Do Blog Monitorando
Em dez anos de docência em Jornalismo, poucas vezes senti um clima tão intenso de perplexidade nos corredores da universidade, ontem à noite. Eram pouco mais de sete horas, e os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiam que já não seria mais obrigatório ter diploma para se obter o registro profissional de jornalista. Quer dizer, a corte suprema brasileira desregulamentava uma profissão, derrubando um marco de quarenta anos.
Pelos corredores da universidade, alunos e professores se olhavam num misto de consternação, receio e certa vergonha. Claro que sempre houve a possibilidade de uma decisão como aquela, na medida em que o assunto seria julgado, mas pelo jeito, não era o que se esperava. Um silêncio cúmplice pairava, e o ar frio e pesado da noite envolvia a todos, como numa espécie de transe, transe de velório.
Mas o que eu faço com o meu diploma?
O encerramento da polêmica não faz terminar os questionamentos. Alguns perguntam o que farão com seus diplomas, conseguidos a duras penas. Ora, é preciso ter a clareza do alcance da decisão de ontem. O Supremo julgou a OBRIGATORIEDADE e não a VALIDADE do diploma. Isto é, não é mais preciso juntar o canudo para se conseguir o registro. Quem tem diploma expedido por uma instituição de ensino superior reconhecido pelo MEC continua tendo seu diploma, com validade e (por que não?) orgulho.
Repito: a decisão de ontem não enfraquece nenhum diploma. Enfraquece a categoria, na medida em que desregulamenta, na medida em que flexibiliza as regras para ingresso no mercado de trabalho. Antes, havia uma trava – o diploma -, agora, não há mais.
O que eu faço? Continuo o curso?
Mas claro que sim. Estudar não faz mal a ninguém. Quem faz universidade está investindo na própria formação, na própria qualificação profissional, e isso – com diploma obrigatório ou não – continuará a ser um divisor de águas na contratação de gente no mercado. Isto é, qualquer empregador quer sempre admitir o melhor profissional para a sua empresa. Se ele é melhor qualificado – porque tem um diploma de jornalismo – do que o concorrente que tem ensino médio ou outro curso universitário, o empregador já sabe o que fazer.
As faculdades de Jornalismo vão fechar?
Difícil prever isso. São muitas, é verdade. Estima-se que mais de 400 pelo país. Talvez algumas não sigam adiante. Talvez nada se altere. Mas vamos ser sinceros: não era o decreto-lei 972/69 que fazia com que hordas de jovens se matriculassem nos cursos de Jornalismo. Era e sempre foi a vontade, o desejo, a expectativa de ser jornalistas. Então, não sei se a curto prazo a coisa deva se mover tanto. Um exemplo: a profissão de publicitário não exige diploma do curso para o seu exercício, e mesmo assim, esses cursos universitários são cada vez mais abundantes e cada vez mais atraentes, sendo dos mais disputados. Outras regras parecem vigorar…
A minha escola vai fechar por causa disso?
Abrir um curso universitário é muito complicado. Fechar também. Depende de muitos fatores, de um trâmite longo no Ministério da Educação, e de outros aspectos, entre os quais o da imagem da instituição de ensino. Nenhuma escola deve se orgulhar de fechar cursos, mas sim de abrir novas turmas. Por isso, um curso não se fecha do dia para a noite, até porque se assim o fizer, será alvo de uma torrente de processos dos alunos que se sentirão prejudicados. Por isso, qualquer precipitação agora é demasiada e desnecessária.
O Supremo agiu certo?
Pessoalmente, acho que os ministros demonstraram não conhecer a profissão, e que acabaram confundindo um direito amplo com o direito de exercício profissional. Como quem confunde direito à Justiça e direito de atuar como advogado.
Mas pra ser bem sincero, decidida a questão pelo STF, de que adianta continuar a argumentar e contra-argumentar, se o tempo não volta. Sou mais pragmático. E é necessário olhar pra frente. A derrota foi dura, mas não é a final.
O Supremo pode voltar atrás?
Não. A decisão está posta. O decreto-lei que regulamentava a profissão foi considerado inconstitucional. Para a Justiça, isso significa que ele é inválido. Logo, qualquer pessoa pode requerer seu registro profissional de jornalista sem o diploma.
Então, não há saída? A coisa acabou?
Mais ou menos. A saída não é pelo Judiciário, mas pelo Legislativo ou pelo Executivo. São eles que podem – por exemplo – formularem projetos de lei para uma nova regulamentação para a profissão. E se esse projeto tramitar no Congresso e se tornar lei, pronto: temos novas regras para a profissão.
A boa notícia é que isso pode estar já em curso. No final do ano passado, o Ministério do Trabalho criou um grupo que iria trabalhar na redação de uma nova regulamentação. Há cerca de um mês, o presidente da Fenaj, Sergio Murillo de Andrade, me disse que a coisa estava em banho-maria, penso que no compasso da decisão do STF. Fechado o capítulo no Judiciário, pela via política, haveria outros caminhos…
O mercado vai ficar pior?
É difícil dizer. Principalmente, num tempo em que é cada vez mais difícil enganar as pessoas. Por conta da internet e da cordilheira de informação que todos temos à disposição, a toda hora, pode-se desmintir qualquer um que queira aplicar um golpe. Fazer jornalismo é cada vez mais difícil. Vai depender de gente cada vez mais qualificada. Para a lei, não vai importar se essa gente terá diploma de Jornalismo ou não. Mas o fato é que nunca na história humana houve tanto interesse por informação e houve tanta informação à disposição. Isso requer tratamento técnico, especializado, adequado. Isso requer triagem, seleção, acuro, qualidade e credibilidade. Jornalistas são ainda muitíssimo necessários. Bons jornalistas são mais necessários ainda.
Pergunto aos entendidos: a decisão afeta a jornada de trabalho dos jornalistas?
São questões ainda em aberto, Orlando. Essa decisão do STF, na minha opinião, terá efeitos principalmente no âmbito trabalhista e sindical.
A PERPLEXIDADE está ENORME. Não precisava ISSO ter ACONTECIDO. Pessoas INOCENTES foram CONDENADAS ao DESCRÉDITO. Algo de BOM ACONTECERÁ PARA REPARAR essa “NÓDOA”. ACONTEÇA O QUE ACONTECER!
A grande maioria quer um diploma e nao conhecimento. Estao com medo de gente analfabeta??pq??? melhor os cagoes irem ser boieros do ver-o-peso.
Se pensarmos direitinho estao fazendoUm barulho grande por nada.
Concordo! Olhe o comentário que coloquei no outro blog (com o mesmo post)
“Sobre o post, ele parece defender o que todos (em suas respectivas áreas) defendem. Ou seja, elitizar a sua área (com papéis que sabemos que pouco significado tem). É muito fácil encontrar pessoas com mais qualificação sem diploma… Mas o texto defende a mesma coisa que os historiadores, geógrafos ou qualquer outra área defenderia. Se duas pessoas, uma tem diploma de historiador e outro não, o segundo não tem direito de escrever nada sobre história (porque não tem o papel chamado de diploma) e o segundo pode escrever qualquer besteira em periódicos (principalmente se tiver outros papéis como doutorado e mestrado (que podem ser conseguidos por dinheiro atualmente)).
O que o texto mostra é insegurança por parte dos jornalistas formados. Note que isso acontece em todas as formações de humanas. Pois raramente o curso realmente diferencia um estudioso do que realmente fez o curso. O diploma dos cursos de humanas parece ser como um convite para uma panelinha juvenil. Se vc tem o diploma, vc faz parte da panelinha “intelectual” e tem as idéias ouvidas.
Então se alguém quer falar sobre filosofia, ou coisas do tipo. Ele, antes, tem que batalhar para conseguir entrar na panelinha (senão as idéias deles não valem nada). Quando entram na panelinha, qualquer besteira que fale será considerada pela panelinha (pois o que vale não é a argumentação, mas sim os papéis de diploma).
Bom, no caso do jornalismo, percebi pelo texto uma insegurança tremenda por parte dos jornalistas formados (assim como nós historiadores). Se houve essa insegurança, é justamente porque vcs não sabem se o que fazem numa faculdade realmente faz alguma diferença (ou é só uma jornada para conseguir o convite da panelinha).
Se soubessem que faz diferença, estariam tranqüilos quanto ao “decreto”, pois saberiam que raras seriam as pessoas sem o diploma que obteriam “qualificação” para serem inseridas no mercado de trabalho e, por isso, o que estavam fazendo na faculdade era importante…
Mas isso parece que não vêm ao caso. O post do jornalista (provavelmente), indica que realmente se trata de uma situação análoga ao de sociólogos ou historiadores (na verdade, pior ainda).
Sinto que, para dar um tom pejorativo à decisão, o escritor colocou “decidiram que jornalismo não é mais profissão”.
Ora, pois bem! Então quer dizer que tudo que não precisa de uma burocracia universitária, não é profissão? Pois então administrador não é profissão? Lixeiro não é profissão? Motorista não é profissão?
Note que algumas exigências de diplomas para exercerem certa profissão fazem sentido. Como medicina, mas isso veio para proteger quem fosse precisar de cuidados médicos (para que esse não fosse tratado por um que não tivesse algum comprovante de que era capaz de exercer a medicina). Isso é muito diferente do caso do jornalismo. Por acaso precisamos de proteção contra idéias de quem não tem um diploma de jornalista em veículos de comunicação?
Para que a utilidade do diploma? Pra proteger quem?
Acho que qualquer idéia a esse favor está bem próximo de um pensamento nada democrático…
Alguns contra-exemplos. Note que um contra-exemplo é a matemática. Existe o curso, existem os mestrados e doutorados. No entanto, ninguém é proibido de publicar algo ou exercer a profissão.
Quano o assunto é ensino, fica diferente. Pois teoricamente há a proteção dos estudantes contra professores que não tivessem a capacidade comprovada de lecionar.
Mas se provar algum teorema famoso, independentemente se vc for de 10 anos ou pós-doc, vc poderá publicar num periódico.
A matemática, de fato, não é bom no contra-exemplo. Pois ela tbm está sendo contaminada por esse ar de insegurança (como os cursos de humanas).
Mas existem outros exemplos, como administração e computação. Leia um pouco sobre a cultura hacker (não existe diploma que prove nada. Existe capacidade cada um).
Bom, não tenho paciência para escrever sobre isso. eu ía colocar um pequeno comentário aqui e acabei me prolongando, por isso acabei colocando de forma confusa. Mas, de qualquer forma, ficam as perguntas:
Para quê exigir o diploma de jornalista para exercer a profissão?
Para proteger a populção contra idéias? (não-democrático isso, não?)
Ou simplesmente para satisfazer o ego dos jornalistas formados? fazendo-os pensar que só eles são capazes de fazer o que eles fazem?
Ou simplesmente para vcs não se olharem com “vergonha” nos corredores por vossa insegurança?
Vcs acham que quando Abel (com 19 anos) provou com facilidade uma das maiores questões da álgebra (da época) e foi aceito para ser um pesquisador da academia de matemática, os matemáticos com diploma se olhavam com vergonha nos corredores?
Vcs acham que aconteceria isso?
Essa insegurança normalmente ocorre porque os inseguros têm mais papel (diploma) acumulado do que conhecimento (ou até mesmo qualificação) para o que faz.
Um cara de programação (computação) ou um matemático não ficaria assim, pois ele sabe que ele pode estar lá possivelmente por causa dos papéis, mas principalmente pelo conhecimento e qualificação que vieram atrás desse papel.
Um jornalista não formado não oferece risco a ninguém. E é só isso que deve ser levado em conta. Eu sei que existem muitas situações análogas, mas defendo que nessas situações deveria ter o mesmo tipo de medida.
Fora isso, no caso de jornalismo existe uma questão profunda da democracia e liberdade de expressão.
Note que com a exigência de diploma, o governo (seja lá qual for) poderia usar isso como ferramenta “anti-liberdade de expressão”, ferramenta de controle das idéias. Por exemplo, tirando do ar algum jornalista que não agrada o governo alegando falta de diploma.
Bom, conselho: para acabar com essa insegurança, procure praticar na universidade algo que realmente diferencie sensivelmente um formado de um não-formado. Procure fazer com que a conquista do diploma venha com um sensível acúmulo de conhecimento e qualificação.
De tal forma, que,ao completar o curso, o aluno não fique orgulhoso do diploma, mas principalmente orgulhoso dos conhecimentos e qualificações acumulados…
E fique tranqüilo que sempre o diploma será de alguma forma uma referência para o empregador. Isso acontecerá mesmo com a qualidade dos cursos universitários que vem caindo (e se tornando cada vez mais afranciscados e cada vez menos útil). Eu não gosto desse último fato que explicitei, mas é verdade…
Até mais!”
Valeu e até mais!