As desconfianças que rondam os negócios no mundo do futebol não vêm de hoje e, de certa forma, são naturais num universo em que ainda prevalece uma boa dose de amadorismo na gestão de clubes e nas relações profissionais. Quem nunca duvidou dos valores absurdamente baixos de transações envolvendo atletas de primeira linha? Ou suspeitou da veracidade de alguns salários pagos a jogadores no Brasil?
Todas essas cismas são alimentadas pela ausência de transparência. Pela velha prática dos dirigentes em agir nas sombras, escamoteando dados mais precisos e fugindo a qualquer tentativa de prestação de contas. Foi assim nos anos 60 e hoje, cinqüenta anos depois, quase nada mudou.
Os célebres contratos de gaveta, que existem desde que os atletas passaram a ser remunerados por clubes, sobrevivem até os dias atuais sob outras formas de aprisionamento dos jogadores. Recentemente, Jairzinho contou que mantinha com o Botafogo um contrato oficial, na forma da lei, e outro assinado em branco, que dava direitos ilimitados ao clube.
Garrincha foi outra grande vítima desses acertos de dupla face. Zizinho e Ademir Menezes, que despontaram anos antes, também sofreram o diabo sob o sistema vigente, obrigados a acatar ordens ditadas não pelos clubes (Flamengo e Vasco, respectivamente), mas por um patrono endinheirado.
Como de hábito, quem perdia feio era sempre a parte mais fraca – o atleta. Os tempos mudaram em diversas áreas, mas no futebol a coisa se arrasta como dantes. A entrada em cena de investidores transformou o vínculo contratual em verdadeiros condomínios, fatiados conforme a participação financeira de cada um dos proprietários.
O processo de rateio dos direitos federativos é tolerado pela Lei Pelé, mas dá margem a distorções de todo tipo, fazendo com que, na maioria das vezes, não se saiba ao certo a quem pertence o atleta/mercadoria.
A legislação dita moderna também abriu brechas imensas quanto aos ganhos salariais. O chamado fixo é registrado em carteira ou contrato, mas fica um “por fora” negociável na forma de direitos de imagem.
De vez em quando, a estrutura se rompe, normalmente quando uma das vítimas (geralmente o atleta) decide espernear. Foi assim com o volante Pierre, ora no Palmeiras, que deu o chamado grito de liberdade e se safou de alguns empresários paranaenses que controlavam sua carreira.
Deu sorte, recuperou dinheiro e saiu por cima. Há casos, inclusive no Pará, de finais não tão felizes assim. A comprovar que o futebol do novo século, afeito ao marketing de alta calibragem, mantém um pé no Brasil Colônia.
Apogeu do marketing, no sentido positivo do termo, é a decisão da Liga dos Campeões, hoje à tarde. Manchester e Barcelona frente a frente, em Roma, em partida que será assistida por milhões de telespectadores no mundo inteiro, quase na mesma proporção de uma final de Copa.
No campo técnico, alguns limitam a coisa a um duelo entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi. Penso que o embate é entre duas escolas distintas. O Manchester dos volantes inteligentes, que verticalizam o jogo, sempre. O Barcelona da obsessão pela posse da bola. Ambos essencialmente ofensivos – o que é reconfortante.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta quarta-feira, 27/05)