Um show do mais autêntico ator americano

Por Isabela Bescov

Existem atores aos quais é um prazer assistir pela perícia e inteligência formidáveis com que eles entram em um personagem – como Daniel Day-Lewis ou Tommy Lee Jones. E existem atores aos quais é um prazer assistir porque é impossível distinguir em seu desempenho qualquer sinal de técnica, trabalho ou esforço. A rigor, aliás, nem se parece estar diante de um desempenho: durante duas horas, eles são aquela pessoa. Nessa categoria, não há exemplo melhor que Jeff Bridges, que Pauline Kael (1919-2001), a decana da crítica americana, proclamou como o mais natural e autêntico ator da história do cinema. Pauline adorava emitir julgamentos definitivos, mas continuava a emiti-los porque em geral acertava em cheio. De Bridges, ela disse isso em 1973, apenas dois anos depois de ele ter se lançado com A Última Sessão de Cinema. Nesses quase quarenta anos, o ator não fez outra coisa que não dar-lhe razão – poucas vezes mais do que em Coração Louco (Crazy Heart, Estados Unidos, 2009), que está desde sexta-feira em cartaz no país e rendeu a Bridges sua quinta indicação ao Oscar. Pela primeira vez, porém, ele tem chances indiscutíveis de vitória.

No filme do diretor e roteirista Scott Cooper, ele é Bad Blake, um cantor e compositor de música country que outrora foi uma lenda – no presente, muito desgastada pelas quantidades prodigiosas de álcool que consome, pelos muitos inimigos que fez (em alguns casos, o antagonismo está somente em sua cabeça) e pelo temperamento espetacularmente contendedor. Blake percorre longas distâncias no Sudoeste americano, de cidade em cidade, para se apresentar em boliches, bares e outros palcos melancólicos. Não é, contudo, uma figura patética; é um homem que abraçou a própria decadência e fez dela uma marca de honra e de insubmissão. Não surpreende, assim, que uma mulher jovem e direta como a repórter Jean (Mag-gie Gyllenhaal) se sinta atraída por ele. E é perfeitamente verossímil também que, por causa dela, Blake procure se reerguer e, ao mesmo tempo, sendo quem é, sabotar a tentativa: esse é um filme pequeno e convencional, mas que nunca deixa de soar verdadeiro. Essa legitimidade emana de Bridges, cujo talento particular, como Pauline assinalara, é construir seus personagens de dentro para fora. Blake vem marcado por tantos particulares e lembranças, tantos gestos tornados inconscientes pelo hábito, que é como uma casa em que o ator morasse há muito tempo e pela qual pudesse andar de olhos fechados. Cooper escreveu o papel para Bridges, mas quase ficou na mão: ele confessadamente não é de pegar no batente. Só quando soube que seu amigo T Bone Burnett, uma lenda das trilhas sonoras, comporia as canções, topou o trabalho. Ainda que, como de hábito, mal se possa adivinhar que ele está trabalhando.

8 comentários em “Um show do mais autêntico ator americano

  1. Jeff Bridges é mesmo sensasional. A jornalista disse tudo. Lembro da atuação dele no filme “O Pescador de Ilusões” e bato palmas até hoje pro cara.

    Bacana isso dele pegar só trabalho que lhe interessem, por isso que hoje em dia vemos pouco o ator, mas vale a pena esperar pelo seu show tradcional.

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      1. É Gerson, o cara é bom mesmo… e de poucos trabalhos sim. Não deve em nada a atores como por exemplo, Jack Nicholson e Dustin Hoffman, contemporâneos seus e, como ele, ainda na ativa. E por falar em cinema Gerson, dos atores dessa “geração atual” de Holywood, gosto das atuações de Matt Damon, que apresenta uma versatilidade digna de nota (o papel de agente da CIA/OSS no filme “O Bom Pastor” atesta esta esta característica do ator).

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      2. É, Daniel, também gostei da trilogia Bourne com o mesmo Matt Damon. Ação, ritmo alucinante, mas com um roteiro razoável.

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    1. Éguaaa, esse é craque. Viu Capote com ele? E Piratas do Rock? Mas o papel do PSH que gostei mais foi o do crítico musical Lester Bangs em Quase Famosos. Show.

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  2. Piratas do Rock? Sim, ele é o DJ Conde. Capote ainda não tive o prazer de ver. Quase Famosos é delicioso. Mas tem um filme em que ele atua, juntamente com a gatíssima e talentosíssima Marisa Tomei e mais Ethan Hawke, chamado “Antes Que O Diabo Saiba Que Você Está Morto”, de Sidney Lumet. Uma execelente atuação e um bom filme. Caso os amigos do blog ainda não tenham visto, recomendo. Muito bom!

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