
Por André Forastieri
Releio o que escrevi na morte de Chorão, exatos dez anos atrás, no calor da notícia. Não envelheceu lá tão bem. Acertei mais que errei sobre o que viria na geração seguinte do rock brasileiro. Quem quiser encontrar personagens similares a Chorão em 2023 precisa procurar em outros cantos. Um tanto nos meninos do funk e, saca lá o festerê marrento e o chororô amoroso, em ídolos do sertanejo tatuado. Boys will be boys, principalmente longe dos olhos da crítica.
O texto abaixo foi incluído no meu livrinho “O Dia em que o Rock Morreu”, lançado no ano seguinte. Hoje talvez eu deixasse de fora. Mas não sou quem era em 2014.
Chorão
Por vinte anos o Charlie Brown Jr. esteve nas FMs, rádios pop, rádios rock, nas tevês e festivais. Alguma coisa eles tinham.
As canções eram rock ligue-os-pontos. Conectavam com muita gente. As letras de Chorão eram toscas e sinceras. Ganhavam ressonância e sentido em sua voz malaca. Diziam: sou só um garoto skatista e destrambelhado, procurando um lar e um amor. E nunca encontrarei, sugeriam.
Dá dó do cara morrer assim, 42 anos, firme e forte, dinheiro no banco, fãs à beça. Parece overdose. Surpresa, mas se for isso mesmo, surpresa nenhuma. Tem gente que vive como um acidente na bica de acontecer.
Quando a banda apareceu, 1992, já ouvíamos causos sobre os excessos de Chorão. Depois só piorou. Uma coisa é ser rebelde e enfiar o pé na jaca aos 20. Depois dos quarenta, a vida é outra, e cobra.
O Charlie Brown não foi sempre essa autoparódia de hoje. Quando a banda apareceu, era única.
Ninguém mais no Brasil captou essa vibração californiana, praiana-urbana, surf e também skate, relax e tensão, vida boa e vida lôca. Fora tínhamos Sublime, Red Hot Chili Peppers, Urban Dance Squad. Aqui, ninguém, e ninguém seguiu o Charlie Brown.
Eles descobriram um mundo lá fora, recriaram esse mundo aqui dentro, e ali reinaram sem rivais. Era o som moderno da Califa via Santos, muito brasileiro, galinha, eshperto.
A onipresença da banda mexeu com o núcleo dos maiores rivais do Charlie Brown em sua geração, seus antípodas em popularidade e respeito da crítica: Los Hermanos.
Charlie Brown era bermuda, tatoo, zoeira, somos do rock e “vai encarar”? Los Hermanos barbicha, cabecice, instrospecção e ânsia desesperada de aceitação na MPB empoeirada.
Uma banda abraçava a praia, outra lhe dava as costas. Chorão tinha milhões de amigos, Marcelo Camelo e companhia sonhavam com poucos e bons discípulos. Um fez sucesso só de público, outro sucesso só de crítica.
Um dia a língua de Camelo foi mais longe que devia: “esse negócio de fazer comercial para Coca-Cola é um desdobramento da indústria, a gente rejeita esse negócio de vender atitude”. Depois: “o Charlie Brown Jr. é uma banda da qual temos discordâncias estéticas… são precursores deste estilo que combatemos.”
E foi aí que Chorão ganhou minha torcida. Porque foi tirar satisfações com Camelo. Deu-lhe um soco no nariz, o que não é bonito, mas fácil entender e, no meu caso, aplaudir.
Camelo processou pela agressão, pedindo dinheiro, o que é menos bonito ainda, pra não dizer invertebrado. Perdeu. Comemorei com Chorão. Los Hermanos sempre pediram uns corretivos.
Mais triste que pensar que o Charlie Brown Jr. morre com Chorão, é reconhecer que a banda não deixa herdeiros, enquanto Los Hermanos têm um a cada esquina.
Não é questão de celebrar as melodias, letras ou arranjos do Charlie Brown, tudo muito simples. Mesmo hoje, fundadores quarentões, era uma banda de moleque, bocuda e barulhenta. Isso tem seu valor, mesmo que seja espiritual e não musical, e mesmo que não seja para mim.
Hoje até as bandinhas de moleque são pedantes, ensimesmadas, bananas. O jovem roqueiro de hoje quer ser bunda-mole. Chorão sai da área na hora. O rock brasileiro ficou proibido pra ele.