Lembranças de mestre Telê

Do Blog de Cosme Rímoli

Bastidores de futebol. Muitas vezes são divertidos. Outras, revoltantes. E ainda, em outras situações, muito tristes. Com a ida de Muricy Ramalho para o Palmeiras, há quem se lembre do último treinador consagrado a pular o muro que separa os dois clubes.

Telê Santana.

O ano era 1997. A troca de clubes do treinador foi marcada por vários segredos. O principal que todos viam e não tinham coragem de assumir: ele já estava com um grave problema de saúde. O seu escudeiro, e grande defensor na época, falou ao blog. Foi o técnico Márcio Araújo foi quem esteve ao seu lado e o apoiou até não poder mais.

Márcio, como foi que o Telê Santana chegou ao Palmeiras, contratado pela Parmalat?

Havia muita conversa sobre o estado de saúde dele, mas ninguém tinha certeza de nada. Ele e a família diziam que ele estava bem. E que o São Paulo deveria ter dado outra chance para ele continuar a trabalhar. Isso porque depois de alguns exames, o clube resolveu liberá-lo. Com certeza já sabiam que o seu Telê não estava bem. Só que ele negava, insistia que podia trabalhar. Convenceu a todos disso, principalmente a família. E quando os dirigentes da Parmalat souberam que ele estava livre, se apressaram e foram contratá-lo. Os dirigentes do Palmeiras ficaram felizes quando souberam que havia dado certo a sua chegada ao clube. Todos o queriam como técnico. O pessoal da Parmalat tinha certeza que havia ganho na loteria o contratando. Afinal, era o bicampeão mundial pelo São Paulo que estava chegando. E teria ganho mesmo na loteria. Se o seu Telê estivesse bem. Mas, para tristeza de todos, ele não estava.

E como ele chegou ao Palmeiras?

Infelizmente, muito debilitado. Diziam que ele estava se recuperando de um princípio de avc (acidente vascular cerebral). Eu fui a pessoa que mais se aproximou dele. Era seu auxiliar. Não saía de perto dele nem por um minuto. Conversávamos e eu fui percebendo, que infelizmente, ele não se recuperava. Ele sempre foi uma pessoa muito enérgica, falante. Não estava bem. Logo os dirigentes perceberam.

E a reação dele?

Seu Telê era uma pessoa com muita vontade de viver, muita gana. Dizia que logo ficaria bem e que tudo passaria. Não queria nem pensar em ficar longe do futebol. Queria dar os treinos, cobrar os jogadores. Só que, infelizmente, ele não tinha mais forças para isso. Nós tratamos de o recolher. Deixá-lo o menos exposto possível no Palmeiras. Nós falávamos que ele passou para a coordenação da equipe. Mas, eu sou testemunha do amor que ele tinha ao futebol. Tentou de todas as maneiras trabalhar. Ele não aceitava ficar sentado, distante. Queria participar do treino. E ele era muito teimoso. Foi uma grande tristeza para todos. Porque em vez de melhorar, ele só piorava.

Como assim?

Quem sabe o que é avc sabe o que estou falando. A pessoa passa aos poucos a esquecer das coisas, a ter dificuldades de se comunicar, de se locomover. Quando percebemos que isso estava começando a acontecer com o seu Telê, chamamos a sua família para uma reunião. E se decidiu que era o momento de preservá-lo. Mesmo não querendo, ele voltaria para casa. O Palmeiras fez tudo na maior dignidade possível. O seu Telê foi preservado ao máximo. Ninguém na imprensa soube como ele estava de verdade. Não houve constrangimento público. A família percebeu o quanto todos adoravam o Telê no Palmeiras. E o levou para casa.

Qual o sentimento ficou em você?

Foi uma mistura de tristeza e de desperdício. Estava claro que o seu Telê tinha ainda muito o que passar, o que ensinar. Ele era brilhante como treinador. Simplesmente brilhante. Era comigo que falava sempre. Várias vezes era em mim que se apoiava quando andava. Não queria que ninguém notasse a dificuldade de locomoção que começava a ter. A sensação de vê-lo querendo passar as instruções e não conseguir foi muito triste. E o que mais me impressionou foi a sua dignidade, a vontade de ferro em prosseguir. Se dependesse dele, teria assumido como técnico do jeito que estava. Só posso resumir de uma maneira: aquele homem amava de verdade o futebol e…

(Os olhos de Márcio Araújo ficaram cheios de lágrimas. A entrevista já estava acabada. Quem queria conhecer um pouquinho do caráter de Telê Santana já sabe…)

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