A História se repete como tragédia e farsa. Os Atratores Estranhos, talvez não
Por André Forastieri

Todo problema complexo tem uma solução simples, elegante e completamente errada”, ensinou HL Mencken. Mas a gente normalmente prefere verdades transparentes, permanentes, reconfortantes – mágicas.
Somos supersticiosos assim por causa da nossa educação, ou será que o ser humano já vem assim de fábrica? Debate rico para pedagogos e biólogos.
Já a física contemporânea garante que supostas “verdades” não são tão simples de encontrar. Alguns dos cientistas mais alucinados e detalhados do último meio século desenvolveram um novo ramo de estudos para compreender e enfrentar essa dificuldade.
Foi a partir dos anos 60 que a humanidade começou a estudar mudanças em sistemas complexos, transformações que acontecem de maneira imprevisível. Antes disso, simplesmente não inventamos computadores rápidos, capazes de processar montanhas de variáveis e identificar tantos padrões. Ou, eventualmente, ausências de padrões.
De lá para cá a capacidade de processamento e armazenamento decolaram. Imensidões de informações novas se materializaram. Milhares de crânios se debruçaram sobre eles. Um novo horizonte se descortinou.
É um monte de conhecimento novo em folha e em evolução rápida. É a tal ”Teoria do Caos”, muito além da capacidade de compreensão da maioria de nós – certamente da minha.
O que importa aqui é que a Teoria do Caos inclui o estudo de sistemas em que os mesmos fatores podem causar mudança – ou, alternativamente, não causar nenhuma mudança. São sistemas que permanecem em um determinado estado ou saem deste estado, sem que os pesquisadores consigam identificar a razão.
Esses sistemas foram batizados com o nome de “Atratores Estranhos”. O escritor inglês John Higgs aborda bem o tema do livro “The Future Starts Here: Adventures in the 21st Century”.

Higgs educa e diverte. Seu livro mais recente, “Love and Let Die”, compara duas características pop que estrearam com sincronicidade rica em simbolismo, no mesmo exato dia, 5 de outubro de 1962: os Beatles e James Bond.
Estes “Atratores” são estranhos mesmo, mas muito comuns. Você está respirando um Atrator Estranho neste momento. É o sistema climático, o que inclui a atmosfera e os átomos de oxigênio funcionando no veículo e alimentando suas células.
Higgs conta que quando os cientistas mergulharam no estudo dos Atratores Estranhos, “dois fatos surpreendentes surgiram. Quando você olha de perto o que parece descobre, esconde-se de Caos nas fronteiras, tentando emergir. E quando você observa o Caos profundamente, encontra os ritmos e padrões da Ordem.”
É onde a Teoria do Caos bordejaria a política, economia, sociologia, diz ele.

Hoje temos computadores e matemática avançados o suficiente para enxergar o futuro com precisão inédita, ainda que sempre imperfeito. A ciência já é razoavelmente eficiente em determinar para onde estamos indo; inclusive quando estamos indo para a merda.
Tristemente os esforços dos cientistas não foram suficientes para motivar transformações urgentes e complicadas na política ou na economia. Temos falhado inclusive em ampliar a confiança na própria ciência.
A maioria dos humanos segue fazendo figa por soluções simples e milagrosas, que caiam do céu feito maná. Um presente divino ou quiçá lampejo do gênio, do líder, do iluminado.
Somos treinados pra ter esperança. Para acreditar e não para duvidar. Quem é condicionado criancinha a ter fé tende a ter pro resto da vida, inclusive em salvadores de almas e da pátria.
Também tende a condenar quem questiona, pensa e vive livremente. O pior dos tabus: a consciência de que a fé costuma falhar.
O pensamento mágico segue lucrativo. Sobreviver alimentando questionamentos da ciência. Ou até propor uma falsa equivalência entre ciência e fé.
É falácia contestar resultados científicos proclamando “a ciência também é uma religião”. Ciência é um método, não um conjunto específico de conhecimentos.
É um método em constante evolução, em permanente busca de aperfeiçoamento. É o contrário das fés, com seus livros sagrados sempre imutáveis, “perfeitos”, porque vieram da boca da divindade.
A Teoria do Caos não é “teoria”. Tanto faz você “acreditar” ou não nela; é ciência. Sei lá quanto é aplicável às bagunças humanas. A física contemporânea um pouco conectada com nossa vivência cotidiana. Mas na prática, vamos combinar que pelo menos como analogia ou exercício de imaginação, é convidativo aplicar a Teoria do Caos no caos nosso de todo dia.
Higgs garante que a História nos dá muitos exemplos de sistemas complexos que saltaram repentinamente de um estado para outro. Transmutaram-se de sistemas políticos, econômicos, culturais complexos para outros diferentes.
Sem sustento. Num piscar de olhos. Por quê? Por razões que ninguém previu e que mantêm os acadêmicos discutindo até hoje.
De repente e de surpresa, o imutável se torna mutável e a mudança, significativamente. Higgs cita como Atratores Estranhos “Históricos” a Revolução Francesa em 1789 e a queda da União Soviética em 1991.
Seriam também Atratores Estranhos a ascensão da China no século 21, a chegada da IA Generativa, a Crise Climática, ou o que assistimos perplexos neste abril de 2025? Ou tudo isso junto?
Estamos em um nexo de transformação profunda? O tempo dirá.
Em qualquer tempo seguirá pertinente além da máxima de Mencken: “a pessoa mais perigosa para qualquer governante é capaz de pensar por si própria, sem respeito pelos tabus e superstições predominantes.”
