
POR GERSON NOGUEIRA
A festa continua rolando em todas as cidades paraenses e em outras paragens também. Poucas vezes se viu tanto entusiasmo e alegria nas ruas partindo de torcedores do Clube do Remo. O motivo é mais do que justo: o acesso à elite do futebol brasileiro. Por força de uma campanha memorável, o Leão está de volta ao topo.
No jogo de domingo, no Mangueirão, o enredo foi tão meticulosamente construído que pareceu obra de roteirista de cinema dos bons, com direito a pausas de suspense e emoção, momentos de aflição e a redenção final, com direito à expectativa pelo resultado do jogo Cuiabá x Criciúma.
Nem o torcedor mais fanático e pacheco conseguiria criar um desfecho tão espetacular. O hino diz que “em cada um de nós mora a esperança”, mas esse grau de confiança foi testado no limite em vários momentos do campo. Por isso mesmo, o júbilo pelo acesso extrapolou os limites do Pará e saiu mundo afora, despertando aplausos e admiração sincera.
A grande mídia nacional, sempre tão indiferente ao que acontece na parte superior do mapa, despertou finalmente para o Remo. Quarto colocado na Série B, coube ao Leão o tratamento mais caprichado nas matérias e comentários das emissoras de TV e canais de internet, justamente porque a história mais bonita e comovente é a azulina.
Com todo respeito a Coritiba, Athlético-PR e Chapecoense, também muito merecedores do acesso, nada é comparável ao que se passou com o Remo, e não me refiro só às últimas semanas. A história do clube é um tributo à capacidade de sobrevivência e de dar a volta por cima. Não há dúvida: a grande notícia do fim de semana é o renascimento do Leão.

O Remo já esteve sem divisão, frequentou a Série D, passou poucas e boas no limbo do futebol, disputando partidas em campinhos de areia e lama, com bandeiras de escanteio demarcadas por sacos plásticos. Todas essas provações tornam mais grandioso o atual momento de glória.
O Remo está na Série A do Campeonato Brasileiro por merecimento, quase uma reparação histórica para uma torcida resiliente e apaixonada, uma das maiores nações do futebol no Brasil, que em todos os jogos aprendeu a pedir apenas que os jogadores honrem a camisa com raça, paixão e fé.
Sim, a fé é fundamental e necessária. Foi pelos braços fervorosos de torcedores e atletas que a Santinha peregrinou por estádios de todo o Brasil nesta Série B, atestando a profunda religiosidade de um povo.
Belém tem fissura por futebol e devoção pela santa padroeira. Esses caminhos se encontraram na campanha magnífica que o Remo fez neste ano. Sagrado e profano lado a lado, como no Círio de Nazaré. (Foto 1: Samara Miranda/Ascom CR; fotos 2 e 3: Agência Pará)

Sete esteios da longa marcha rumo ao topo
Alguns jogadores se destacaram por rendimento, entrega e comprometimento na campanha do Remo, em nível acima dos demais atletas do elenco. Em primeiríssimo plano, acima de todos, aparecem dois nomes de grande importância para a conquista: Pedro Rocha e Marcelo Rangel. Duas verdadeiras instituições azulinas.
Pedro Rocha foi o melhor jogador do campeonato e o principal artilheiro, com 15 gols marcados. Ninguém exemplifica melhor a sinuosa trajetória do Leão do que o camisa 32. Ele iniciou bem, como todo o time, sob o comando de Daniel Paulista.
Caiu de rendimento quando o comandante era Antônio Oliveira e renasceu com Guto Ferreira, tornando-se mais decisivo ainda. Gols de valor inestimável, como o primeiro da partida com o Goiás, que reabriu as esperanças e sacudiu a massa no Mangueirão.
Marcelo Rangel foi outro pilar, garantindo lá atrás vitórias importantes. O melhor goleiro da Série B foi sempre preciso e econômico, sem firulas ou brilharecos desnecessários. Viveu momentos de aflição, após a lesão no joelho que o deixou fora de combate por duas semanas.
Quando ninguém imaginava que poderia voltar ao gol azulino, pois a previsão era de um tratamento de dois a três meses, ele se ergueu e voltou a campo, a tempo de garantir segurança ao sistema defensivo do Leão.
Além de ambos, é justo destacar também Caio Vinícius, Klaus, Nico Ferreira, Diego Hernández e João Pedro. A reinvenção de Caio Vinícius é um dos milagres operados por Guto Ferreira, que mudou o posicionamento do volante, transformando-o em um atacante improvável em vários jogos.
Na zaga, Klaus brilhou pela regularidade. Impecável no jogo aéreo, aplicado nos lances de chão, ele foi um dos responsáveis pela boa performance da defesa remista – o Remo é um dos três times que menos perderam, com somente oito derrotas na competição.
Os uruguaios Nico e Hernández precisaram de tempo para pegar ritmo e condicionamento, mas, quando isso ocorreu, tornaram-se peças imprescindíveis na equipe. Hernández brilhou nas cobranças de falta. Nico pontificou com aplicação e disciplina tática.
Por fim, é preciso falar de João Pedro, transformado em herói na apoteótica jornada final diante do Goiás. Com poucos e importantes gols, como na vitória sobre o Cuiabá, o centroavante português (nascido em Guiné Bissau) provou sua importância com os gols que levaram o Remo à elite.
(Coluna publicada na edição do Bola desta terça-feira, 25)