Com vocal inspirado de John Lennon, “I’m Only Sleeping” é um cultuado B-side dos Beatles, encaixado no álbum Revolver (1966), disco considerado um divisor de águas no processo criativo da banda. Escrita por John, mas creditada como da dupla Lennon-McCartney, a música contém uma bossa típica da inventividade do maestro e produtor George Martin: um solo duplo de guitarras ao contrário, feito por George Harrison, que visa criar um clima de viagem alucinógena, com a letra insistindo para que o personagem não fosse acordado do sono ou de um estado de euforia.
Apesar dessas especulações, uma carta do próprio John indica que ele na verdade fala apenas do prazer de ficar na cama. É fato que ele, quando não estava dormindo, usava a cama para quase tudo – ler, escrever ou assistir TV.
O desespero em achar justificativas para a fenomenal campanha do Botafogo na Série A domina setores da mídia esportiva, alguns visivelmente inconformados porque o Glorioso desmente toda semana as previsões de que não chegaria a lugar nenhum. A coisa piora muito quando as críticas partem de profissionais excessivamente preocupados em tornar o futebol brasileiro um feudo exclusivo de clubes como Palmeiras e Flamengo, carimbados como gigantes imbatíveis pelas recentes conquistas.
A trajetória impecável do Botafogo, com 13 vitórias em 15 partidas, afronta o coro dos contentes e desafia os incrédulos. Ao invés de saudar esse benfazejo sopro de novidade, os redutos de resistência se ocupam de apontar desculpas fuleiras, como a de que Flamengo e Palmeiras disputam a Libertadores simultaneamente com o Brasileiro, tornando os dois times desgastados fisicamente ou com carências no elenco, o que obviamente não é verdade.
Como esse papo sobre a participação nas Copas – sendo que o Botafogo disputa a Sul-Americana – não prosperou, a onda agora é questionar o “tapetinho” do estádio Nilton Santos. O Palmeiras joga há três anos num gramado radicalmente artificial, mas suas muitas conquistas jamais foram contestadas.
O Atlético-PR, pioneiro no uso de grama sintética, também não teve suas campanhas vitoriosas questionadas por ninguém. Vale dizer que o gramado do Niltão coleciona elogios de técnicos e jogadores pela qualidade do piso. Além do fato óbvio de não representar perigo à integridade dos atletas, pois não tem buracos ou áreas desniveladas. É um tapete, de fato.
Aí, de repente, diante da distância que o Botafogo abriu em relação ao Flamengo (12 pontos), eis que Zico rompeu o silêncio e (sem ser perguntado) saiu dizendo que o sucesso do Alvinegro está diretamente associado ao gramado. Esqueceu de dizer que, com um jogador a menos, o Fogão derrotou o Fla no piso esburacado do Maracanã.
Esqueceu também que o sintético já foi palco até de final de Copa do Mundo. Foi em 2018, no estádio de Luzhniki, em Moscou. Zico é um dos maiores da história do futebol brasileiro, mesmo sem ganhar uma Copa, e ídolo supremo do Flamengo. Sempre se notabilizou pelo equilíbrio nas atitudes e posicionamentos, mas foi infeliz ao analisar o sucesso do Botafogo no campeonato como “injusto”.
O Botafogo lidera o Brasileiro com autoridade e folga, derrotando times cotados como favoritos no começo da temporada. Flamengo, Palmeiras, Grêmio, Fluminense, Bragantino, Atlético-MG e São Paulo foram vítimas do time liderado por Tiquinho Soares. E foram vitórias insofismáveis, sem questionamentos, sem erros de arbitragem ou gols acidentais.
O turno ainda nem terminou, mas a pororoca de desculpas permite imaginar o que acontecerá caso o Botafogo mantenha a campanha vitoriosa e conquiste o título. O Galinho certamente será uma das carpideiras inconformadas, condição que não lhe cai bem, afinal um flamenguista cobrar “igualdade de condições” soa bizarro. Perdeu boa chance de ficar calado, até porque nunca havia reclamado de campos sintéticos antes.
Confiante, Papão continua indo às compras
Lucas Paranhos, volante, ex-Manaus, é o mais novo contratado do PSC. É o reforço de nº 42 na temporada. O de nº 43 é o lateral-direito Anilson, ex-Ponte Preta. A gastança com reforços é recorde no futebol do Pará. Ambos foram recomendados pelo técnico Hélio dos Anjos. Em lua-de-mel com a torcida, após duas vitórias empolgantes, ele pode indicar quem quiser.
Confiante no êxito do prometido projeto de acesso à Série B, ele trata de robustecer o elenco do Papão com jogadores de sua confiança. Caso venham novas vitórias, novos atletas serão contratados.
Algumas posições são carentes, de fato. É o caso da lateral-direita, onde Edilson está suspenso e João Vieira, que costuma ser improvisado ali, também não pode jogar contra o CSA, no próximo domingo.
O problema é a dificuldade para encaixar novos jogadores a um time que sofre mudanças a cada rodada, desde o início da competição. Ao mesmo tempo em que podem contribuir, os novatos enfrentarão o desafio de entrosar em curtíssimo tempo, o que pode ou não dar certo.
Garotada azulina vai reforçar o Santa Rosa
Enquanto o torcedor azulino é forçado a se contentar com Vítor Leque, Marcelo & cia., a diretoria do Remo decidiu emprestar o atacante Ricardinho, o zagueiro Davi, o goleiro Juan e os laterais Luisinho e Robi para o Santa Rosa, que vai disputar a Segundinha do Parazão.
Agora, do time sub-20 que disputou a Copa SP, restaram apenas Kanu, Henrique e Jonilson, com poucas chances de aproveitamento. O (único) lado bom dessa história é que no Santa Rosa eles têm plena garantia de que irão jogar, coisa que no Remo atual certamente não aconteceria.
Vistoria no Mangueirão é ensaio para jogo da Seleção
Funcionários da CBF fizeram, ontem à tarde, uma inspeção técnica no estádio estadual Jornalista Edgar Proença, o Mangueirão, acompanhados de técnicos da Seel, Seop e da FPF. O objetivo da nova vistoria foi analisar as condições de infraestrutura do estádio e dos centros de treinamento para receber um possível jogo da Seleção Brasileira pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2026. No mês passado, uma equipe da Conmebol também vistoriou o estádio.
A equipe analisou vestiários, gramado, área de imprensa e dos times. Além do Mangueirão, passaram também pelo Ceju e estádios Baenão e Curuzu, que podem servir de local de treinamento. A presença dos representantes da CBF sinaliza para a confirmação de Brasil x Bolívia, no dia 7 de setembro, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo 2026.
(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 20)
EXCLUSIVO Spoofing: novos chats. “Tudo é confidencial”.
Por Leandro Demori e Jamil Chade
Os procuradores Deltan Dallagnol (esq.), Eduardo Pellela e Orlando Martello (dir.) na Suíça (Foto: Reprodução/TV Globo)
O ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol negociou em sigilo com autoridades norte-americanas um acordo para dividir o dinheiro que seria cobrado da Petrobras em multas e penalidades por causa da corrupção. Num grupo de troca de mensagens pelo telefone, procuradores suíços e brasileiros mantinham uma comunicação intensa sobre cada etapa do processo da Operação Lava Jato. Foi neste grupo que Deltan detalhou aos suíços suas conversas com os norte-americanos, que vocês lerão a seguir. Esta é uma publicação em parceria com o UOL.
As conversas aconteceram por mais de três anos pelo aplicativo Telegram e não eram registradas oficialmente. A negociação sobre o acordo que penalizaria a Petrobras com multas pagas nos Estados Unidos não envolveu a Controladoria Geral da União, o órgão competente, por lei, para o caso.
Os chats fazem parte dos arquivos apreendidos pela Polícia Federal durante a operação Spoofing, que investigou o hackeamento de procuradores e também do ex-juiz Sergio Moro. Parte dessas conversas foram entregues ao Intercept Brasil e publicadas na série Vaza Jato em 2019.
“MY SWISS FRIENDS”
No dia 29 de janeiro de 2016, Dallagnol escreveu aos suíços para contar o resultado dos primeiros contatos entre ele e as autoridades norte-americanas.
Deltan – 12:25:52: Meus amigos suíços, acabamos de ter uma reunião introdutória de dois dias com a SEC (Comissão de Valores Mobiliários) dos EUA. Tudo é confidencial, mas eu disse expressamente a eles que estamos muito próximos da Suíça e eles nos autorizaram a compartilhar as discussões da reunião com vocês.
O brasileiro, então, faz um resumo do que foi tratado:
“Proteção às testemunhas de cooperação: eles protegerão nossos cooperadores contra penalidades civis ou restituições; Penalidades relativas à Petrobras. O pano de fundo: O DOJ e a SEC aplicarão uma penalidade enorme à Petrobras, e a Petrobras cooperou totalmente com eles. Eles não precisariam de nossa cooperação, mas isso pode facilitar as coisas e, se cooperarmos, entendemos que não causaremos nenhum dano e poderemos trazer algum benefício para a sociedade brasileira, que foi a parte mais prejudicada (e não os investidores dos EUA). Como estávamos preocupados com uma penalidade enorme para a Petrobras, muito maior do que tudo o que recuperamos no Brasil, e preocupados com o fato de que isso poderia prejudicar a imagem de nossa investigação e a saúde financeira da Petrobras, pensamos em uma solução possível, mesmo que não seja simples. Eles disseram que se a Petrobras pagar algo ao governo brasileiro em um acordo, eles creditariam isso para diminuir sua penalidade, e que o valor poderia ser algo como 50% do valor do dinheiro pago nos EUA.”
A Petrobras fechou um acordo com os Estados Unidos mais de dois anos depois, aceitando pagar uma multa de 853,2 milhões de dólares para não ser processada. O acordo garantiu o envio de 80% do valor ao Brasil – contudo, não exatamente em benefício “para a sociedade brasileira”, como dissera Deltan.
Deltan Dallagnol continuaria em sua mensagem aos suíços:
“Outras empresas internacionais: elas concordam em buscar um acordo conjunto. Mencionei que estamos caminhando junto com vocês e eles disseram que é possível coordenar um acordo conjunto com o Brasil e a Suíça quando ambos os países tiverem casos em relação à empresa… Ressaltei a importância das provas suíças em relação a muitas empresas. Se isso der certo, nós (suíços e brasileiros) poderemos tirar proveito dos poderes dos EUA para pressionar as empresas a cooperar e fazer acordos. Tudo isso foi discutido apenas com a SEC. Ainda temos que discutir com o DOJ. Se quiser, posso colocá-lo em contato direto com as autoridades da SEC e do DOJ com quem conversamos. Eles disseram que estão disponíveis.”
DOJ é o Departamento de Estado dos Estados Unidos. SEC é a Comissão de Valores Mobiliários daquele país.
Stefan Lenz, o procurador suíço que, naquela ocasião, liderava o processo em Berna, comemorou.
Stefan – 12:41:32: “Muito obrigado por essa informação, que é MUITO importante para nós, Deltan!”
Lenz ainda explicaria que o então procurador geral da Suíça, Michael Lauber, também havia tido uma conversa com os americanos.
“Ambos querem iniciar conversas sobre uma estratégia comum e coordenação no caso da PB (Petrobras)”, disse.
O procurador suíço Stefan Lenz. Depois de receber, por anos, informações pelo Telegram sobre os casos brasileiros, ele pulou de lado no balcão e hoje, segundo o próprio, oferece seu “conhecimento e experiência a todos os réus em casos de crimes de colarinho branco ou vítimas e partes lesadas de tais crimes que dependem de apoio jurídico na Suíça”.
OS AGENTES NORTE-AMERICANOS
Naquele mesmo dia, um procurador apenas identificado como Douglas enviou aos suíços uma longa de lista de contatos entre os brasileiros e as autoridades dos EUA.
Douglas Prpr – 17:18:51: Luc and Stefan, as asked by Deltan, follows the list of MPF contacts with the DOJ and the SEC: DOJ: Chris Cestaro (DOJ Fraud Section): Derek Ettinger (DOJ Fraud Section): Lorinda Laryea (DOJ Fraud Section): Patrick Stokes (DOJ Fraud Section): Grace Hill (DOJ EDVA): Jennifer Wallis (DOJ Asset Forfeiture and Money Laundering Section): Mary Butler (DOJ Asset Forfeiture and Money Laundering Section): Woo S. Lee (DOJ Asset Forfeiture and Money Laundering Section): SEC: Carlos Costa Rodrigues: Deborah Crawford: Jonathan Scott: Kara Brockmeyer: Lance Jasper: Samantha S. Martin: Spencer E. Bendell.
Patrick Stokes e Kara Brockmeyer: os agentes norte-americanos citados como contatos de referência por Deltan Dallagnol. Eles também mudaram de lado do balcão. Hoje, ambos atuam no setor privado defendendo clientes em casos de corrupção.
Deltan Dallagnol completaria com informações sobre alguns deles.
Deltan – 17:28:45: In DOJ, the chief of FCPA section is Patrick. In SEC, it is Kara, but an independent office, which is not part of the FCPA unit, is in charge of the Petrobras part of the investigation, led in this part by Spencer.
As conversas secretas entre a Lava Jato e procuradores estrangeiros, que agora vêm à tona, são parte fundamental de um quebra-cabeça. Em reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil em parceria com a Agência Pública, conversas e documentos já haviam exposto a proximidade, as reuniões e as trocas ilegais de informação entre brasileiros e norte-americanos, além dos nomes dos agentes. Deltan Dallagnol havia escondido nomes de pelo menos 17 agentes dos EUA que estiveram em Curitiba em 2015 sem conhecimento do Ministério da Justiça, o que é ilegal.
Entre eles, também havia agentes do FBI. Os encontros e negociações ocorreram sem pedido de assistência formal e foram comprovados por documentos oficiais do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, obtidos pelo Intercept para além dos diálogos da Vaza Jato.
“A QUESTÃO NÃO É DE CONVENIÊNCIA. É DE LEGALIDADE, DELTA”
Durante as conversas e visitas, os procuradores da Lava Jato sugeriram aos americanos maneiras de driblar um entendimento do STF que permitisse que os EUA ouvissem delatores da Petrobras no Brasil. A troca de informações sem o conhecimento do Ministério da Justiça foi intensa. Com base nessas informações, mais tarde, agentes americanos ouviram, no Brasil, Nestor Cerveró e Alberto Youssef, além de outros – depoimentos esses usados para processar a Petrobras nos Estados Unidos.
Deltan Dallagnol sabia que estava agindo à margem da lei. Em um diálogo de 11 de fevereiro de 2016, o procurador Vladimir Aras – então diretor da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR) – alertou o ex-líder da Lava Jato sobre seus procedimentos ao permitir a operação dos agentes americanos no Brasil.
“Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo”, respondeu Deltan, às 16:00:39, tentando explicar o motivo de ter deixado o Ministério da Justiça de fora das tratativas. Aras rebateu dois minutos depois:
“A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ a intermediação. Estamos negociando com o Senado um caminho específico para os casos do MPF. Por ora, precisamos observar as regras vigentes.”