Juízes justiceiros que sonham com Watergate

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POR DAVID ALANDETE, no El País – Madri

Qual Justiça decidirá sobre Lula: a que presume a inocência de todos acusados ou a que atende apenas à indignação nas ruas?

Há pouco de épico na tentativa de retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Governo do Brasil. Sua posse como ministro foi apressada e incômoda, como se a história se repetisse como trâmite burocrático. Sensações reduzidas pelo fato de que, neste momento, quem pisa nos calos de Lula sejam os juízes e não (aparentemente) adversários políticos.

A Justiça decidirá quanto há de verdade nas acusações de enriquecimento ilícito que pendem sobre Lula. A questão é qual Justiça decidirá: a que presume a inocência de todos os acusados ou a que atende apenas à indignação política nas ruas.

O herói das manifestações numerosas contra o Partido dos Trabalhadores é o juiz federal Sergio Moro, que comanda as investigações de desvio de dinheiro da petroleira estatal. Este, convencido pelo papel que lhe foi designado pela história, cita em seus autos o caso Watergate, paradigma de abuso de poder e queda de um presidente. Efetivamente, Moro recorreu às proporções desse grande escândalo para justificar a gravação e a filtração de uma conversa telefônica em que a presidenta Rousseff comunicava a Lula que havia enviado o termo de posse de ministro. “Use-o apenas em caso de necessidade”, disse. Se assinasse o documento, como fez na quinta-feira, Lula receberia foro privilegiado e apenas o Supremo poderia julgá-lo. Vendo Lula escapar pelos seus dedos, o magistrado parecia lançar uma mensagem desesperada: façamos história, que caiam.

Ao seu resgate, veio outro juiz federal, Itagiba Catta Preta Neto, que se apressou a ordenar a anulação da nomeação de Lula porque “a ostentação e exercício do cargo poderia tornar-se uma intervenção indevida e odiosa na atividade policial do Ministério Público”. Uma apelação curiosa, vinda desse magistrado.

Mais de um ano atrás, antes da eleições que Rousseff ganhou novamente, o mesmo recomendava: “Ajude a derrubar Dilma e volte a viajar para Miami e Orlando. Se ela cair, o dólar também cairá”. “Fora Dilma”, escreveu, ao lado de uma selfie, em uma manifestação. E recentemente, proclamou em seu Facebook: “Lula pode ser ministro da Justiça. Estamos perdidos”.

Assim acaba a independência judicial. Apesar de as fronteiras entre o ativismo política e a Justiça serem tão difusas quanto no caso de Lula, outro magistrado, esse do Supremo, decidiu, na sexta-feira, suspender sua nomeação como medida cautelar.

Moro, portanto, pode continuar indo atrás de Lula. É o seu papel. Quando se viu obrigado a explicar por que filtrou uma conversa privada entre a presidenta e Lula, disse que a “chefe da República não tem privilégio absoluto no sigilo das suas comunicações”, como demonstra “o precedente da Suprema Corte norte-americana em EUA v. Nixon, em 1974, um exemplo a ser seguido”. Esquece que, no caso de Watergate, quem gravou seus adversários não foi um juiz, mas o próprio presidente, que foi obrigado a renunciar. Não é um mau exemplo para um magistrado, especialmente se ele tiver ambições políticas.

4 comentários em “Juízes justiceiros que sonham com Watergate

  1. Amigo Lira desde aquele “incidente” lá do Rio de Janeiro onde aquela funcionário não fez nada mais do que a sua obrigação e acabou sendo processada por isso, pior, tendo que indenizar aquele juiz, eu percebi que de nada adianta códigos civis ou a própria constituição. Eles, os deuses, a rasgam conforme o seus entendimentos.

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  2. Outra coisa sobre a Lava-Jato, o número de informações colhidas até aqui é coisa de cinema, porém, a sua maioria, fruto de delação premiada.
    Tirando as prisões arbitrárias, eu creio que seja dever da justiça investigar, julgar e condenar, mas infelizmente, Moro primeiro condena, depois julga e finalmente investiga, e ao investigar dá com os burros n’água. Mas a consequência da exposição midiática, o estrago na vida do cidadão já foi feito, e isto nunca será indenizado!
    Portanto, não sou contra a operação mas sou contra o modus operandi que deixa muito a desejar!

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  3. Vou além, amigo Celira: o problema é que, no Brasil, não é só o moro e o judiciário, que se acham acima do bem e do mal, há muito mais gente que se coloca em tal condição, nos três poderes e fora deles também. E o que estamos vendo, agora, é o combate dos pretensos titãs, quebrando tudo de republicano que se encontra em volta, seja, por um lado, nomeando para ministro pessoa investigada por enriquecimento ilícito e outros malfeitos, por um lado; seja, por outro lado, tornando pública conversa da qual participa a maior autoridade da nação, sobre a qual não tem autoridade para decidir se pode ou não pode liberar o sigilo.

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