A chegada dos bárbaros

Por Tereza Cruvinel

Até aqui, todas as vozes, a começar da presidente da República, reconheceram como legítimo e democrático o movimento social insólito que ontem chegou a seu clímax, em número de manifestantes nas ruas e na amplitude geográfica. Ontem, porém, dois traços preocupantes ficaram evidentes: a intolerância dos que protestam e a completa perda de controle por parte de suas vanguardas, permitindo que a violência e o vandalismo chegassem ao paroxismo. Dezenas de feridos e um morto por atropelamento na confusão, em Ribeirão Preto. Quando a barbárie chega, os poderes democraticamente constituídos precisam dizer algo mais que
palavras de compreensão. É hora de uma palavra da presidente Dilma Rousseff.
Por mais que compreendamos as insatisfações difusas, seja com os serviços públicos ou com os políticos e com as instituições, não podemos transigir com a intolerância, que não combina com a democracia. Ela vem se manifestando no veto à presenças de partidos e organizações e na agressão a jornalistas e a participantes com outras vinculações.
O movimento é “horizontal”, como dizem, mas tem uma vanguarda, liderada pelo Movimento Passe Livre. Até agora, não deram uma palavra condenando o vandalismo. Depois dos excessos que cometeu em, São Paulo, na quinta-feira, a polícia passou a ser por todos satanizada. Mas eu vi ontem, na frente do Congresso, as provocações injuriosas e as agressões físicas, como a cometida contra um PM com o mastro metálico da bandeira arrancada. As depredações do patrimônio, ontem, tiveram como símbolo doloroso a tentativa de incendiar o Itamaraty, joia da arquitetura que Oscar Niemeyer nos legou. A invasão não foi obra de “minoria exaltada” mas da multidão tomada por instintos primitivos. Estes jovens não tinham nascido quando a ditadura acabou mas têm educação para saber que a democracia nos custou muito. A classe política tem suas culpas em tudo isso mas é dentro do jogo democrático, através de suas instituições, que as coisas poderão ser resolvidas. E para isso, é preciso negociar. Incendiar não resolve.

O pêndulo

Os estacionamentos dos anexos dos ministérios nunca estiveram tão lotados de carros durante a noite como ontem. Aqui em Brasília, não há dúvida de que se trata de uma reação da classe média, e não das camadas mais pobres. Os governos do PT, em dez anos, implementaram políticas focadas nos mais pobres e alcançaram resultados na redução das desigualdades. Mas a classe média-média mesmo, não a classe C emergente, acumulou ressentimentos com os serviços públicos ruins e
com as práticas políticas nefastas. A classe média é o pêndulo do sistema, escreveu Helio Jaguaribe em texto clássico. Nos últimos dez anos, foi a maioria mais pobre do eleitorado que decidiu as disputas políticas. A classe média recupera agora seu protagonismo, com bandeiras que expressam anseios muitos amplos e juros. Mas agora, é preciso dar consequência ao movimento. Negociar e conquistar. É para isso, e não para vandalizar, que os movimentos acumulam força.
Uma evidência de que, pelo menos aqui, o movimento é de classe média, foi personificada pelos dois manifestantes que foram ao gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros. Acabaram não sendo recebidos porque o núcleo de estudantes e outros subgrupos da manifestação se recusaram a participar. Renan decidiu aguardar por encontro mais representativo. Francisco Paraíso Ribeiro de Paiva tem 25 anos e é advogado. Kayo José de Miranda Leite, da mesma idade, também é
advogado e professor em duas instituições de ensino superior. Bem vestidos, falam com sotaque jurídico . Perguntei se tinham delegação do movimento. Disseram representar um dos muitos “subgrupos”. Deram-me copia do documento que, no dizer deles, “protocolizaram” no Congresso e no Palácio do Planalto, com a lista de reivindicações: mais investimentos em saúde, educação, segurança pública, transparência nos gastos com os estádios, reforma política e outras tantas. Que venham, mas sem nos aproximar da guerra civil. Este “subgrupo”, pelo menos, procurou a negociação. À elite política, cabe também sair da defensiva. Ontem tivemos os Congresso e o Planalto sitiados.

6 comentários em “A chegada dos bárbaros

  1. Por tudo que se vê, pela televisão, e, in loco, este protesto é também contra o comportamento dos partidos políticos. Daí a presença deles ser mesmo incompatível com as manifestações de rua. Quando os partidos políticos deixarem de patrocinar exclusivamente os interesses de seus candidatos e começarem a realmente representar os interesses do povo e a defender os direitos da coletividade certamente eles não serão rejeitados.

    Mas, se eles querem tanto assim fazer passeata, nada há que os impeça de fazê-la. Por que eles não organizam e fazem a deles próprios? Inclusive, talvez seja até uma passeata mais pacífica, mais organizada, menos vandalizadora. Onde a tolerância prepondere. A propósito, podem até fazer passeatas conjuntas, emblemáticas da tolerância o PT e o PMDB e/ou o PSDB e o DEM. Já pensou, à frente da passeata, no alto do Carro-som, de mãos dadas, discursando o lulla, o sarney, a dilma, o maluf, o renan, o Mino Carta, a Cynara, o Janio, o Kotscho. O fhc e o acmzinho, o agripino, o eduardo azeredo, o reinaldo azevedo, o mainard, a Tereza Cruvinel etc, etc, etc.

    Enfim, realmente o vandalismo não pode ser tolerado. Cabe aos manifestantes protestarem pacificamente e não o incentivarem. E ao poder público preveni-lo e reprimi-lo. Mas, também é intolerável que se queira matreiramente jogar na conta da manifestação popular dos atos isolados de vandalismo, máxime quando adicionalmente se busca de modo sutil desmerecê-la por ela rejeitar os partidos políticos.

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  2. Como já era de se esperar, em Belem, a passagem de ônibus não vai abaixar.
    Isso é a cara dos governantes!
    Valeu Zenaldo!!(Ironic mode).

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  3. Do NSN notícias
    “Os protestos de rua que se multiplicaram pelo Brasil nas últimas duas semanas são um alerta aos políticos para a necessidade de não apenas vencer eleições, mas ouvir com mais atenção as demandas populares – em outras palavras, não apenas ‘ganhar nas urnas’, mas também ‘ganhar nas ruas’, como colocou um especialista em política internacional americano.

    Ele disse ainda que os protestos abrem espaço para o surgimento de políticos que, na linha do presidente americano Barack Obama, priorizem ‘investimentos em saúde e educação em vez destinar recursos volumosos para a Copa do Mundo’.”

    TÁ EXPLICADO!!!!!

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