio. Que o talento dele volte a brilhar nos gramados.

Enquanto isso, o inquérito sobre a covarde agressão no motel de São Paulo continua inconclusivo. Uma emboscada que deixou no ar muitas desconfianças, inclusive quanto ao esquisito papel da diretoria corintiana na história. É como se o salário de Luan (em torno de R$ 800 mil) fosse o verdadeiro motivo da pancadaria. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 28)

Mídia corporativa retoma fake news e discurso de ódio contra Lula por um só motivo: está dando certo

Por Leonardo Attuch, no Brasil247

Durou pouco a trégua entre a imprensa corporativa brasileira e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As fake news e o discurso de ódio que marcaram eventos como junho de 2013, a campanha contra a Copa de 2014, a Lava Jato, o golpe de estado de 2016, os processos de Curitiba e a prisão de Lula em 2018 voltaram com força total no episódio Marcio Pochmann, futuro presidente do IBGE, uma nomeação de segundo escalão, que, em situações normais, não deveria provocar tanta celeuma.

O caso Pochmann, no entanto, é emblemático por várias razões. Até antes de junho de 2013, a então presidente Dilma Rousseff era aprovada por 70% dos brasileiros por uma razão óbvia: o Brasil seguia firme nos trilhos do desenvolvimento. A consequência natural seria sua reeleição, em condições bem mais confortáveis do que efetivamente ocorreu, no ano seguinte, e a volta de Lula, em 2018, consolidando um ciclo de vinte anos de poder do Partido dos Trabalhadores. Afinal, como dizia uma revista semanal, “nunca fomos tão felizes”. 

A guerra contra o Brasil, que teve todos os episódios já mencionados, jamais teria ocorrido sem a participação direta da imprensa corporativa e do seu coquetel destrutivo formado por fake news e discurso de ódio, fenômenos que quase sempre nascem na imprensa comercial e só depois se propagam pelas redes sociais, que levam a culpa e a má reputação.

Marcio Pochmann foi vítima desses dois fenômenos: fake news e discurso de ódio. Qual é a base factual para que digam que lá na frente ele irá falsificar estatísticas? Nenhuma. Obviamente o que existe são jornalistas desonestos falsificando informações e enganando o público. E quando o submetem a este corredor polonês midiático, trata-se do mais puro e acabado linchamento movido a discurso de ódio. 

Se este é o fenômeno, a questão agora é o porquê? Qualquer analista econômico sério já percebeu que o Brasil, sob a administração Lula, se tornou a “bola da vez”. Todos indicadores econômicos, sem exceção, melhoraram. O PIB foi revisto para cima, a inflação desabou, o superávit comercial é recorde, a atração de investimentos é crescente e falta apenas resolver a questão da taxa de juros para consolidar um novo ciclo de prosperidade no Brasil.

O Brasil, claramente, voltou aos trilhos, mas a bonança que já se anuncia, e será retratada por um IBGE fortalecido, assusta a oposição neoliberal e seu principal aparelho de dominação ideológica, que é a imprensa corporativa. Por isso mesmo, o modo golpista foi reativado nas redações decadentes. A sorte é que hoje o Brasil conta com uma imprensa independente mais sólida do que no passado e com uma maior consciência coletiva sobre o estrago promovido pelas forças do atraso. Avante, Pochmann, avante, Lula, avante, Brasil.