Dilma, a hora é agora

POR RICARDO MELO

Tão equivocado quanto subestimar o impacto das recentes manifestações é ceder à histeria relembrando golpe de 1964, suicídio de Getúlio Vargas, impeachment de Collor etc.

Teve gente que foi mais longe: desastre como juiz, o advogado Joaquim Barbosa mostrou-se um fiasco também como historiador. Traçou paralelos com a Revolução Francesa, quando qualquer ginasiano associaria o período ao da reação thermidoriana. Cair nestas armadilhas tem a mesma inteligência de acreditar na “espontaneidade” das manifestações de domingo, dia 15/3.

dilma10Sem falar da Guerra Fria, a situação de 1964 era totalmente distinta. Perto do governo Goulart, o programa atual de Dilma Rousseff soa como ópera para o establishment. Jango defendia, ao menos em palavras, a reforma agrária, tinha aliados como as Ligas Camponesas de Francisco Julião, pregava aumento de salários e endossava a estatização de multinacionais. Coisas de deixar qualquer grande empresário, na cidade e no campo, apavorado ainda mais com a efervescência na área militar.

Hoje a elite está mais perdida que cachorro em dia de mudança. “O governo petista é uma quadrilha de ladrões. Abaixo a corrupção.” Aí, quando se examinam nomes envolvidos, aparecem Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Queiroz Galvão e gente que divide a mesa ao lado em caros restaurantes. Ou Pedro Barusco e Alberto Youssef, ladrões confessos. (Curioso: até agora não se encontrou uma conta verdadeiramente milionária assinada por figurões do PT. Até agora.)

Corta pra mim, porque o assunto é mesmo de polícia. Vamos à lista do HSBC. Entre traficantes, criminosos e sonegadores contumazes, surgem sobrenomes da fina flor do capitalismo tropical. São culpados? Inocentes? A Justiça que decida. A da Suíça, provavelmente, porque a brasileira adora esconder papéis e trocar gavetas. “Bem, mas tem o pessoal do PSDB e PSB para nos salvar.” Risos. Eduardo Campos, Sérgio Guerra, Anastasia, Aecioportos, trensalão, Metrô paulista etc. dispensam comentários.

Os banqueiros, esses, então, assistem a tudo de camarote. Instalaram um representante no Ministério da Fazenda que festeja o corte de direitos trabalhistas, vibra com a alta de juros e faz pouco das políticas sociais. Ano após ano, os lucros dessa turma engordam enquanto a indústria local definha. Por que diabos a banca iria querer trocar de presidente?

Aí chegamos ao Parlamento. Os presidentes das duas casas aparecem na mira da Operação Lava-Jato. Ambos fazem parte da linha sucessória. E os dois são da “base aliada”. Estão com Dilma, mas também contra ela – o sinal positivo ou negativo depende da proximidade do cadafalso. Escolha em quem confiar.

Em momento de rara sinceridade, a presidente afirmou no último dia 12: “Esgotamos todos os nossos recursos de combater a crise que começou em 2009 […] Trouxemos para as contas públicas e o Orçamento da fiscal da União problemas que de outra forma recairiam sobre a sociedade, os trabalhadores.”

Fez muito bem. Usou dinheiro social para salvar milhões de famílias da fome, assegurar empregos e impedir que o Brasil virasse uma Grécia ou Europa em decomposição. E, veja só, deixou os ricos ainda mais ricos!

O problema é daqui pra frente. Ou bem o governo adota uma linha obrigando os milionários a dividir o custo da crise que eles mesmos criaram e avança no projeto da Constituinte ou bem vai passar quatro anos num processo de sarneyzação, como assinalou o filósofo Marcos Nobre em artigo recente.

Quanto a impeachment, Dilma fique tranquila. O pessoal de cima pode querer muita coisa, menos mexer num vespeiro em que é quase impossível achar inocentes. Basta ver quem são os bastiões do pedido oficial. Um é Paulinho “Tequila” da Força, do SD, que abriga em suas fileiras gente como Sérgio Argôlo, queridinho de Alberto Youssef. O outro é o “democrata armado” Jair Bolsonaro, do PP – partido campeão em acusados na Lava-Jato.

5 comentários em “Dilma, a hora é agora

  1. De fato, o que se quer do governo é que ele proteja a parcela mais pobre da população, a que mais precisa, e não os endinheirados, que curtem férias em Miami. O governo pode e deve governar para a maioria.

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  2. Gersão, a rejeição recorde da Petralhada chegou a 62% segundo a mais recente pesquisa. Como a ‘zelite branca’ tá crescendo nesse país, hein! já somos quase uma escandinávia.

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    1. Amigo Gleydson, há uma combinação portentosa de fome com vontade de comer, se é que você me entende. Nas ruas, domingo, 82% dos presentes eram eleitores derrotados do Aébrio. A partir daí, reflita e veja que os números da rejeição têm uma origem óbvia, apesar dos problemas da economia que sempre turbinam as insatisfações da população.

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  3. Taí um artigo que, com os ressalvas normais de haver entre duas pessoas que pensam independentemente, eu assinava em baixo. A parte que eu mais gostei é aquela que reconhece que o governo destes últimos anos está longe de merecer uma intervenção militar, de ser apeado do poder mediante golpe, eis que não constitui ameaça pras elites como representava o governo de Jango. Olha só o que ele diz:

    “Sem falar da Guerra Fria, a situação de 1964 era totalmente distinta. Perto do governo Goulart, o programa atual de Dilma Rousseff soa como ópera para o establishment. Jango defendia, ao menos em palavras, a reforma agrária, tinha aliados como as Ligas Camponesas de Francisco Julião, pregava aumento de salários e endossava a estatização de multinacionais. Coisas de deixar qualquer grande empresário, na cidade e no campo, apavorado ainda mais com a efervescência na área militar.”

    Também gosto muito quando ele expõe, de maneira absolutamente escancarada e arguta, os motivos pelos quais a presidente deve ficar tranquila quanto à inviabilidade do impeachment, deixando claro que não é a regularidade constitucional dos procedimentos do governo que lheão esta garantia, mas, sim, a completa desqualificação republicana daqueles que até agora intentaram ver o processo instaurado. Diz isso aqui:

    “Quanto a impeachment, D i l m a fique tranquila. O pessoal de cima pode querer muita coisa, menos mexer num vespeiro em que é quase impossível achar inocentes. Basta ver quem são os bastiões do pedido oficial. Um é Paulinho “Tequila” da Força, do SD, que abriga em suas fileiras gente como Sérgio Argôlo, queridinho de Alberto Youssef. O outro é o “democrata armado” Jair Bolsonaro, do PP – partido campeão em acusados na Lava-Jato.”

    Todavia, é bom atentar que no momento em que a presidente resolver adotar uma verdadeira agenda de esquerda (“como p. ex. adotar uma linha obrigando os milionários a dividir o custo da crise que eles mesmos criaram”, como sugere o articulista) saindo deste “engana bobo” para o qual o governo enveredou nos 12 anos de mandato, rapidamente o panorama pode mudar, e aí não é muito seguro que a quartelada ou o impedimento estejam fora de cogitação.

    Mas, mesmo assim acho que a presidente deveria seguir o conselho do articulista. Afinal, se ela fosse deposta ou impedida empunhando esta bandeira, que significa a verdadeira luta a favor dos menos favorecidos que é enquadrar verdadeirmaente a elite, seria muito mais digno e compatível com sua biografia.

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