A dança única de Jules Feiffer

Ninguém bailou entre talentos com tanta elegância – e coração

Por André Forastieri

“As histórias da arte gráfica, literatura, filme e teatro exibem a marca de sua caneta, sempre reconhecível, sempre imprevisível.”

Quantas pessoas podem ser descritas com esta frase? Difícil pensar em alguém que não Jules Feiffer.

Está no obituário da National Public Radio. A autora é a especialista em HQ da NPR, Etelka Lehoczy. Justo. Foi na HQ e cartum que Feiffer burilou seu traço, estilo, encanto.

Aos 17 anos, começou pau pra toda obra no estúdio de Will Eisner, lenda que batiza o maior prêmio da HQ americana. Depois assumiu seu “Spirit”.

A partir de 1956, Feiffer tornou-se indissociável do recém nascido “Village Voice”, semanário central na cultura americana e global por cinco décadas.

Depois ficou famoso de verdade, com uma tira licenciada para centenas de jornais mundo afora. Rabiscos elegantes e expressivos, palavras ao ponto, sátiras sensíveis, personagens memoráveis – a “bailarina” é a favorita de muita gente.

Depois vieram as peças, os filmes, os prêmios a roldão. Sua influência foi enorme. A corda-bamba entre senso de absurdo, mordacidade e humanismo são reconhecíveis no melhor Woody Allen, outro judeu novaiorquino nascido na Depressão, para citar um só.

Os livros são muitos, para adultos e depois, crianças. Você pode comprar alguns por preço bom e encantar leitores de todas as idades, aqui mesmo.

Meu favorito é o livro que gentilmente me vendeu o camarada Marcelo Alencar, “Feiffer´s Album”, edição de 1963. Porque é balé entre seus variados talentos: mistura mini-peças, livro ilustrado, fábula, tira, cartum.

Pra quem vai começar, não tem erro “O Homem No Teto” e “Pequenos Assassinatos”. Você gibizeiro das antigas será feliz com “The Great Comic Book Heroes”, um dos primeiros e melhores livros a tratar super-heróis a sério.

Pfeiffer correu riscos criativos até o fim. Aos 85 anos, lançou sua primeira graphic novel, “Mate Minha Mãe”, noir e divertida.

O filme que todo mundo precisa assistir, e é a cara da sua época e de Feiffer, é “Carnal Knowledge”, aqui “Ânsia de Amar”, de 1971. Escrito por ele e dirigido por outro batuta da mesma turma e geração, e sensibilidade similar, Mike Nichols.

Pioneiro em tratar com franqueza o macho que só gosta de mulher para trepar e exibir, o filme arrisca ser ainda mais relevante em 2025 que na estreia, quando fez um barulho danado. Com Jack Nicholson, Ann Margret, Art Garfunkel e Candice Bergen.

A maior parte da sua obra está indisponível em português. Mesmo em inglês, muitos dos principais livros estão fora de catálogo. Só colecionador de bolsos fundos para adquirir o principal de seu trabalho.

A perda é do leitor contemporâneo. Mas bailemos, bailemos com Jules, nós que o amamos… Quem sabe voltará à moda no futuro, se e quando a delicadeza voltar a ser qualidade.

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