
DO G1 PA
O cineasta Fernando Meirelles, internacionalmente reconhecido por trabalhos como “Cidade de Deus” e “Ensaio sobre a cegueira”, não gosta de ópera. Desconhece a produção de grandes mestres do gênero, e só assistiu a algumas montagens na vida. Diante da confessa falta de afinidade com o assunto, ele diz que ter sido convidado para dirigir uma das obras que integram o Festival de Ópera do Theatro da Paz, em Belém, tornou-se um desafio inédito. “Um convite feito por engano para alguém que aceitou por irresponsabilidade”, brinca.
O convite a Fernando Meirelles ocorreu por meio de Mauro Wrona, diretor artístico do Festival, após sugestão de Paulo Chaves, secretário de Cultura do Pará, que não divulgou o cachê do cineasta. Meirelles será o diretor cênico do espetáculo “Pescadores de Pérolas”, de Georges Bizet. “Não conhecia a obra e, para ser honesto, sequer sabia que esta peça existia”, revela o diretor.
A montagem marca a estreia do cineasta na direção operística e é uma das atrações mais aguardadas do Festival, que chega à sua 14ª edição. “Pescadores de Pérolas” será transmitido ao vivo em cinemas de várias cidades do Brasil, e irá se tornar documentário, já encomendado por um canal de televisão por assinatura. A opulência do projeto não passa despercebida por Meirelles que, apesar de ter alcançado grandes feitos, como ser indicado ao Oscar de melhor diretor, não esconde o nervosismo. “Se der errado, muita gente vai poder ver o erro. Estou com medo? Sim. Mas viver é muito perigoso e eu já sabia disso”.
Confira a seguir, na íntegra, a entrevista exclusiva concedida por Fernando Meirelles ao G1.
Como ocorreu o convite para participar do Festival? O que o motivou a aceitar o desafio?
O convite foi feito através do Mauro Wrona, diretor do Festival de Óperas do Theatro da Paz, por sugestão do Paulo Chaves, secretário de Cultura do Pará. Eu cheguei a tocar (pessimamente) violino, e participei certa vez da montagem de uma opereta bufa na FAU, escola de arquitetura onde estudei. Eu fazia parte do pequeno conjunto de câmara e o Mauro Wrona era o tenor. Por ter me conhecido com um violino e um arco na mão, desde então o Mauro viveu a ilusão de que eu entendia alguma coisa de ópera ou mesmo de música, e me convidou inadvertidamente. Um convite feito por engano para alguém que aceitou por irresponsabilidade. A peça promete.
Já conhece Belém? E o Theatro da Paz, onde será encenada a ópera?
Já fui para Belém duas vezes. A ópera acontece no Theatro da Paz que sofreu uma reforma e está lindo. É um teatro maior e mais antigo que o de Manaus, além de igualmente bonito, mas, por alguma razão, só não é igualmente famoso. Dia 16 de agosto vou de vez para começar os ensaios. Será ótimo poder passar um mês no Norte.
Fernando é entusiasta do gênero operístico?
Esta é a ironia. Nunca gostei de óperas. Conheço algumas árias famosas, mas só assisti a cinco montagens na vida.
Você tem compositores preferidos?
Do pouco que conheço, Bizet é o favorito. “Carmen” merece a fama que tem, mas a música do “Pescadores” é igualmente linda. Gosto também do Phillip Glass, e se ópera rock vale para a sua pergunta, eu incluiria Joe’s Garage, do Frank Zappa.
Já conhecia a ópera de Bizet a qual foi convidado a dirigir cenicamente? Considera de difícil ou fácil execução?
Não conhecia e, para ser honesto, sequer sabia que esta peça existia. O que li a respeito e é comentário geral, é que o libreto de “Pescadores” que entregaram ao Bizet é muito fraco, uma historinha de amor banal que ele conseguiu salvar com sua extraordinária música, fazendo a peça entrar no repertório dos teatros e ser montada regularmente pelo mundo. De fato, é bonita.
Sendo a sua estreia em uma montagem dessa natureza, que elementos extraídos do cinema – seu ‘habitat’ natural – você acredita que possam colaborar para o resultado que o público espera ver em “Os Pescadores de Pérolas”?
Como não sei muito como é um processo de montagem teatral normal, estou usando um pouco meu jeito de fazer cinema. Transformei o libreto num roteiro com cenas divididas e vou filmar algumas passagens e misturar projeção com a encenação. Acho que teremos também mais mudanças de cenários do que o habitual. A turma de contrarregras vai trabalhar sem parar. Fica a cargo do maestro, dos músicos e dos cantores encantarem a plateia com a música. Meu trabalho é tentar fazer a história chegar até os espectadores. Se o cantor alcançará ou não o “dó” não será problema meu, se o personagem que ele vive não interessar a plateia terá sido culpa minha.
Te dizer.. É muita caboquice mesmo.