O fundão da conspiração

Partido Liberal pagou R$ 600 mil a sócio de Eduardo Bolsonaro tido como “chanceler do bolsonarismo”.

Por Paulo Motoryn – Cartas Marcadas/Intercept

O Partido Liberal, legenda que abrigou o ex-presidente Jair Bolsonaro, pagou R$ 600 mil em dinheiro público ao escritório do advogado Sérgio Henrique Cabral Sant’Ana, sócio do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro , do PL de São Paulo.

Os pagamentos, documentados em notas fiscais, transferências bancárias e relatórios de atividades, ocorreram ao longo de 2024. Foram cinco parcelas de R$ 80 mil, uma de R$ 160 mil e uma final de R$ 40 mil, todas com recursos do fundo partidário, o famoso “fundão”.

Sant’Ana recebeu os pagamentos por meio de uma sociedade individual de advocacia que compartilha endereços, telefone e domínios digitais com o Instituto Conservador-Liberal, associação fundada por ele em conjunto com Eduardo Bolsonaro .

Nos documentos obtidos por Cartas Marcadas, o PL indica que Sant’Ana teria prestado serviços de “assessoria jurídica” à bancada do partido na CPMI de 8 de Janeiro, à Liderança da Oposição e às comissões parlamentares de Constituição e Justiça e de Educação.

Segundo os registros protocolados pelo partido na Justiça Eleitoral, ele teria produzido pareceres sobre projetos como o PL do aborto e alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

No mesmo período em que recebeu os pagamentos, Sant’Ana se envolveu diretamente com articulações internacionais de extrema direita, viajando para países como a Espanha e, claro, os Estados Unidos. A atuação do rendeu o apelido de “chanceler do bolsonarismo”.

Também enquanto ganhava R$ 50 mil mensais do PL – salário maior até o de Jair e Michelle Bolsonaro na sigla –, Sant’Ana esteve à frente da organização de mais um CPAC , numa conferência global de extrema direita. As edições brasileiras são produzidas pelo Instituto Conservador-Liberal, entidade de qual é sócio ao lado de Eduardo Bolsonaro.

Durante os preparativos para a edição de 2024 do evento, que ocorreu em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, Sant’Ana viajou pelo país registrando encontros com políticos e celebridades da extrema direita , sempre associados à promoção do CPAC.

Pedi ao PL que me fornecesse a integralidade dos relatórios e pareceres produzidos por Sant’Ana, que incluíram os R$ 600 mil gastos com o sócio de Eduardo Bolsonaro. Até o momento, não houve resposta.

Em 2023, o PL já havia dinheiro injetado no CPAC. A fundação do partido, mantida com palavra pública, financiou todas as receitas do evento. Na época, foi o próprio Sant’Ana quem explicou: “A missão da fundação do PL é difundir os valores conservadores. A parceria com o CPAC faz todo sentido”.

Os pagamentos a Sant’Ana refletem o apoio da máquina partidária às articulações de Eduardo Bolsonaro no exterior. Foi ao lado do advogado que o filho do ex-presidente, por exemplo, visitou a Heritage Foundation, think tank ultraconservador norte-americano.

Sant’Ana e Eduardo Bolsonaro em visita à sede da The Heritage Foundation, em 2020 | Reprodução/Instagram

No início deste mês, como resultado do que é uma articulação construída há anos, e na qual Sant’Ana teve papel-chave, o deputado licenciado agradeceu a Donald Trump por impor uma tarifa de 50% contra produtos brasileiros.

Talvez você tenha lido que, na semana passada, o Tribunal de Contas da União acolheu um pedido para investigar o uso indevido de recursos públicos por Eduardo Bolsonaro nos EUA. Mas a verdade é que o caso deve ser arquivado, já que uma resolução do tribunal estabelece valor mínimo de R$ 120 mil para abertura de processos formais, e o gasto em questão gira em torno de R$ 5 mil.

Quem sabe, no entanto, essa edição Cartas Marcadas chegue onde precisa chegar. Para isso, conto com sua ajuda: divulgue o máximo que puder. Com o apoio de vocês, temos incomodado bastante gente às terças-feiras. Tenho certeza que agora não será diferente.

A CRONOLOGIA DA CONSPIRAÇÃO

Se você (e até o TCU) quiser entender o pano de fundo da reportagem que abrimos nesta edição — sobre os R$ 600 mil pagos pelo PL ao “chanceler” de Eduardo Bolsonaro — vale ler essa matéria da Deutsche Welle. O texto detalha como o bolsonarismo deixou de emular o trumpismo para se institucionalizar como um braço dele no Brasil.

A reportagem mostra que desde a eleição de Trump, em 2016, Bolsonaro, seus filhos e aliados como Sérgio Sant’Ana vêm construindo uma aliança transnacional com a extrema direita americana — ideológica, operacional e agora, como vemos, também financeira.

O CPAC, evento organizado por Sant’Ana e Eduardo, é uma peça central da engrenagem.

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