Um animal incomum se aproxima

Por André Forastieri
Dava para prever o assassinato de Charlie Kirk? Claro que não. Mesmo com atentados contra políticos acontecendo regularmente nos EUA, inclusive contra Donald Trump. Mesmo que toda semana presencie um novo atentado à bala numa escola americana, com uma regularidade desesperadora.
É previsível depois de sua morte o acirramento da violência nos EUA – da verbal à institucional? Cartas marcadas. A extrema direita agora tem um mártir. Estranho seria o contrário.
Alguns eventos são absolutamente inesperados e não há cenário racional que os inclua. Mesmo que alguns especialistas alertem sobre chances reais deles acontecerem. Nós, pessoas comuns, não conseguimos encaixa-los no nosso horizonte de possibilidades.
Foi o caso do ataque da Al-Qaeda em 11 de setembro de 2001. Era previsível uma reação dura de fundamentalistas às ações americanas no Oriente Médio? Sim. Já tinha até acontecido um atentado anterior em Nova York.
Mas quem imaginaria que o World Trade Center viria abaixo ao vivo, para todo o planeta? Aquele céu azul, os aviões se espatifando, impossível desviar o olhar.
Caídas as torres, os anos seguintes seguiram roteiro fácil. Já a partir do dia 12, quando as bolsas de valores reabriram e subiram vertiginosamente as ações dos fabricantes de armas. De lá para frente, o Oriente Médio se tornou tristemente previsível – até 7 de outubro de 2023.
É impossível você planejar para aquilo que é impossível de prever. É o tal do “Cisne Negro”, título do livro do Nassim Nicholas Taleb: o evento raríssimo que ninguém prevê. Mas pode acontecer, sim.
É estatisticamente inútil você se preocupar com esses momentos de mudança. Não dá para se proteger do estatisticamente próximo de zero. Nem se agarrar à chance deles se materializarem, caso positivos.
Bom lembrar que nem todo evento raríssimo é tragédia, catástrofe ou apocalipse. É só isso: raríssimo.
Na imensa maioria das situações, acontece o que é mais provável acontecer. Dá a lógica. Pro bem e pro mal. É péssima estratégia e até beócio contar com esses eventos um-em-um-milhão.
Naturalmente cada ser humano se acha especialíssimo e somos todos especialistas em auto-engano. Por isso as pessoas apostam na loteria – “alguém vai ganhar – pode ser eu!”. É como aquele fumante que você conhece, que adora contar a história do tia-avó de 93 anos de idade, até hoje baforando feito chaminé.
Como diferenciar o altamente provável do altamente improvável, e os vários matizes de cinza entre eles? Fatos ajudam, mas não é uma ciência exata.
Ninguém está a salvo de um Cisne Negro. Geralmente você e eu nos safamos de boa. Esses animais incomuns não costumam bater as asas pro nosso lado.
Quando um desses chega, chega voando e instantaneamente se impõe como a nova realidade. Passa a fazer parte da História e a transforma, seja só nossa historinha pessoal ou aquela com com H maiúsculo.
O Covid surpreendeu? Nem tanto. A possibilidade de uma pandemia estava no radar dos epidemiologistas. Best-sellers foram publicados, Hollywood fez filmes sobre epidemias. Ninguém previu o tamanho do estrago, a medíocre reação institucional, a rápida reação dos pesquisadores ou os custos da quarentena.
Ano após ano, avançamos na ciência médica. Não avançamos igualmente na estrutura da saúde pública. Em muitos casos, com cortes de gastos impostos por políticas de austeridade, os países regrediram. O Brasil, apesar do SUS, tinha na sua liderança governantes anti-vacina e anti-ciência.
Pagamos caro demais.
Nunca acreditei que Bolsonaro seria preso. Vamos combinar que eu tinha muitas boas razões pra crer que ele morreria livre e impune, como tantos outros canalhas do nosso passado e presente.
Mas olhe para o céu – tem um Cisne Negro no ar.