Por Nando Reis (*)
Todo ano novo, quando começa, parece trazer como insinuação ou incógnita dentro da cesta de suas possibilidades a sugestiva inclinação de poder privilegiar (finalmente!) mais o prazer e a satisfação que a frustração e o rancor. Viver é essencialmente um ato de fé, de crença, de invenção. Seja essa vida modesta ou ambiciosa, ela é sempre uma ação que escreve como sonho ou desejo os nossos propósitos, as nossas estimativas, esperanças, desconfianças, cuidados, atrevimentos, imperfeições decalcadas em azulejos assentados nas paredes imensas de um grande salão de beleza, onde nos barbeamos ou penteamos os cabelos de acordo com o que Deus deixou a nosso dispor. Gosto de janeiro por isso, acho que janeiro é um mês vogal, aberto, inaugural e, confesso, tem a graça de ser o mês em que comemoro a data do meu nascimento.
Entendo melhor as coisas quando elas estão dispostas em linha, em fila.
Acho que devo isso à minha avó Judith, que me impregnou com o gosto de comprar coleções em fascículos. Tenho o temperamento do colecionador, daquele a quem agrada ver as coisas agrupadas por gênero, por cor, por algum critério que ordene e enfatize as características particulares multiplicadas por associação, repetição, graduação, ão e ão e ão….
É um ano novo esse que começa, fresco nas suas tinturas úmidas e recém-pintadas. Ainda sobraram nos cantos de parede os balões já murchos que enfeitaram a festa de réveillon. O espocar dos fogos há muito já sossegou, duas segundas feiras seguidas já carimbaram com o selo das tarefas ordinárias a vida de quem permaneceu na cidade a cumprir seus compromissos. Longe da beira do mar, os pés suados sonham com o refresco das marolas verdejantes.
2010 é ano de Copa do Mundo e, como tal, faz parte daquele seleto grupo de anos que são aguardados com ansiedade especial. Tem gente que já sabe até os dias em que ocorrerão os jogos do Brasil, pois esses são os dias em que ninguém trabalha. Daqui a pouco os televisores vão sumir das prateleiras das lojas de eletrodomésticos e as campanhas publicitárias ficarão insuportavelmente bicolores: tudo fica verde-amarelo.
Tenho memórias incríveis de certas Copas, algumas desbotadas e imprecisas, outras vívidas na intensidade de seu sabor. A mais remota é a de 70: uma chopada na casa de meu tio-avô Carlos, a imagem esmaecida dos adultos sambando, a primeira noção de que o futebol é agregador.
Em 74, nos mudamos para o Butantã, quando tivemos nossa primeira televisão colorida. Nos intervalos dos jogos, descíamos para bater bola no campinho de terra na frente de casa. 78 foi a Copa da adolescência, assistia futebol sozinho durante as tardes tediosas. 82, foi o desastre de Sarriá, a primeira vez que chorei por causa do futebol. Em 86, nascia meu primeiro filho: a cada gol da Seleção ia correndo acudir o bebê assustado com o barulho dos rojões.
De 90 não me lembro de quase nada, a não ser do gol do Caniggia; 94 comentei os jogos do Brasil com o Marcelo e o Casagrande para uma mesa-redonda na MTV; eu, que implicava solenemente com aquela seleção do Parreira, tive de me render aos incontestáveis benefícios do futebol pragmático. 98 estava em Carazinho, na casa de amigos – me lembro da perplexidade depois da surra para os franceses, estampada no rosto de todos os que lotavam a pizzaria silenciosa, 2002 foi uma vitória deliciosa, com comemoração idem, a casa cheia de filhos, de amigos. 2006 foi uma espécie de estonteante frustração. A ressaca da desclassificação bisonha custou a passar.
Bem….em 2010, entramos novamente como franco favoritismo. E eu, realmente, estou pensando onde vou colocar a nova televisão. (Texto transcrito da coluna Boleiros, do Estadão)
(*) Cantor e compositor
É impressionante como esse sentimento realmente toma conta de todos, e Gerson, o incrível é que não só de homens ou de apenas de quem gosta de futebol, qualquer pessoal tem uma lembrança de uma copa qualquer.
A minha mais remota é a de 90, lembro dos gols do camaronês Roger Millar, principalmente o que fez no foclorico Higuita, do Toto Esquilate, Walter Zenga, Mathaus, Maradona e Cannigia e do Careca, tudo isso com meus pais e tios no chão da sala na humilde casa em São Miguel do Guamá.
94 foi legal pelo título, mas foi um inicio da “sem gracisse” do futebol. Afinal, alguém lembra de 5 lances bonitos daquela Copa (fora os do romeno Hage)?
98 era o único em casa que pedia atençaõ ao time da França, os demais por lá davam como certo o Penta. Defendia os blues por ter visto os jogos classificatórios, e ninguém chega a uma final de copa sem méritos. O tempose encarregou de mostrar quem eram Zidane, Henry, Dechamps, Thuran, Trezeguet e cia.
2002 foi uma copa deliciosa, como era bom as madrugadas virarem dia, com gente “levando direto”, a final assistir na casa do meu primo, vindo de um forrozão, já que o jogo foi as 8:00hs. Linda copa, grande Fenômeno, emoção pura.
Em 2006, mais uma vez me vi sozinho falando dos franceses, não era por nada, mas um time com Zizou, Henry, Ribery tem que ser respeitado.
2010 será um ano pra uma arrancada hegemônica da década, ganhando na África (só a Espanha ou um encontro com os franceses podem nos tirar esse título), em 2014 será dificil tirar da gente e por aí vai…
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Minha lembrança remota, mas ainda viva, é da copa de 78 com Dirceu, Roberto Dinamite, Zico, Jorge Mendonça (o rei do aquecimento), Oscar, Amaral, Nelinho (e suas bombas) e cia. Teve um pessimo início na primeira fase ganhando somente da Áustria naquele gol de falta da bomba do Dinamite, mas fez uma segunda fase digna, ganhando do Peru (3×0), empatando com a Argentina (0x0) e ganhando da Polônia (3×1). Não fosse a fraude do Peru e da Ditadura Argentina, iria para a final contra a Holanda e teria chances fantásticas de ser campeã no território portenho. A Argentina de 78 foi a maior fraude de todas as copas, em que pese o talento de Ardiles e a garra do Passarela. A seleção de 82, inesquecível. A de 86, meia-bomba. A de 90, melhor esquecer. A de 94, sem graça e campeã graças ao Baggio. A de 98, também melhor esquecer. A de 2002, fantástica (ah o Ronaldinho naquele jogo contra a Inglaterra, as 2;30 da matina. A de 2006, eesa mesmo é para esquecer. Aliás, aproveito para fazer uma enquete aqui: que selação deve ser esquecida: da de 90 do Lazaroni e da Era Dunga, a de 98 do Zagallo e a amarelada contra a França ou de 2006 do Parreira, do “ajeita meião” do Roberto Carlos e nova amarelada contra a nossa algoz-mor?
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É digna de elogios a atitude de Nando Reis, ao fazer auto-crítica do posicionamento visceral adotado contra a seleção brasileira de 94. Lembrando, Nando tinha uma coluna na Folha de São Paulo, em parceria com Marcelo Frommer, que encerrava invariavelmente com a frase “…faltam.. dias para o Brasil perder a copa”.
E o Brasil, como todos sabem, ganhou aquela copa e Nando reconhece hoje méritos daquela seleção. Valeu.
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Caros Cássio, Jorges e Maciel,
Também achei bacana o mea-culpa do Nando em relação à pinimba com a seleção de 94, mas até hoje tenho o pé atrás em relação àquele time. Vibrei, lógico, com a conquista, mas jamais me empolguei e nem guardo na lembrança algum lance mais especial – talvez só aquele corta-luz do Romário na falta cobrada pelo Branco contra a Holanda. Uma pequena obra-prima. Das demais Copas, jamais vou esquecer de 70, ouvindo pelo rádio lá em Baião, sem TV e de olho num clássico Baião x Brasília disputado na mesma hora!! A festa do tri interrompeu o jogo e pôs todo mundo na rua, pulando e comemorando. Depois disso, lembro da Laranja Mecânica de 74, principalmente do jogo contra os argentinos e da final com a Alemanha – quando assisti a maior exibição de um goleiro em Copas, de Sepp Mayer, perfeito e decisivo diante de Cruyff & cia. O time de 78 não me empolgava, apesar daquele golaço (uma bomba, de curva) de Nelinho diante da Itália. Mas fiquei mesmo cabisbaixo em 82 – não com o time, mas com os deuses da bola. A derrota, naquelas circunstâncias, jamais foi digerida de fato. No minuto final, o cabeceio que Zoff foi buscar milagrosamente ao pé da trave foi a sentença definitiva. Havia um clima festivo no ar e o 3 a 2 pegou todo mundo de surpresa. Saí de ônibus pelas ruas de Belém desertas naquele começo de tarde. Parecia um cemitério. Na redação do Liberal, silêncio absoluto, clima de velório, consternação geral. Em 2002, os jogos na madrugada e de manhãzinha irão ficar na memória para sempre. E a final contra a Alemanha é inesquecível, embora tenha sido um jogo tecnicamente normal. Em 2006, minha primeira cobertura de Copa, algumas emoções e uma imensa tristeza. Quando no primeiro jogo a seleção entrou em campo, junto com os garotos conduzindo a bandeira do “fair play” da Fifa, sob aquele hino maravilhoso, caí no choro nas tribunas do estádio alemão. Lembrei do meu pai, com quem tantas vezes falei do sonho de cobrir uma Copa; dos meus filhos; uma confusão de sentimentos atordoante. O trabalho foi proveitoso, uma experiência fantástica, que me permitiu ver futebol sob outro prisma. No fim, a bronca pela saída vexatória, com Parreira levando um nó tático dos franceses.
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Eu lembro do gol do Lato contra o Brasil e do Riva contra a Argentina em 74. Alias, sou Flu gracas a ele e nao sei porque nao me tornei corintiano, mas a maquina que nao ganhou titulos foi o maior time que vi jogar.
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A melhor exibição de uma seleção brasileira diante da Argentina foi em 82, naquele 3×1 na qual a boa seleção portenha foi presa fácil e o Maradona perdeu a cabeça.
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Cassio, sem querer ser inoportuno, selecao portenha nao existe, portenho e quem e do porto de Buenos Aires.
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Portenho representa uma forma depreciativa para classificar os argentinos, além de depreciar por tabela as camadas subalternas como boçais, arrogantes e embrutecidas. Tem razão, o Jorge.
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