Teria sido apenas mais um desabafo de jogador aborrecido com o antigo clube, mas a longa entrevista que o atacante Emerson concedeu a uma emissora de TV nesta semana foi um daqueles momentos raros em que boleiros resolvem abrir o verbo de verdade. O fato é incomum porque jogadores evitam quebrar aquele pacto sagrado de silêncio que reina nos vestiários.
Por maior que seja o grau da indignação, os atletas sempre declinam de dizer tudo o que sentem – e sabem. Falam por metáforas, reclamam de perseguições, generalizam as críticas, mas não entregam ninguém, nem sob tortura. Emerson até tentou seguir a cartilha, mas acabou sucumbindo à raiva de se sentir atraiçoado por colegas de time.
Usou a metralhadora giratória para disparar ataques em várias direções. Pelo código de honra dos boleiros, a chamada trairagem é a única afronta que justifica reações emocionais como a de Sheik. Além de alvejar o ídolo Fred, principal e mais caro jogador do elenco, detonou a comissão técnica, acusada de frouxa e incompetente.
Deu a entender que foi afastado mais pela relação difícil com Fred, o dono do time, do que por suas próprias atitudes inconvenientes. Autor do gol que deu ao Flu o título brasileiro de 2010, o atacante foi acusado de ter cometido a heresia de cantar no ônibus tricolor a música que festeja o arqui-rival Flamengo (“Bonde sem Freio”).
E, para defender sua cantoria, contou que vários outros cantaram os mesmos versinhos. Nesse ponto fez a revelação mais importante de toda a entrevista: disse que havia outro boleiro que sempre circulava trajando a camisa rubro-negra na concentração do Fluminense. O episódio é ainda mais significativo porque envolve um atleta em plena atividade, sujeito ainda a sofrer retaliações por falar demais.
Em três décadas de profissão, acompanhando futebol mais ou menos de perto, sei de situações semelhantes ocorridas em Remo e Paissandu, que fundiriam a cabeça dos torcedores mais xiitas. A diferença é que foram episódios abafados internamente e não assumidos por seus protagonistas.
O lado bom da explosão de franqueza de Emerson é confirmar que a natureza extremamente profissional da atividade e as altas somas em dinheiro envolvidas não impedem que a velha paixão subverta as coisas, de vez em quando.
Jogadores que banalizaram o ato de beijar os escudos dos clubes podem, sim, ter lá seus rompantes de torcedor comum. E não estamos falando aqui daquele gesto demagógico de não festejar gols contra ex-clubes. Pode-se dizer que a paixão juvenil ainda sobrevive. Enfim, nem tudo está perdido.
O que parecia inteiramente fora de questão, pode estar começando a mudar. Com os entraves envolvendo o estádio de S. Paulo, crescem aos poucos as chances de Belém na Copa das Confederações. O grande obstáculo ainda é a conhecida má vontade de Ricardo Teixeira em relação à cidade.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 08)




