Por Julio Gomes, da ESPN
Com um amigo meu, culé de coração, eu costumo ter altos debates sobre o Barcelona. Adoro fazer o advogado do diabo, faz parte da minha personalidade – alguns falam que eu gosto de ser “do contra”. Enfim, eu gosto é de debates, acho que o ser humano fica mais inteligente e aberto quando ouve, fala, ouve, fala, absorve, aprende, leva. Em nosso debates, eu sempre repeti a frase: “Guardiola não inventou o futebol!”. Eu tenho uma ideia de que Pep Guardiola é um personagem importantíssimo, fundamental, dentro dessa era de sucesso do Barcelona que nasceu lá em 2003. Não considero que o sucesso tenha começado no meio de 2008, quando ele assume o cargo. Esse meu amigo é dos que exageram no papel de Guardiola. Mas sinto que a enorme maioria exagera para o outro lado quando fala de Pep.
“Queria ver se pegasse um time ruim”. “Com o Messi no time, até eu me consagro”. “Só ganha porque tem esquema na Uefa”. Não faltam frases como essas espalhadas e sendo ditas por aí. Guardiola pega um time destroçado em 2008. Moralmente destroçado. A qualidade estava lá, logicamente, mas era necessário resgatar uma equipe que não acreditava mais em si e que não tinha nenhum comando. Em três anos, Guardiola colocou suas ideias em prática e foi diretamente responsável pelos 9 títulos (de 13 possíveis) conquistados pelo Barcelona.
Abriu mão de ter um número 9, um atacante de referência; inventou um Messi como falso centroavante, se movendo entre linhas e permitindo as movimentações em diagonal de seus ‘pontas’; trouxe Busquets e Pedro da base para serem titulares até da seleção; adaptou seu sistema ao melhor lateral do mundo, em vez de fazer o contrário; acreditou nos baixinhos; acabou com a concentração; enfim, a lista é longa. É errado não dar a Guardiola o que é de Guardiola. “A perfeição não existe, mas você tem que buscá-la mesmo assim”. “O maior risco que você pode correr é não correr riscos”. “Não estou aqui tratando com jogadores, estou tratando com pessoas. Que têm medos e se preocupam em não fazer papel de bobos diante de 80 mil pessoas. Eu tenho que fazê-los perceber que, sem estarem juntos, eles não são nada.”
Guardiola não dá entrevistas exclusivas nem para a TV do clube. As frases acima, belíssimas, vêm todas de coletivas. Ele não é metido a poeta, mas fala bem como poucos e mostra, com palavras, como é como pessoa. A construção da história do Barcelona nos últimos 30 anos tem Cruyff como grande mentor, Guardiola como perfeito seguidor e, possivelmente, Xavi como futuro receptor do bastão. Não é pouco o que Guardiola fez e faz, assim como não é pouco o que Sir Alex Ferguson faz para transformar o Manchester United em um time que nunca está fora de nenhuma briga.
É verdade, é fato, que com o passar dos anos sua função gerencial foi ganhando mais importância em relação ao trabalho de campo. Mas daí a dizer que quem treina o time é o auxiliar X ou Y e que, de bola mesmo, Ferguson não entende, vai uma distância tremenda. Não é exatamente o auxiliar que encontra figuras como Chicharito Hernández a preço de banana. Ferguson entende sim, e muito, de futebol. É um técnico que, em um país de dois times, o dele mesmo, pegou o pequeno Aberdeen e ganhou 10 títulos em 8 anos, incluindo aí uma Recopa para cima do Real Madrid. Que pegou um gigante em apuros, o Manchester United, e ganhou 12 títulos ingleses em 25 disputados. É uma aberração um número como esse.
O ex-sindicalista nascido na industrial periferia de Glasgow só não é, talvez, o maior treinador de todos os tempos porque ele nunca revolucionou o futebol, não mudou o jogo. Mas o futebol nunca passou nem perto de revolucionar com ele. O tempo engole muitos. Mas não, Sir Alex. A incrível capacidade de adaptação deste homem, a rede de olheiros, a confiança no que faz, a liderança para com os jogadores… Ferguson é inacabável. O deste sábado, é o segundo capítulo do duelo de gerações, é mais um capítulo do duelo entre os dois clubes que dominaram o futebol europeu nos últimos quatro anos. O duelo entre dois homens que já estão na história do futebol. Não no pé de uma página qualquer, mas merecedores de todo um capítulo das enciclopédias. São elogiados de menos. São bons demais.