Houve um tempo em que o clássico era bem mais que um rotineiro confronto pelas eliminatórias sul-americanas. Era um jogo sempre equilibrado, cheio de rivalidade e lances emocionantes. Não raro, virava uma verdadeira batalha em campo. Pode ser que o jogo de hoje reproduza pelo menos parte desse encanto perdido. Se isso acontecer, nós, que gostamos tanto de futebol, já estaremos no lucro.
Os tempos são outros e é compreensível que Uruguai e Brasil não tenham mais a pegada de antes. Aliás, o moderno futebol de negócios amortece todas as rivalidades. Os jogadores das duas seleções vivem a milhas de distância de seus países, fato que contribui para refrear os impulsos primitivos.
No time de Dunga, somente quatro ainda jogam em times brasileiros. No Uruguai, nem isso. O êxodo dos atletas cria um fenômeno que ao torcedor comum soa apenas como excesso de cobiça, o que é injusto. Nem todo boleiro é mercenário. São pessoas normais, que têm sonhos absolutamente humanos, como o de ganhar dinheiro dignamente.
Como o mercado nacional não tem como competir com a endinheirada Europa, craques (e até os pernas-de-pau) são forçados a deixar o país de origem em busca de sonho e fortuna. Quando chamados para defender as cores nacionais quase sempre não demonstram mais o mesmo fervor. Alguns claramente evitam pôr as valiosas canelas em divididas. É claro, têm muito a perder e o velho conceito da pátria de chuteiras vira mera abstração.
É sob esse clima que o Brasil enfrenta a Celeste. Sem falsas ilusões de entrega suicida à busca da vitória. Ninguém ali está muito preocupado em se matar ou morrer pela nação. Parece um tanto estranho ao torcedor comum, mas é assim que as coisas são.
Na ESPN Brasil, ontem, dois uruguaios quase brazucas falaram sobre a velha rivalidade. Hugo de León, que foi xerifão do Grêmio, e Rodolfo Rodriguez, que marcou época como goleiro de grandes recursos, admitem que as coisas mudaram muito. O Uruguai deixou de ser um adversário temível para o Brasil. As lembranças de 50 ainda vêm à mente, mas já sem a pesada carga psicológica de antes.
Em torno do estádio, um cenário ilustrativo do grau de importância que o futebol tem hoje para o uruguaio comum. A seleção local treinava de portões fechados e não havia um “pacheco” sequer tentando furar o bloqueio. Sinal eloqüente da decadência de uma escola que já foi hegemônica no continente e – é bom sempre lembrar – foi a primeira vencedora de Copas (1930).
Leio na internet que a CNN incluiu Mano Menezes, do Corinthians, no seu Top 10 de melhores técnicos do planeta. A lista tem nomes óbvios, como Guardiola, Mourinho, Hiddink e Ferguson. Mas a lista perde totalmente o sentido ao destacar figuras como Akira Nishino (Gamba Osaka), Manuel de Jesus (Al Ahly), David Moyes (Everton) e o gaúcho Mano.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste sábado, 06/06)