Por Daniel Malcher
Nos estertores de 1945, os debates sobre geopolítica mundial ou política internacional estavam balizados por uma certeza, uma obviedade: a proeminência de soviéticos e norte-americanos no cenário geopolítico. A Europa, outrora centro do mundo capitalizado e industrializado, que congregava ricos e imensos impérios coloniais desde meados do século XIX saía de cena arrasada por 37 anos de guerra – sim, 37 anos! Afinal, não seria a Segunda Guerra Mundial uma continuação da Primeira Grande Guerra, com um hiato de relativa “paz”, uma “paz-branca” entre os dois conflitos? – e no seu lugar, novos atores surgiram nos papéis principais, seguindo um roteiro que se adequou a novos enredos que se apresentaram quase imediatamente, logo ali, perto, já nos anos 50.
Coréia, golpes e ditaduras militares na América Latina, Vietnã, Laos, Camboja, Irã-Contras, Afeganistão, Nicarágua, Panamá, Golfo, Afeganistão novamente e Iraque vitaminaram script’s onde a trama se desenrolou apenas ao sabor de um dos atores principais. “Ao vencedor as batatas!”, como diria Quincas Borba; aos perdedores, a compaixão, a comiseração etnocêntrica das potências (ou melhor, do “império”) que depositam numa pretensa “inferioridade” e “incivilidade” dos coadjuvantes a justificativa das derrotas, das invasões e dos massacres. Cuba e Vietnã, nos já longínquos anos 60, desmistificaram tais premissas. Não quiseram ser “bandidos” nos filmes feitos por e para “mocinhos” e “xerifes” durões.
Logo após as bombas de Hiroshima e Nagasaki, qual seria então o fio condutor das tramas elencadas acima? Uma frase-efeito-bandeira, evocada em tempos de paz, de guerra, de relativa paz ou de conflito iminente: “conquistar corações e mentes”. E, independentemente do inimigo a ser vencido (durante 46 anos foram os “vermelhos” e agora é tudo aquilo genericamente chamado de “terror” ou “terrorismo”), e ao sabor das ocasiões, esta frase foi invocada quase como um imperativo, uma espécie de mantra. Conquistar para vencer (ou vice-versa) ou dominar requer brutalidade, jogar jogos escusos e, parafraseando conhecido filme, dar a estes o caráter de “jogos patrióticos”. Conquistar, vencer ou dominar requer o uso da força, mas, sobretudo refinamento, discurso, convencimento, criar o pânico, fomentar o medo. “Somos nós ou eles!”. É o “mundo livre”, a “Liberdade”, a “Democracia” (termos hipócritas e pastiches dos tempos da Guerra-Fria) que precisam trinfar sobre o “Mal”, o “Eixo do Mal”, o “Terror” e seus congêneres, e para tanto se valem inclusive de expedientes nada democráticos ou bondosos. Afinal de contas, na luta do “Bem” contra o “Mal” (ou, de “Nós” contra “O Resto”), tudo, mas tudo mesmo, é valido! Quem presenciou a quartelada de 64, incentivada e até articulada pelos interesses do “império”, sabe muito bem o clima causado por tais construções do discurso. E é esse eficaz jogo de conquista e “sedução” e o clima de comoção por ele provocado que forja adesistas de última hora e reafirma posições de partidários convictos.
Perante o histórico de “serviços” norte-americanos “prestados” ao mundo e que são de conhecimento público, o que seria então a morte de Osama Bin Laden, artífice do “maior atentado terrorista da história” (como se vê, para os norte-americanos há alguns atentados mais e outros menos) e bandido no faroeste da vez? Anunciada em tom triunfalista por Barack Obama e pela mídia televisiva dos “irmãos do norte” e por alguns de seus aliados mundo afora – o tom efusivo de uma apresentadora e de repórteres de um telejornal global de início de tarde na segunda-feira foi flagrante e, ao mesmo tempo, deprimente – é apenas um mise-and-scene para alavancar a popularidade de Obama e o sempre perigoso e egocêntrico orgulho nacionalista yankee? A consumação da justiça em nome daqueles mais de 2.500 norte-americanos mortos naquela manhã de 11 de setembro? Um recado àqueles que queiram contestar ou atrevidamente “cutucar” os Estados Unidos, como quem quer dizer “aconteça o que acontecer, ou dure o tempo que for, nós sempre venceremos”? Uma demonstração de que mesmo perante as recentes crises econômicas, os Estados Unidos estão sinalizando que “ainda estamos fortes e de pé”? Ou uma indicação clara de que, por mais que o enredo do filme seja longo, que haja percalços, encontros, desencontros, informações desencontradas ou falsas informações sobre países alheios (e as armas de destruição em massa do Iraque? Estão onde mesmo?), o script deve sempre ser seguido à risca, ou seja, num batido e já manjado happy end na Times Square? É a confirmação, mais uma vez, do destino manifesto de grande nação, encerrada na clássica evocação “Deus, salve (“salve” este que no fundo significa “está com”) a América? Como diria Renato Russo em célebre canção, “mudaram as estações, mas nada mudou”. O filme ainda é o mesmo desde 1945, e talvez seja o mesmo por muito, mas muito tempo. Só há uma certeza: Deus salve os árabes, os judeus, os Estados Unidos (e por que não?) e a todos nós.