POR UBIRACI LEAL, DO TRIVELA
O processo de coxinhização do futebol atingiu, com o clássico de torcida única, o seu ponto máximo. Tudo começou com a falta de pernil e com a ideia de se medir o tamanho da bunda do cidadão. Não há desgraça repentina que não tenha enviado avisos intermitentes. O tio morto, vítima de ataque cardíaco, fumava como uma chaminé. Por que a irmã deixou as sobrinhas saírem de casa com as amiguinhas? Agora, só com 17 anos já estão namorando. Já viram que sou um caipira ultrapassado e ciumento. Estou na faixa de idade em que se fala “sou do tempo em que….”. Em que o futebol não era o espetáculo em que querem transforma-lo agora. Um programa de duas horas que antecede ou sucede o Faustão. Um complemento da novela. Algo para se ver em casa, no sofá. Um produto gourmet. Ou coxinha..
O primeiro sinal veio com a proibição do pernil. Aquela chapa quente, aquela bloco de carne envolvendo o osso, o vinagrete, o cheiroso óleo de soja, o pão não tão novo… Tudo, uma questão cultural. O pernil é tão importante quanto uma preliminar, tão inesquecível quanto um gol – os motivos são diferentes – fazia parte do programa. A saída de casa, o até logo à mulher era calculado para que a primeira mordida se desse em horário tal que a iguaria fosse digerida com calma e que não atrasasse a entrada no estádio para se conseguir um lugar.
Aí, veio o prefeito Kassab. Em sua sanha proibitória, acabou com o pernil. Como já havia acabado com o ovo mole. A culpa é da salmonela. E esse intelectual aqui, com blog no UOL, pensava que salmonela era a mulher do salmão. Intelectual de merda, que não consegue terminar, anos após anos, Os Miseráveis.
Vamos voltar à uma frase do parágrafo anterior. “e que não atrasasse a entrada no estádio para se conseguir um lugar. ” Sim, o nome era estádio e não arena. E não havia lugar garantido. Você via o jogo em pé, com alguém na frente. Era um multidão feliz, urrando e provocando os adversários. Então, chegou o estatuto do torcedor, que resolveu garantir ao cidadão o direito de ver o jogo sentado. Direito ou obrigação. Calculou-se o tamanho médio da bunda do cidadão brasileiro. E os estádios diminuíram como balão de gás..
Mas é muito melhor ver o jogo sentado. Sem ninguém à sua frente. É mesmo? Quem disse? Quem me perguntou? Essas medidas civilizatórias me lembram os padres jesuítas fazendo os índios trocarem Tupã por Deus. É assim porque é assim. Na Europa é assim.
Havia algo mais importante a se aprender com a Europa. O que se fez para acabar com os hooligans? Como impedir que marginais tomassem para si um direito que é de todos? Foram criadas leis? O que a Polícia fez? Como identificar delinquentes?
No Brasil, não. Chegou-se à prática surreal de autoridades convidarem dirigentes de torcidas organizadas para discutir como terminar com a violência das torcidas organizadas. Sim, depois de matarem tantos, foram convidados para a mesa de negociações. É como se o governador quisesse diminuir o tráfico de drogas e chamasse Fernandinho Beira-Mar para um chá no Palácio.
Enfim, nada foi feito. Por inércia, por incompetência, por desrespeito ao cidadão. Mediu-se o tamanho da bunda. Proibiu-se o pernil. E pronto.
Chegou-se agora à tese da torcida única. Já há tempos era proibido que meu amigo Moacyr pudesse ver o jogo ao lado de meu outro amigo, Simão. Não podiam ficar pertos no estádio, embora tenham ficado perto a vida inteira.
Agora, é pior. O trio de mosqueteiros Moacyr, André e Ze Antônio – dois deles são intragáveis quando o assunto é futebol – não pode nem ir ao estádio rival. Um dos motivos alegados é que cadeiras poderiam ser quebradas. Ora, eles são chatos mas não são vândalos.
E aí é que a ficha cai. Essas pessoas não vão ao estádio inimigo nem que quisessem. Todos os ingressos disponíveis são dados às organizadas. Todo time faz isso.
Então, se o Corinthians entrar na Justiça – e eu acho que deve entrar – para permitir que seus torcedores possam ir ao estádio do Palmeiras, ela estará apenas em tese fazendo algo pela cidadania, pelo direito de ir e vir. Na verdade, ela estará apenas defendendo a facção organizada. Aos cidadãos de bem, aos que não estiveram em Oruro, a coxinhização do futebol e a inépcia do Estado, já haviam impedido esse direito.
Mesmo assim, é preciso lutar. Defendamos agora os fora da lei. E depois, torçamos para que todos possam ira aos estádios que quiserem. Com direito a um pernil antes. Torcendo em pé ou sentado, sem se preocupar com o tamanho da bunda.
Se não for assim, que se garanta brioches, cupcakes e chá de hibisco roxo aos frequentadores das arenas.











