De volta aos tempos da mordaça

A partir de hoje, 7 de maio de 2009, o noticiário do DIÁRIO DO PARÁ está sob censura do Tribunal de Justiça do Estado. Notificado oficialmente nesta data, o jornal cumpre decisão da 4ª Câmara Cível Isolada do tribunal, acatando voto da desembargadora-relatora Eliana Abufaiad, que proíbe a publicação de fotos de “fotos/imagens de pessoas vítimas de acidentes e/ou mortes brutais que impliquem em ofensa à dignidade humana e ao respeito aos mortos”.

Por entender que a liberdade de expressão é um direito inalienável, preservado na Constituição federal, o DIÁRIO irá recorrer a todas as instâncias para resguardar seus direitos.

Abaixo, a transcrição do editorial publicado pelo jornal em sua edição de 19 de abril de 2009, cinco dias depois de divulgada a decisão da Justiça paraense – primeiro ato de censura prévia a jornais do Pará desde os tristes tempos da ditadura militar.

EDITORIAL

A censura é, sob todos os pontos de vista, uma aberração. Sua imposição é execrável e incompatível com a vida democrática. É a característica mais marcante das ditaduras e regimes de exceção. Representa a face mais tirana do Estado, pois impõe a noção de que as pessoas devem ter suas vidas controladas por algo (ou alguém) mais poderoso. Essa restrição de liberdade é tanto mais danosa quando diz respeito à atividade da imprensa.

Prega o dito popular que o pior cego é aquele que se recusa a ver. Mostrar a realidade das ruas, sem disfarces, é uma das características do noticiário policial dos jornais, desde sempre. Que direito tem a Justiça de impedir que essas imagens, mesmo chocantes, cheguem aos olhos da população? Por que duvidar da capacidade de discernimento crítico dos leitores? Jornais são vendidos, não invadem à força corações e mentes. Quem porventura discorda da linha editorial de um veículo, por algum eventual excesso, tem o direito legítimo de reivindicar reparação através das instâncias judiciais. É assim que funciona em todas as democracias do mundo. E assim funcionava no Pará, até a última terça-feira.

Esse entendimento, até então consensual e acatado por todos, foi quebrado pela decisão da 4ª. Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado, que, seguindo voto da desembargadora-relatora Eliana Abufaiad, deu guarida a um agravo de instrumento movido pela Procuradoria Geral do Estado, Movimento República de Emaús (Cedeca) e Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) contra o DIÁRIO DO PARÁ e mais dois jornais da cidade, determinando que evitem “a publicação de fotos/imagens de pessoas vítimas de acidentes e/ou mortes brutais que impliquem ofensa à dignidade humana e ao respeito aos mortos”. Se descumprida a decisão, cada jornal pagará multa diária de R$ 5 mil.

Integram a 4ª. Câmara Cível Isolada do TJE, além da desembargadora Eliana Abufaiad, os desembargadores Maria do Carmo Araújo e Silva, Maria de Nazaré Saavedra Guimarães e Ricardo Ferreira Nunes. São todos responsáveis por essa interferência indevida no funcionamento dos jornais. Arvoram-se a editores, com poder de veto ao material que deve ou não ser publicado. Em resumo: decidem o que o leitor deve ler e ver nas páginas impressas. A decisão atenta contra o artigo 5º. da Constituição Federal, apelidada justificadamente de “Cidadã” e promulgada há exatos 21 anos. Ao longo dessas duas décadas de democracia e respeito às leis, nenhum jornal paraense foi vítima de ato tão lesivo e afrontoso à liberdade.

A ação civil, capitaneada pelo Estado, foi impetrada quando Belém coincidentemente era alvo de uma explosão de violência, sem que os órgãos de segurança conseguissem conter a criminalidade. Ante a impossibilidade de alterar a realidade caótica e brutal, visível nas ruas a qualquer hora do dia, o caminho escolhido pela 4ª. Câmara Cível Isolada foi punir seus efeitos, proibindo as fotos e imagens “chocantes”, como se a vida real fosse um mar de rosas. Sem remédios para a doença, a Justiça paraense decidiu matar o paciente.  

A censura representa a ausência de liberdade. Quando a imprensa é amordaçada, todos perdem. No Brasil moderno, de espasmódicos períodos de democracia plena, sendo que o atual é o mais duradouro, um dos traços delineadores do Estado democrático de direito é o respeito irrestrito à Constituição. Em seu artigo 5o., no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Carta Magna diz exatamente o seguinte: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Preservar a liberdade de expressão não deve ser uma bandeira apenas dos profissionais da imprensa, mas missão de toda a sociedade. O direito à informação deve ser preservado a qualquer custo por todos os que (ainda) acreditam numa sociedade mais justa e igualitária.

Avesso a qualquer forma de intimidação ou cerceamento, o DIÁRIO DO PARÁ vai recorrer da decisão em respeito à sua linha editorial, comprometida com o jornalismo sério e consequente, diretamente responsável pela liderança no mercado de impressos do Pará. Essa atitude visa também resguardar o direito dos leitores, únicos legitimamente autorizados a julgar a conduta e a linha editorial de um jornal.

 

11 comentários em “De volta aos tempos da mordaça

  1. Caro Gerson,

    Com todo respeito que tenho pelo seu trabalho, ouso discordar completamente desta generalização desnecessária do termo Censura.

    “fotos/imagens de pessoas vítimas de acidentes e/ou mortes brutais que impliquem em ofensa à dignidade humana e ao respeito aos mortos”

    Isso não é e nunca será censura, é apenas um apelo ao bom senso. Já que os jornais daqui de Belém não são capazes de evitar certas truculências, alguém precisa balizar a atitude.

    Os cadernos de polícia de Belém além de ter textos paupérrimos são verdadeiros “programas do ratinho” impressos. Não é porque em quase todas as situações, os cadáveres são pobres e suas família não tem dinheiro ou influência para processar o jornal, que devemos ver um show de sangue e cadáveres como se isso fosse nos atentar para a violência.

    Será que melhorar o texto fajuto desses suplementos policiais, dando mais ênfase ao caráter descritivo e evitar fotos chocantes é algo tão difícil ou devemos nos submeter ao circo dos horrores?

    Gostaria que você respondesse as seguintes perguntas:

    Considerando a decisão foi um ato de censura, porque os jornais – incluo o Diário do Pará – não mencionaram sequer uma linha a respeito da determinação da justiça contra blog mais lido do estado do Pará, o Quinta Emenda (do Juvêncio de Arruda), promovida pela família do ex-deputado Seffer, que mandou retirar postagens que citavam o nome deste acusado de pedofilia?

    Existe alguma pesquisa ou estudo científico – sem achismos, por favor – comprovando de que a sociedade gosta de ver SANGUE E VISCERAS nos jornais?

    Você não acha que os jornais, da maneira como eram apresentado antes da decisão judicial, deveriam vir com um selo de faixa etária limitando a idade de seus leitores? Ou você permitiria que um filho ou uma filha – criança ou pré-adolescente – folheasse TODAS as folhas de Diário, Liberal e/ou Amazônia?

    Que Deus não permita que algo assim nos aconteça, mas digamos que um filho, um parente ou algum grande amigo seu fosse brutalmente assassinado e o cadáver desta pessoa estivesse exposto em via pública você, que é chefe de redação do Diário do Pará, ESTIMULARIA a publicação da foto?

    E se algo do tipo acontecesse com alguém da família do dono do jornal? ou um influente executivo da Vale do Rio Doce?

    Antes de bradar em prol dos interesses comerciais dos veículos de comunicação privados, é importante que a sociedade tenha respondidos alguns de seus questionamentos.

    Seus leitores aguardam ansiosamente as respostas.

  2. Concordo plenamente com o que diz o Pedrox.

    E adiciono: existem sim estudos que dizem que as pessoa gostam de ver imagens chocantes, ou “poças de sangue” (Jornalismo Televisivo, do Jean-Jacques Jespers, que também se aplica a outros meios, inclusive à imprensa escrita).
    Mas esses estudos deixam claro que isso é uma reposta da mídia a uma curiosidade mórbida que todos temos em maior ou menor nivel, assim como outros sentimentos obscuros que fazem parte da natureza humana. Mas o que estes estudos frisam ainda mais é que esse tipo de elemento apelativo, de cunho exclusivamente emocional com a intenção de incitar o lado mórbido das pessoas, não adiciona nenhum conteúdo informativo à mensagem. Muito pelo contrário, faz com que o conteúdo emocional se sobreponha à reflexão sobre aquilo que trata a notícia. O que gera a espetacularização da informação e, ainda pior, a banalização da violência. Coisa que, definitivamente, Belém não está precisando.

    No entanto, o que eu digo não é, com certeza, nenhuma novidade para o Diário do Pará, que provavelmente sabe os danos que esse tipo de gestão da informação causa na sociedade. Isso é realmente “apenas um apelo ao bom senso.”
    Ao bom senso de dar ao público não só aquilo que ele “pede”, mas o que ele precisa pra viver numa democracia.

    1. Cara Mari,
      Existem teses e teses, tratados sem conta, sobre a reação humana a notícias impactantes – sejam televisivas ou impressas. Todas, contudo, são inconclusivas e discutíveis, você deve saber. O certo é que ninguém é dono da verdade e, quanto ao noticiário considerado mais forte, espero que exista alguém que se apresente como legítimo representante da população, capaz de decidir o que ela deve ou não ler ou ver. Repito: há uma tentação irrresistível a censurar e proibir, é próprio da natureza humana. Na Inglaterra, um dos berços da democracia moderna, existem centenas de tablóides explorando (aí sim!) a miséria humana e mentindo descaradamente, distorcendo informações e sujando reputações. Não é o que o DIÁRIO faz – desafio quem afirme o contrário.
      As elites brasileiras, que têm no Poder Judiciário seu mais reluzente arauto, torcem o nariz para tudo que não nasce sob sua ordem ou vontade. E, na medida em que rejeitam, arvoram-se a proibir. Existem formas legais de enquadrar jornais que desrespeitem ou ofendam o bom senso. Censurar não é o caminho. Melhor uma imprensa imperfeita, com erros, do que nenhuma imprensa.
      Abs.
      Gerson

  3. Caro internauta,

    1) Sou contra toda e qualquer forma de censura. Entendo que é um ato de força, própria de regimes de exceção – que não é o caso, hoje. Por uma questão de princípios e coerência, condeno, obviamente, a censura ao blog. Quanto à posição dos jornais, como você menciona, não tenho condições de responder.
    2) Jornais mantêm o noticiário policial (os grandes, do Sul e Sudeste, arranjaram um artifício, que são os chamados filhotes populares) porque há um público que acompanha e cobra esse tipo de cobertura. Nenhum veículo comercial insistiria em publicar um determinado tipo de reportagem que fosse rejeitado pelos leitores, é óbvio.
    3) Não há necessidade de selo de faixa etária. Até porque os jornais não são distribuídos, nem invadem a casa das pessoas por mero impulso. Ao contrário da TV e do rádio, são produtos vendidos – quem compra sabe, presume-se, o tipo de noticiário que trazem. Mais grave que isso, convenhamos, é a exposição de corpos e palavreado chulo que a TV aberta oferece hoje, a qualquer hora do dia, diante dos mais diferentes tipos de telespectador.
    4) Não decido sozinho o que sai ou não nas páginas do DIÁRIO. Você sabe bem que decisões nas redações são sempre coletivas, tomadas por consenso e depois de sucessivas reuniões ao longo do dia (no DIÁRIO, temos uma reunião de pauta às 8h, uma de avaliação do noticiário do dia às 16h, outra de pré-capa às 19h e uma de fechamento, às 23h). Quem toma essas decisões são editores, na maioria experientes e conscientes da imensa responsabilidade que têm.
    5) Não sou pitonisa e não posso prever o que será feito pelo jornal quando um fato dessa natureza. Garanto-lhe, apenas, que nos casos envolvendo pessoas da chamada “elite branca” o DIÁRIO teve comportamento profissional. Cito os casos Novelino, Salvador Nahmias, advogado do Líder etc. Pode conferir nos arquivos digitais.
    6) Tenho as mesmas preocupações suas quanto à seriedade e à ética na comunicação social. Preocupa-me, porém, uma certa demonização dos jornais, como se fossem meros exploradores da desgraça humana. Os mesmos órgãos e entidades que endossaram a ação movida pelo governo do Estado (Procuradoria Geral) têm nos jornais ao longo de décadas amparo, espaço e voz para suas posições.
    Ao mesmo tempo, só os mais ingênuos não percebem que a censura imposta aos jornais teve como estopim a mais aguda crise de segurança pública no Estado, nos três meses finais de 2008.
    Acrescento, ainda, que, como jornalista profissional há 31 anos, não conheço pesquisa, estudo ou ensaio científico que comprove que o noticiário policial induza ao crime. Mas, por experiência, sei o quanto a censura é lesiva aos interesses do cidadão. O juiz que proíbe fotos hoje se sentirá no direito de censurar textos, manchetes e ilustrações amanhã.
    Não vejo em nenhum magistrado competência para avaliar que fotos devem ser publicadas pelos jornais e desconheço que a população tenha concedido à Justiça esse direito.
    Só não enxerga quem não quer: estamos diante de um caso típico de tentativa de controle da imprensa, num ímpeto próprio das elites brasileiras, que vivem sempre a buscar um jeito de exercer o mais completo absolutismo. Não é de hoje que o Brasil vê isso. A novidade é que agora, ao contrário dos anos de chumbo, os atos de força vêm embalados em decisões técnicas. Não sei, sinceramente, o que é pior.
    Por fim, quero lembrar que a negasta Lei de Imprensa foi extinta na semana passada. O Supremo Tribunal Federal entendeu que os delitos cometidos pela imprensa devem ser punidos conforme manda a legislação. É o que defendemos em relação aos jornais impressos. Quem se sentir prejudicado tem o legítimo direito de buscar reparação nas instâncias apropriadas. Jamais pela via tortuosa da censura prévia.
    Abs.
    Gerson

  4. Gerson,

    Embora não concorde com a maioria de seus argumentos, agradeço honestamente por teres respondido.

    Acho que esse tema vai dar o que falar na caixinha de comentários.

    Abraços,

    Pedrox

    1. Pedro,
      Por mais que pensemos de forma diferente, o que vale é a livre manifestação das idéias. Também discordo de sua maneira de ver o problema, mas serei o primeiro a brigar pelo direito de você defender seus pontos de vista. Liberdade de expressão é isso.
      Abs.
      Gerson

  5. Gerson, Pedrox e Mari….Vcs todos estaum certos em suas opinioes. Acredito que a partir de agora (até essa liminar ser cassada), os fotografos dos jornais vao ter que usar um pouco mais a criatividade. Outro dia em um jornal, saiu uma foto de uma vitima de acidente de moto que parecia estar engolindo o ferro sob o caminhão….a imagem mostrava tudo, sem sangue, facas, e.t.c…e sobre o quinta emenda, Pedrox vc nao sabe como funcionam as coisas entre blog e o jornais ? um não vai com a cara do outro…rsrs…rsrs….abraços a todos , Edmundo Neves….

  6. É necessário refletir:

    “Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações: (…) II – de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes;” Código de ética dos jornalistas brasileiros, 2007

    A Justiça está cobrando do jornalismo paraense um compromisso assumido que não está sendo cumprido.

  7. Luciano,
    A Justiça tem instrumentos para cobrar esse compromisso sem precisar lançar mão de atos intervencionistas de censura. Nem o Ratinho, nem o Datena, citados neste post, foram alvos até hoje de censura prévia. E são programas em TV aberta, que é uma concessão pública. Não que eu defenda que sejam censurados. Defendo liberdade de expressão. Censura jamais. Sabe-se como isso tudo começa, não se pode saber como termina.
    Abs.
    Gerson

  8. Gerson,

    Quem gosta de figurinhas são as crianças, que só vêem as fotos. Leitores não precisam ver a foto de um semelhante em situação constrangedora. Não é jornal que nos informa em primeira mão que Belém é insegura. Nós, leitores sabemos. Sabemos, antes de ver o crânio queimado de uma jovem, que as estradas são e sempre foram perigosas.

    Não precisamos ver uma cabeça decepada. Escreva. Não precisamos ver as tripas de fora. Mencione.

    Não quero que meu filho leia seu jornal. É dificil separar da cabeça de uma criança o que é natural, de bom gosto; do desumano, insensato e violento.

    Não há como aceitar as desculpas e argumentos dos veículos de comunicação do Pará, sendo propriedades de quem são.

    Definitivamente, foi uma atitude que entre poucas, foi acertada.

    1. Respeito sua opinião, Paolelli. Já respondi a essa questão no próprio post. Expus minha posição de forma bem detalhada e até didática. Não quero ser repetitivo. Acrescentaria apenas minha discordância quanto à ideia reducionista de que leitor não precisa de figurinhas ou imagens para se informar. Isso contraria o processo e o conceito da informação, que deve buscar ser a mais completa possível – e imagem é informação, obviamente.
      Abs.
      Gerson

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