Coluna: A máfia quase livre

Até 2005 qualquer xingamento a árbitros e suas genitoras nos estádios não passava de ato sem maior relevância ou consequencia, apenas um ritual obrigatório dentro da catarse coletiva do futebol como espetáculo. Poucas vezes na era moderna do futebol o Brasil teve oportunidade de pôr as mãos num juiz ladrão. Todo mundo sempre ouviu histórias sobre jogadas de bastidores, bandalheiras de todo tipo, mas sem comprovação.
A partir do Campeonato Brasileiro daquele ano, tudo mudou. Onze partidas foram anuladas depois que Edilson Pereira de Carvalho foi denunciado como principal elo de uma máfia que manipulava resultados em apostas clandestinas. Réu confesso, o árbitro acabou preso e enquadrado num processo judicial para apuração de responsabilidades.
Edilson ganhava duplamente: recebia a cota para apitar os jogos e pegava propina para determinar vitórias e empates, conforme os interesses de seus patrões do submundo. Atos de corrupção dificilmente deixam rastros, daí a sempre complexa tarefa de enquadrar e punir os criminosos.
Denúncias anônimas levaram à comprovação do esquema. Gravações telefônicas e investigações do Grupo de Atuações Especiais de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e do Ministério Público atestaram a influência da máfia no desfecho de vários jogos da Série A.
No fim das contas, o Corinthians de Carlito Tévez (e Kia Joorabchian) sagrou-se campeão e o Internacional de Muricy ficou como vice. Ocorre que, na conta dos jogos anulados, o Colorado acabou em desvantagem. Se o campeonato tivesse seguido seu curso normal, sem a repetição das partidas arranjadas, o título seria dos gaúchos. 
Quatro anos depois, o caso volta à tona e caminha para um final macunaímico. Mesmo com todas as provas levantadas no processo, Edilson Pereira de Carvalho – que nos estádios executava uma espécie de teatro beato, benzendo-se e beijando seguidamente uma medalhinha antes de elevar as mãos aos céus – e o resto da quadrilha tem boas chances de se safar das acusações.  
 
 
Toda a investigação que desmascarou a máfia do apito pode ser reduzida a pó por três desembargadores, hoje, em S. Paulo. Eles irão decidir se as denúncias (contra sete pessoas, acusadas de estelionato e formação de quadrilha) serão acatadas ou arquivadas.
Vale dizer que o grupo está em liberdade desde que um desembargador, Fernando Miranda, interrompeu o processo para julgamento de um habeas corpus pedido pela defesa dos réus – Sérgio Alvarenga, advogado de Edilson, é diretor jurídico do Corinthians. Se o HC for concedido, a ação sofrerá atraso ainda maior e o caso será arquivado. O xis da questão é que o desembargador Miranda cismou que não houve crime de estelionato.
Em função dessa filigrana, é provável que o torcedor perca o direito legítimo de levantar suspeitas contra arbitragens. Perante a lei, ironicamente, o crime terá compensado e a máfia poderá agir em paz.

(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quinta-feira, 06)

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