O futuro do jornalismo, segundo a BBC

POR JAMES HARDING

Jerry Seinfeld, comediante, ator, escritor e produtor norte-americano, disse certa vez: “É incrível como a quantidade de notícias que acontece no mundo todos os dias sempre cabe direitinho no jornal”. Hoje, isso já não acontece.

Há mais informações, mais facilmente disponíveis, de forma mais imediata, em mais formatos, em mais dispositivos e para muitas centenas de milhões de pessoas a mais do que no passado. E costumava-se dizer que a liberdade de imprensa é limitada àqueles que a possuem.

Hoje, qualquer pessoa com uma conexão à internet e uma conta no Twitter pode fazer a notícia. Se você pode escolher, você é o manda-chuva.

Então, como é que a internet mudou a notícia? Infinitamente para melhor. Para quem estiver interessado em relatar o mundo – encontrando histórias, contando histórias, compartilhando histórias – tudo isso tornou-se muito mais possível. Estamos vivendo o momento mais emocionante para o jornalismo desde o advento da televisão.

E a era da internet está apenas começando. Em 2025, a maioria das pessoas no Reino Unido provavelmente irá escolher os seus programas de televisão pela internet. Em 2030, possivelmente, todo mundo agirá assim. A antena de TV terá o destino da máquina de escrever.

Apenas uma década atrás, o número de pessoas superava o número de dispositivos conectados, na proporção aproximada de 10 para um. No ano passado, o número de telefones móveis superou pela primeira vez o número de pessoas. Em 2020, haverá no planeta cerca de 10 dispositivos conectados para cada ser humano. Logicamente, as mudança tecnológicas são desiguais entre as diferentes partes do mundo, entre as diferentes faixas etárias e diferentes comunidades. Mas elas continuarão avançando. E se nada ocorrer de anormal, vão se acelerar.

A transformação

As possibilidades emocionantes das mudanças, no entanto, não podem disfarçar o fato de que a mudança é perturbadora – e difícil. Como observou Sir Charles Dunstone, fundador da Carphone Warehouse (rede de lojas européia, lançada em 1989), o novo mundo da mídia pode ser comparado à cidade suíça de Zurique – que está cada vez mais parecida com a cidade indiana de Bombaim.

Neste ambiente movimentado, há menos notícias e muito mais ruído. A internet provocou um rombo no modelo de negócios de muitas das grandes organizações de mídia. E, como resultado, amplos segmentos da vida moderna são cada vez mais esquecidos ou estão submonitorados pela imprensa.

Tomemos como exemplo a mídia local e regional. Na medida em que os anúncios classificados foram migrando para o meio digital, a imprensa regional sofreu e sofre. Do “Rocky Mountain News” (circulava em Denver, Colorado/EUA) ao “Reading Post”, no Reino Unido, muitos jornais locais foram fechados. Em uma década, mais de 5.000 postos de trabalho foram cortados nas redações de toda a imprensa regional e nacional no Reino Unido. E este enxugamento de repórteres não está acontecendo uniformemente. De forma alguma.

De acordo com o estudo de Andy Williams, da Escola de Jornalismo da Universidade de Cardiff (País de Gales, Reino Unido), somente a Media Wales Ltd – de propriedade do grupo Trinity Mirror – sofreu drástica redução de pessoal na redação e produção. Passou de cerca de 700 funcionários em 1999 para 136 em 2011.

Essa tendência não é apenas local, é global. A mídia norte-americana tem números ainda mais expressivos do que o Reino Unido. Por exemplo: a quantidade de correspondentes internacionais que trabalham para jornais dos EUA recuou 24% de 2003 a 2010. E o volume de noticiário internacional nos jornais da noite em 2013 foi menos de a metade do que era no final de 1980. Estudo mais recente do jornalismo internacional na imprensa britânica colheu números similares.

Outros países, como Rússia e Catar, estão investindo em reportagens globais. A Televisão Central da China (CCTV, a maior do país, em operação desde 1958) recebeu uma injeção de cerca de US$ 7 bilhões para expandir as operações globais, aumentando o alcance de sua programação via satélite, atingindo hoje 220 milhões de famílias estrangeiras, contra apenas 84 milhões em 2009.

A mudança de geração está na base das novas formas de consumir notícias. Na Suécia, a idade média do público que assiste ao noticiário noturno na SVT – a emissora de serviço público – é de 66 anos. Enquanto isso, uma pesquisa recente descobriu que 26% das crianças de dois anos na Suécia já ficam on-line pelo menos uma vez por dia.

Os contornos dessa revolução já são claros no Reino Unido, onde, no ano passado, o noticiário de TV alcançou, em média, a cada semana, 92% das pessoas com mais de 55 anos – um número estável ao longo da última década. Na faixa entre 16 e 34 anos, esse percentual cai para 52% a cada semana – bem abaixo dos 69% de 2004. A ruptura (ou transformação) que ocorreu com os jornais ao longo dos últimos 10 anos, numa espécie de cobrança de pedágio, vai, de uma forma ou de outra, atingir o noticiário de TV durante a próxima década.

E quem se importa com essa transformação? As pessoas dizem que o acesso às notícias nunca foi tão bom como é hoje. De acordo com recente pesquisa da BBC, 76% das pessoas concordam que é mais fácil do que nunca saber o que está acontecendo no mundo. Mas o meio, como sempre, dá forma à mensagem. Há pouco mais de 50 anos, a TV transformou o modo de transmitir a notícia. Para milhões de pessoas, a TV trouxe vida. Mas os telejornais também trouxeram imagens dramáticas, políticos telegênicos e declarações irritantes.

A internet

A internet também está mudando o noticiário. No Reino Unido, por exemplo, 59% dos usuários de notícias digitais disseram, em recente pesquisa, que olharam (em determinada semana) para as manchetes on-line. Outros 43% disseram ter lido reportagens mais longas no on-online.

Emily Bell, do Tow Center para Jornalismo Digital, (Universidade Colúmbia/EUA) apontou que a internet não é necessariamente um curador neutro do noticiário. No ano passado, uma experiência acadêmica analisou como o Facebook manipulou o feed de notícias de 700 mil usuários durante uma semana para ver como a visualização de diferentes tipos de notícia pode afetar o humor dos usuários. Boas mensagens deixam as pessoas mais propensas a serem felizes.

A internet está ignorando o repórter profissional. Computadores podem fazer muitos dos trabalhos que os jornalistas estão acostumados a fazer, como compilar resultados de futebol, produzir boletins noticiosos sobre viagens e até escrever notas sobre balanços de empresas. Serviços que costumavam ser partes essenciais da notícia estão cada vez mais automatizados e disponíveis on-line de forma separada.

E até os governantes estão descobrindo que podem falar diretamente com o cidadão, sem a necessidade de se preocuparem com perguntas embaraçosas de um repórter. O concorrente do jornalista já não é mais um outro jornalista. Muitas vezes, é o próprio personagem da história. Partidos políticos, celebridades e corporações se comunicam diretamente com o público. Uma era de maior conectividade não conduz, necessariamente, a uma maior responsabilização.

Desigualdade

É uma época de crescente desigualdade no acesso às informações. Milhões de pessoas estão on-line, milhões não estão. O mundo está se dividindo entre aqueles que podem buscar a notícia e aqueles que, em número crescente, mal conseguem se aproximar desse processo. De um lado estão os que pesquisam, os que esperamser encontrados;de outro, osque nãobuscam conhecimento.

Está aumentando, por um lado, a lacuna de informação entre as pessoas mais jovens, as pessoas mais pobres e alguns grupos de minorias étnicas; e, por outro, entre as pessoas idosas, as pessoas mais ricas e alguns grupos de pessoas brancas. Há cada vez mais dados, mais opinião, mais liberdade de expressão, mas é mais difícil saber o que realmente está acontecendo. Mesmo que o internauta diga ser mais fácil obter notícias, as pessoas estão cada vez mais inseguras em relação aos fatos e o que eles significam.

O conhecimento das pessoas sobre os fatos importantes, quando se trata de política pública, é incrivelmente desigual, como mostrado por uma pesquisa realizada em outubro de 2014 pelo instituto britânico Ipsos MORI. Por exemplo, os britânicos acham que 24% da população são imigrantes (quase o dobro do percentual real de 13%) e acreditam que cerca de 24% da população em idade de trabalhar estão desempregados (o número real é de 7%).

Esta é uma época irregular. Vemos, em alguns lugares, decadente entusiasmo para a democracia, polarização de opiniões, desengajamento social e uma crise de cidadania. Esses problemas não são culpa da mídia. Mas o jornalismo – particularmente o jornalismo de serviço público – tem a responsabilidade de apontar soluções. A indústria de notícias pode ajudar a determinar o tipo de sociedade conectada que somos.

O futuro da BBC

No ano passado, a BBC começou a discutir como será seu jornalismo na próxima década. A empresa se propôs a olhar para a indústria de notícias como um todo, e não apenas para a BBC News. Foram colhidos pontos de vista e ideias dentro e fora da organização.

Você pode muitas vezes acabar parecendo um bobo ao tentar prever o futuro. Este exercício, no entanto, não é de prever a próxima década, mas de se preparar para ela.
É também um esforço realizado por jornalistas que sabem que, no final, o futuro da notícia é a notícia.

Dissecar o jornalismo pode ser como analisar uma piada, uma espécie de diversão sem foco. Seja qual for a mudança que está por vir, nosso trabalho continua no sentido de descobrir o que realmente está acontecendo e relatar essa transformação. Propusemo-nos a olhar para as notícias de três formas – tecnologia, histórias e pessoas.

O que os novos dispositivos, redes e plataformas nos permitem fazer? Como as organizações de mídia devem relatar fatos e contar histórias e o que, de fato, vai contar como uma história? E onde e como as pessoas vivem no Reino Unido e em todo o mundo? O que vão querer e o que esperam do noticiário?

Na era da internet, a BBC é mais necessária e valiosa do que nunca. A internet não está mantendo todos informados, nem vai. De fato, ela está ampliando problemas de desigualdade na informação, de desinformação, de polarização e desengajamento.
Nosso papel, porém, é manter todos informados.

Para fazer isso, a BBC News vai ter que começar a pensar em como vai cumprir a sua missão de informar além da radiodifusão/televisão. Globalmente, precisa explorar ao máximo seu alcance exclusivo no noticiário mundial. A Grã-Bretanha tem um papel único no Serviço Mundial – e a BBC precisa decidir se deve haver uma estratégia de crescimento ou um pé no freio bem gerenciado.

No Reino Unido, a desconcentração e o declínio da imprensa regional está criando uma real necessidade de cobertura de acontecimentos locais. A BBC vai ter de fazer mais para fornecer notícias locais que possam interessar a todas as regiões do Reino Unido.

A BBC sempre inovou na notícia. As oportunidades do novo jornalismo estão à vista – em jornalismo de dados, em serviços personalizados de notíciais, em audiências específicas. É hora de aproveitá-las.

Na era da internet, o trabalho da BBC é ser o lugar aonde as pessoas vêm em busca da verdadeira história – oque realmente importa, o que realmente está acontecendo, o que realmente significa. Para fornecer a verdadeira história, temos de ser intransigentes em relação a nossos valores jornalísticos – exatidão, imparcialidade, diversidade de opiniões dando um tratamento justo às pessoas envolvidas nas notícias e no serviço público. Nós temos que ser claros sobre a forma como trabalhamos. Estamos às voltas com qualidade, não com quantidade – abertura, universalidade e independência. Pois, em uma democracia, a notícia é o serviço público essencial. Um governo do povo não pode funcionar sem ele.

Ninguém colocou isso melhor do que Thomas Jefferson. Em 1787, ele escreveu:
“Sendo a base de nossos governos a opinião do povo, o primeiro objetivo deve ser o de manter esse direito; e se fosse deixado para mim decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a última hipótese. Mas devo dizer que todo homem deve receber os jornais e ser capaz de lê-los.”

O trabalho com o noticiário é manter todos informados – uma ação que nos permita ser melhores cidadãos, monitorados com o que precisamos saber. Na emocionante, desigual e agitada era da internet, a necessidade de notícias – precisas e justas, perspicazes e independentes – é maior do que nunca.

Remo viaja escalado para confronto em Santarém

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Ainda sem pontuar no campeonato, mesmo depois de duas rodadas, o Remo se prepara com afinco para o jogo decisivo desta quinta-feira, em Santarém, diante do São Francisco. Para continuar alimentando esperanças de classificação à semifinal, o time precisa derrotar o Leão santareno dentro do estádio Barbalhão, o que não é tarefa fácil. Nos treinos desta semana, o técnico Zé Teodoro insistiu com um time-base, formado por Camilo; George, Ciro Sena, Max e Alex; Alberto, Dadá, Eduardo Ramos e Bismarck; Rafael Paty e Roni. O atacante Flávio Caça-Rato, que faltou a um treino, foi advertido e também está na delegação que viaja nesta quarta-feira para Santarém. O lateral-direito Cláudio Allax, ex-PSC, deve ser anunciado como novo contratado do Remo. Ele vinha treinando no Baenão e foi aprovado pelo técnico Zé Teodoro. (Com informações do Bola/Foto: MÁRIO QUADROS/Bola)

A imprensa brasileira e o escândalo dos outros

POR LUCIANO MARTINS COSTA – no Observatório da Imprensa

Um dos maiores escândalos financeiros de todos os tempos se desenrola na Suíça e tem como epicentro o braço de finanças privadas do HSBC, banco britânico com origem em Hong Kong, e suas repercussões ecoam por quase todo o mundo. Menos no Brasil.
O pedido público de desculpas, distribuído pelo banco a toda a imprensa mundial, foi publicado no domingo (15/2) em jornais, revistas, portais e boletins especializados. No Brasil, pode-se ler uma nota na Folha de S. Paulo de segunda-feira (16/2) citando o assunto. Ainda assim, o texto curto do jornal paulista não faz referência à extensão do caso e, no que se refere ao Brasil, apenas observa que “na lista de contas secretas do banco vazada no Swiss Leaks há ao menos 11 pessoas ligadas ao escândalo da Petrobras”.
HSBC super villian_end.Swiss Leaks não é um endereço na internet: é o nome dado à investigação jornalística independente sobre a gigantesca operação de fraude fiscal de que é acusada a subsidiária do HSBC em Genebra. Mais de 180 bilhões de euros teriam passado pelas contas de 100 mil clientes e operadas por 20 mil empresas offshore em transações do banco no período até aqui investigado.
A reportagem foi produzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) a partir de vazamentos produzidos por um ex-funcionário do banco, o engenheiro de software Hervé Falciani, e entregue a autoridades da França em 2008 (ver aqui). Desde então, mais de 130 jornalistas vêm trabalhando na apuração dos dados, em 49 países.
Somente esse esforço jornalístico deveria merecer da imprensa brasileira muito mais do que uma nota curta perdida num pé de página ou o interesse restrito em nomes de empreiteiros e doleiros envolvidos na Operação Lava Jato. Se não fosse pela grandiosidade dos números, que revelam a extensão das fraudes que sustentam grandes fortunas por todo o mundo, seria de se esperar que um jornalismo minimamente objetivo se interessasse ao menos por um fato revelado na investigação: são muitos os milionários brasileiros citados nos documentos, e não apenas os 11 nomes ligados de alguma forma ao escândalo da Petrobras.

O mapa da lavagem
O que os jornais brasileiros temem revelar? Não erra quem imaginar que entre as 6.066 contas suspeitas de 8.667 clientes que ligam o banco suíço ao Brasil podem ser encontrados nomes surpreendentes. Sabe-se, por exemplo, que os donos do grupo argentino de comunicação Clarín estão na lista.
Para se ter uma ideia da extensão do escândalo, basta citar que as contas ilegais, pelas quais foram fraudados os tesouros de dezenas de países, incluem políticos da Inglaterra, Rússia, Ucrânia, Geórgia, Quênia, Romênia, Índia, Liechtenstein, México, Líbano, Tunísia, República do Congo, Ruanda, Zimbábue, Paraguai, Djibuti, Senegal, Venezuela, Filipinas e Argélia.
Trata-se de um mapa precioso para o rastreamento de dinheiro desviado por políticos corruptos, ditadores, além de contrabandistas de armas e diamantes e traficantes de drogas.
O banco privado onde circulava esse dinheiro era parte do conglomerado Republic Bank de Nova York, que foi comprado pelo grupo britânico do banqueiro Edmond Safra, judeu de origem libanesa que se naturalizou brasileiro. Safra morreu em dezembro de 1999, quando era finalizada a negociação, em um incêndio provocado por dois supostos assaltantes que invadiram seu luxuoso apartamento em Montecarlo.
O noticiário da época conta que Safra havia informado autoridades dos Estados Unidos que o Republic Bank estava sendo usado pela máfia russa para lavar dinheiro. O enredo inclui ainda agentes do serviço secreto israelense, que treinaram seus seguranças particulares, e outros detalhes instigantes, entre eles o fato de os supostos ladrões terem entrado e saído com facilidade de um dos edifícios mais protegidos da capital do principado de Mônaco.
Mas nada disso parece interessar a brava imprensa brasileira. A mídia nacional não parece curiosa, por exemplo, com o fato de que o Brasil é o nono país na lista dos maiores valores encontrados nas contas suspeitas: US$ 7 bilhões pertencentes a brasileiros ou estrangeiros com negócios no Brasil foram encontrados no HSBC Private Bank.
O texto da reportagem do ICIJ observa que nem todo dinheiro listado nos documentos é ilegal, mas autoridades de vários países estão examinando todos os negócios do banco.
No Brasil, o assunto é acompanhado apenas por um ou outro blogueiro: nossa imprensa entende que esse é um escândalo dos outros.

O que poderia ter sido grande, mas foi apenas mau

POR LUIS NASSIF

Quando o outsider entrou no STF (Supremo Tribunal Federal), os senhores formais aceitaram com superior condescendência. O outsider tinha currículo, falava várias línguas, desenvolvera teses importantes sobre inclusão.

Mas era outsider. Não vinha de família de juristas, gostava do ambiente informal dos botecos, era de pouquíssimos amigos e nunca fez média na vida. Conquistou tudo na porrada, dependendo dele e só dele.

Tinha tudo para entrar para a história, derrubando conchavos, despindo o formalismo e a hipocrisia de muitas togas, subvertendo formas de ver o mundo, trazendo para o Supremo os ares da contemporaneidade e a marca altiva de sua cor e dos que conquistaram tudo sem nunca ceder.

Mas faltava-lhe algo, uma peça qualquer no sistema emocional que o tornou uma espécie de Mike Tyson com toga, uma força gigantesca e incontrolável assombrada por mil demônios internos que o impediram definitivamente de se tornar um grande.

O que moldou esse lado emocional tosco, rude, cruel, não se sabe. As intempéries da vida costumam construir grandes caráteres; mas também modelam a crueldade, a revanche permanente.

Foi o caso de Joaquim Barbosa.

Seu mundo tornou-se uma ilha pequena, restrita, cercada por um oceano infestado de tubarões querendo destrui-lo, cada gesto contrário visto como ameaça ao que ele conquistou.

Cada julgamento tornava-se uma guerra a ser vencida a qualquer preço, até com a sonegação de provas, se necessário. O tribunal tornou-se a arena povoada de gladiadores sangrentos aguardando o polegar para baixo do público para a degola final dos inimigos. E todos eram inimigos, o réu a ser condenado, o colega que ousasse discordar de qualquer posição, o advogado que rebatesse seus argumentos, o jornalista que o criticasse.

capa_preta2Em poucas pessoas vi ódio tão visceral, a raiva como motor de todas as atitudes, um egocentrismo tão exasperado a ponto de tratar qualquer voz dissidente como um inimigo a ser aniquilado.

Certamente em José Serra, que, em todo caso, sempre foi suficientemente esperto para agir através de terceiros.

Joaquim Barbosa nunca usou as armas da hipocrisia, a malícia das jogadas. Como Tyson, saía de peito aberto distribuindo porradas pelo mundo. O que o movia não era a desonestidade, a vontade do poder  A busca da popularidade, sim, mas, acima de tudo, dar vazão ao ódio, sempre o ódio como seiva vital.

E esse bruto – na definição mais ampla do termo –foi transformado em campeão branco da mídia na disputa política. Emocionalmente tosco, embarcou no jogo de lisonjas, do “menino que mudou o Brasil”, foi usado enquanto pode.

Por toda sua vida profissional, exercitou o duplo jogo de quem se formou nas guerras da vida e na formalidade de um poder hierárquico. Enfrentava o mundo jurídico intimidando comportamentos formais com a truculência desmedida das discussões de rua e de botecos; e se impunha junto aos amigos de praia com a condescendência dos que subiram na vida mas não esqueceram as origens.

Acima de tudo, contava com o beneplácito da mídia, enquanto serviu, que lhe proporcionou ser ouvido pelas ruas. Com tal poder, passou a quebrar dogmas, mas da pior forma possível, atropelando direitos, protocolos mínimos de boa educação, sendo agressivo até o limite da boçalidade em um ambiente eminentemente formal.

Restava-lhe o apoio da malta, aquela parcela mais desinformada da sociedade que aplaude linchamentos, defende a lei de Talião, se regozija com qualquer bode expiatório. E, no contraponto, as vaias da selvageria que despertou no lado oposto.

Dos dois lados do balcão, o homem mau só conseguiu trazer à tona os piores sentimentos dos admiradores e dos críticos. Quanto mais se isolava, mais Joaquim Barbosa radicalizava as arbitrariedades.

Ganhou alguma sobrevida graças a mudanças nos procedimentos do STF que impediam impetrar habeas corpus contra decisões do presidente da casa, uma iniciativa do ex-presidente César Peluso supondo que jamais a presidência seria ocupada por uma pessoa desajustada.

As arbitrariedades foram tão ostensivas que um gesto totalmente fora das regras – do advogado de José Genoíno, invadindo uma sessão do STF para questioná-lo – não mereceu uma condenação sequer dos ministros da casa. Pelo contrário, estimulou a defesa de Marco Aurélio de Mello, porque sabendo ser ato de absoluto desespero, de quem via leis e procedimentos jurídicos atropelados pela insanidade de um julgador.

E aí o poderoso, o imbatível Joaquim Barbosa pediu aposentadoria e se afastou da AP 470 procurando se vitimizar, dizendo-se alvo de manifestos políticos e de ameaças do advogado. Saiu no momento em que o STF iria colocar um fim em suas arbitrariedades.

Do Jornal Nacional mereceu uma nota seca, que surpreendentemente terminou com uma frase do advogado que o enfrentou: “Agora, o Supremo poderá voltar a julgar com isenção”. De seus pares, não mereceu nada, nenhuma saudação.

Saindo, passa uma enorme sensação de desperdício. Desperdício em relação ao que poderia ter sido na renovação do STF, na afirmação da diversidade racial, na consagração do esforço individual.

Fica apenas a imagem de um homem mau e sem grandeza, que nem na hora da saída mira a história: seu objetivo único, agora, é  se vingar de um advogado que ousou enfrentar a sua ira.

O passado é uma parada…

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Rara fotografia da praça Batista Campos. Data incerta, mas provavelmente da década de 50. (Nostalgia Belém, via Fragmentos de Belém)

Rock na madrugada – Bob Mould & Dave Grohl, Ice Cold Ice