Coluna: O conto da fórmula pronta

Sempre que clubes brasileiros tropeçam na Taça Libertadores surgem aqueles comentários de que faltou o espírito raçudo de argentinos e uruguaios. É a explicação mais conveniente para questões nem sempre fáceis de explicar. Desta vez, porém, com a eliminação sumária (e inédita) de quatro representantes nacionais de uma só vez, na última quarta-feira, estamos pelo menos livres desse argumento pronto.
Tudo porque três dos times brasileiros despachados da competição tinham como principais expoentes justamente jogadores argentinos. No Internacional, pontificam D’Alessandro e Guiñazu. O Cruzeiro vai de Montillo. O Fluminense estrutura-se a partir de Conca e seus lançamentos. Aliás, o baixinho do Flu foi simplesmente o melhor jogador do Brasileirão 2010. Dos derrotados na noite negra, somente o Grêmio não tem um craque da terra de Gardel para chamar de seu. 
A trapaça do destino é que Cruzeiro, Fluminense e Internacional gastaram dinheiro com as apostas erradas. Acreditando na velha lenda de que argentinos são especialistas em Libertadores, esqueceram de figuras menos graduadas, mas potencialmente decisivas, como Samudio, Rentería, Pratto e outros menos votados.
Na prática, se é que se pode ver algo bom em derrotas, ficamos com a evidência cristalina de que não existe fórmula perfeita para empregar na maior competição continental. O desfecho, como sempre, é espelhado na aplicação, na categoria e no entrosamento de um time. No fim das contas, os melhores conjuntos acabam prevalecendo. 
Cruzeirenses, colorados e tricolores, donos de alguns dos elencos mais caros da América do Sul, confrontam-se com a dura realidade do nivelamento técnico por baixo do futebol no continente. Não existem mais super times como em outros tempos. Apenas o Santos, de Neymar e Paulo Henrique Ganso, aproxima-se deste perfil nostálgico, com pitadas de um futebol clássico que não se vê mais.
Ocorre que, sob o comando de Muricy Ramalho, o Peixe mudou muito. Afasta-se velozmente daquela imagem de time insinuante, ofensivo e até moleque de outras jornadas. Tomou um choque de objetividade e hoje se orgulha mais dos gols que não toma, defendendo-se até com dez em seu próprio campo, como fez, perigosamente, no embate com o América do México. Mas, depois da derrocada em massa de potenciais favoritos ao título, talvez seja o caso de reconhecer a contragosto que a receita de Muricy é a mais adequada à Libertadores atual.
 
 
Aos que se surpreendem com a desdita brasileira, cabe lembrar que o quadro reflete fielmente o momento pouco brilhante do nosso futebol. Além de duas Copas perdidas, basta notar que não há um meia ou atacante brasileiro protagonista, de fato, nos grandes torneios europeus. Os brazucas que ainda despontam jogam na linha de defesa.  

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 6)