Seleção meia-sola

Por Francisco Sidou (*) (chicosidou@bol.com.br)

A era Dunga na Seleção nos faz lembrar alguns cenários cinzentos dos anos de chumbo da ditadura militar. Naquela época sombria, o talento, a inteligência, a criatividade, a imaginação e arte eram considerados valores subversivos e terríveis ameaças à ordem e ao progresso. A sentença, nos anos 70, era Brasil, ame-o ou deixe-o. Logo, nada de liberdades, nada de controvérsias, nada de contestações.

“Todos juntos, vamos, pra frente Brasil, Brasil, salve a Seleção!”

Era a época do pensamento único e da obediência imposta pela força das armas, pelas limitações intelectuais da “linha burra” no governo, que ditava a disciplina e os costumes, à imagem e semelhança dos quartéis, onde “ordem não se discute: cumpre-se”. Dunga parece a reencarnação acabada e fora de época daquele espírito do atraso, em que disciplina se confunde com ordem unida e com sisudez. 

O discurso de amor à Pátria, de doação ilimitada, da superação, do resgate e da paixão de vestir a camisa da seleção lembra o fanatismo de doutrinas fascistas de triste memória.  Trata-se de um patriotismo tosco, que costuma servir de válvula de escape para pendores autoritários. Lembrai-vos da seleção de 1970, que conquistou o tri, mas serviu de “mote” para que os “pais da pátria” mantivessem a mordaça sobre a Nação brasileira.

Ao convocar a Seleção Brasileira para a Copa de 2010, Dunga, em nome da “disciplina,  da ordem e do progresso”,  deixou de fora a alegria e o talento de  promissores atletas como Paulo Henrique Ganso e  Neymar, os  meninos do Santos, sob a alegação  de que ainda são “muito verdes” para a Seleção.

Já se sabe que na era Dunga jamais teremos revelações de craques geniais como Pelé e Maradona, ambos descobertos, revelados e convocados para a seleção de seus países ainda em tenra idade. Sim, porque o talento não tem idade. Nem se adquire com mais anos vividos nem com repetitivas experiências burocráticas.

Até os argentinos, como Maradona e Messi, que  também são artistas, lamentaram  a ausência  dos “meninos do Santos” na Copa do Mundo, onde, com certeza, seriam  consagrados  pelo seu talento e alegria de jogar.

Nelson Rodrigues e João Saldanha, dois geniais cronistas do futebol-arte, com certeza, tremeram no túmulo com a heresia de Dunga. De raiva, quem sabe até não consigam reencarnar no “Sobrenatural de Almeida” para vir dar uns puxões de orelha no “birrento” treinador da Seleção… Seleção que, à imagem e semelhança de seu timoneiro, pode até ganhar a Copa na África do Sul, com um futebol burocrático e sofrido. Mas, deixará muito a desejar em termos de futebol-arte, que também pode vencer, sem prejuízo da alegria e do talento, marcas registradas do futebol brasileiro.

Perdendo tais características, a Seleção acaba também perdendo o respeito que conquistou justamente por causa dessas qualidades que fazem o seu diferencial. Sem talento, alegria e arte, fica tudo muito igual e previsível na seleção, que irá praticar um futebol burocratizado e anão, no estilo Dunga de ser. Para gáudio dos adversários, que não mais irão temer o talento do futebol brasileiro. E para tristeza de seu povo alegre e festeiro, que irá sofrer “horrores” a cada novo jogo-suplício do Brasil na Copa da África do Sul. Só nos resta esperar que “os deuses do futebol” possam agir a tempo de evitar o pior, quem sabe “promovendo” o Ganso da lista reserva, com o possível impedimento natural de algum “soldado de chumbo” da linha burra mediana de Dunga…

(*) Francisco Sidou é jornalista

2 comentários em “Seleção meia-sola

  1. Meu caro Sidou, nossa geração testemunhou os anos de chumbo, mas poucos sentiram as agruras, até mesmo quando oposicionavam-se. Os que estavam “debaixo de chumbo”, reclamavam da insensatez do povo, delirando com os feitos da Seleção de 70. Na ‘ construção da identidade brasileirao futebol tem posição central’, já foi dito e aceito.O futebom tem seus ditames.Hoje endeusada, essa maravilhosa seleção foi taxada de velha (exceção de Clodoaldo) com jogadores fóra de suas posições originais (Piazza de zagueiro) Rivelino quase ponta-esquerda Everaldo no lugar de Marco Antonio e por ahí vai.
    É bom conversar com jogadores dessa seleção (tive oportunidade) para fazer melhor idéia sobre o velho Lobo como técnico.É inaceitável a ausencia do Ganso na relação inicial.
    Sidou, lei federal poderia regulamentar um plebiscito para a escolha dos 23/30 jogadores que seriam entregues ao ungido para com eles formatar a nossa seleção. Ahí o Brasil teria a seleção do seu povo.

    Curtir

Deixe uma resposta