
“Por que os palestinos seriam ‘interlocutores válidos’ visto que eles não têm um país? Por que teriam um país, visto que este lhes foi vedado? Nunca lhes foi dada outra escolha que não se renderem incondicionalmente. Só o que se lhes propõe é a morte. Na guerra que os opõe a Israel, as ações de Israel são consideradas como respostas legítimas (mesmo que pareçam desproporcionadas), ao passo que as dos palestinos são exclusivamente tratadas como crimes terroristas. E um morto palestino não tem a mesma medida nem o mesmo peso que um morto israelense.
[…] Para uma ‘solução final’ do problema palestino, Israel pode contar com uma cumplicidade quase unânime dos outros Estados, com nuanças e restrições diversas. Para todo o mundo, os palestinos, gente sem terra nem Estado, são um estorvo. De nada adianta receberem armas e dinheiro de certos países, pois sabem o que estão dizendo quando declaram que estão absolutamente sozinhos. […] Os combatentes palestinos são oriundos dos refugiados. Israel pretende vencer os combatentes fazendo, com isso, milhares de outros refugiados, de onde nascerão novos combatentes.
[…] O Estado de Israel assassina um povo frágil e complexo. […] Israel sempre considerou que as resoluções da ONU, que o condenavam verbalmente, na verdade lhe davam razão. O convite para que deixasse territórios ocupados foi transformado em dever de neles instalar colônias. […] [É necessário] uma pressão suficiente para que os palestinos sejam, enfim, reconhecidos pelo que são, ‘interlocutores válidos’, pois imersos num estado de guerra de que certamente não são os responsáveis.”
(GILLES DELEUZE – ‘Os Que Estorvam’ [Le Monde, 1978] – In: “Dois Regimes de Loucos”)