Futebol & samba: onde a folia esfriou?

POR GERSON NOGUEIRA

Carnavalizar o futebol ou futebolizar a folia? Eis o dilema que se impõe à pátria de chuteiras e sapatilhas, que se divide – pelo menos em fevereiro – entre gramados e sambódromos. Pode-se discorrer horas sobre essas duas forças motrizes da cultura brasileira, tão fortemente enraizadas na alma da população ao longo do tempo e igualmente tão castigadas pela incúria dos que detêm poder.

Pode-se dizer, com alguma condescendência, que o samba se modernizou, para desilusão de muitos, sentimento que o gênio Paulinho da Viola nunca nem disfarçou. Ocorre que a força da grana mudou por completo o conceito carnavalesco que prevalecia até os anos 1960.

O carnaval das escolas gigantes, com suas alas recheadas de turistas, é a realidade de hoje. Produto de entretenimento, embora não menos expressivo de uma cultura que se alastra hoje por vários segmentos sociais. O preço que a geração nutella paga para desfilar é também a garantia de sobrevivência das escolas tradicionais.

A indústria do entretenimento funciona assim, em dupla face, tanto para os brincantes endinheirados quanto para quem passivamente contempla o “maior espetáculo da terra” aboletado no sofá de casa.

O futebol vive realidade não menos desplugada das massas, consolidando-se cada vez mais como um simples negócio, às vezes cruelmente distanciado de suas origens mais dignas.

Gerido e pensado para dar lucros milionários, o esporte alcançou limites estratosféricos em relação ao passado recente, tanto em salários quanto em faturamento com direitos de transmissão e exploração da marca.

As grandes ligas europeias confirmam a milenar máxima de que o dinheiro pode tudo, permitindo que os times se transformem em verdadeiras legiões estrangeiras no esforço para se tornarem imbatíveis. Alguns são mais poderosos que a maioria das seleções, pois reúnem a nata do futebol, colocada à disposição dos melhores técnicos do planeta.

E o Brasil, em meio a isso, como fica? Ora, o país pentacampeão do mundo vive na aflitiva condição de sonhar com um mercado rentável, observando com inveja a movimentação dos clubes mais ricos, impotente para impedir que os jogadores mais promissores permaneçam por aqui.

Vinícius Jr., Rodrygo, Neymar, Martinelli, Richarlyson e agora Endrick saíram daqui porque não havia como ficar. Apesar disso, o êxodo de atletas de qualidade rumo ao Velho Continente vem diminuindo a cada temporada, coincidindo não por acaso por um movimento inverso: o do eterno retorno de veteranos sem mercado lá fora.

Para cada Vinícius ou Endrick que parte, o país vê a farra de contratações de atletas em fim de carreira, já em plena decadência, mas ainda capazes de encantar dirigentes especializados em iludir torcedor. E tome David Luiz, Paulinho, Renato Augusto, Hulk e Filipe Luís descendo do avião.

Mesmo com a vocação exportadora, é inegável que a presença de craques nacionais encolheu nas ligas europeias. Vai longe a era da fartura, que legou ao mundo gente do porte de Zico, Falcão, Romário, Bebeto, Djalminha, Ronaldo, Rivaldo, Giovanni, Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Adriano, Roberto Carlos, Cafu e outros.

Kaká, aliás, foi um dos últimos moicanos. É dele a última Bola de Ouro conquistada por um craque brasileiro. Brilhou em 2007, superando Lionel Messi e Cristiano Ronaldo na corrida pelo cobiçado Fifa World Player of the Year. Kaká havia sido um dos condutores do Milan na conquista da Liga dos Campeões 2006/2007.

Foi o último brilho brazuca no cenário dos maiorais. Depois dele, ninguém mais sequer se igualou aos melhores futebolistas do mundo. Messi e CR7 dominaram a cena, deixando o Brasil na arquibancada, observando a passagem do desfile das grandes agremiações.

É claro que, para quem legou ao futebol seus traços de mais alegria, através de gênios do drible e dos gols, como Pelé, Tostão, Romário e Ronaldinho, o papel de coadjuvante é duro de aceitar. Nenhum ranking atualizado põe brasileiros em destaque na prateleira europeia.

Vinícius é uma exceção que confirma a fase de estiagem. Nem ele, porém, foi capaz de brilhar na grande apoteose do futebol. A Copa do Mundo do Qatar celebrou o apogeu de Messi, cracaço argentino, melhor de sua geração e a anos-luz dos demais, incluindo os brasileiros mais talentosos.

Pode-se perguntar, em meio a esse cenário de dispersão, onde e por que atravessamos o samba? De país-berço de talentos, o Brasil se contenta em assistir o brilho alheio. As Copas também revelam essa realidade. Desde 2002, a Seleção não mais conseguiu chegar à final. Em 2014, foi à semifinal, mas saiu sob circunstâncias vexatórias. Nas outras edições, eliminações dolorosas, sempre para europeus.

O samba precisa voltar a ser samba, da mesma forma que o futebol tem que se reinventar – nem que seja pela batuta de um comandante estrangeiro. Há alguns anos, a simples ideia iria soar como suprema heresia. Hoje, talvez seja a única alternativa para fazer a escola brasileira de futebol voltar a brilhar na avenida.

Bola na Torre

Em ritmo de telecoteco, Guilherme Guerreiro comanda o programa, a partir das 22h30, na RBATV. Na bancada de analistas, Valmir Rodrigues e este escriba baionense. Em pauta, o Campeonato Paraense, a Copa Verde e a Copa do Brasil. A edição é de Lourdes Cezar.

Japiim abre Copa Verde para os representantes paraenses

O Castanhal joga hoje, em casa, às 15h, abrindo a participação de clubes paraenses na Copa Verde 2023. Recebe o Real Ariquemes, de Rondônia, clube fundado em 2011 e com pouquíssima tradição no futebol nortista.

O Japiim, ao contrário, é acostumado a disputar competições nacionais e interestaduais. É favorito para conquistar a vaga, mas, obviamente, não pode subestimar o adversário.

Caso passe pelo Ariquemes, vai enfrentar o Paysandu, em jogo previsto para a próxima semana, na Curuzu. 

(Coluna publicada na edição do Bola deste domingo, 19)

Museu Goeldi: o fim está próximo?

“O atual esvaziamento da instituição, projeto em curso desde 2012, ameaça décadas de trabalho, ou melhor, o trabalho de gerações de pessoas que se comprometeram com a conservação da Amazônia e com o bem-estar de suas populações”, alerta Nelson Sanjad, historiador e tecnologista sênior do Museu Paraense Emílio Goeldi, em artigo para o Jornal da Ciência

Por Nelson Sanjad (*)

Sim, o título é provocativo. Foi pensado para capturar a sua atenção para um problema que reputo como muito grave: o previsível colapso da instituição em um futuro próximo, caso não seja revertida – imediatamente – a tendência acentuada de esvaziamento de um dos mais importantes museus de história natural do Brasil. O Museu Goeldi enfrenta agora, no instante em que você lê esse texto, uma situação-limite, comparável a outros momentos decisivos na história centenária dessa instituição. Identifico esses momentos abaixo para que você tenha a dimensão do problema em curso.

O primeiro deles ocorreu em 1889, quando a Assembleia Provincial do Pará aprovou a extinção do antigo Museu Paraense. Isso só não ocorreu por causa do golpe perpetrado por militares no mês de novembro. E também por causa de homens da estatura de Justo Chermont e Lauro Sodré, que assumiram os primeiros governos republicanos no Pará, e de José Veríssimo, o grande mentor da reforma na instrução pública levada a termo por aqueles governadores, reforma essa que reergueu e requalificou o Museu Paraense.

O segundo deles teve início em 1921, quando Emília Snethlage foi substituída na direção por um mandatário local absolutamente desqualificado e desinteressado. Esse desmoronamento institucional foi estancado somente em 1930, quando outro golpe de estado – sim, outro golpe, et pour cause – novamente reergueu o Museu Paraense. Tenho de reconhecer o mérito dos ditadores Getúlio Vargas e Joaquim de Magalhães Cardoso Barata nesse processo; e, sobretudo, a notável gestão do pernambucano Carlos Estevão de Oliveira.

O terceiro deles pode ser localizado entre 1945 e o início da década de 1950. O estado do Pará vivia uma crise financeira muito forte, além, é claro, de viver sob o comando de líderes medíocres. Nessa ocasião cogitou-se novamente, em diversos círculos locais, a extinção do Museu Paraense. E aqui a instituição foi novamente salva por mentes esclarecidas. O ano era o de 1954. O bragantino Armando Bordallo da Silva, então na direção do museu; o amazonense Arthur César Ferreira Reis, então na direção da recém-criada Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA); e o almirante carioca Álvaro Alberto da Mota e Silva, então na presidência do também recém-criado Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), teceram um acordo que fez o governo do Pará, apesar de alguma resistência, transferir a administração do Museu Paraense ao governo federal. Bingo!

O momento atual é tão grave quanto os anteriores, mas por razões diferentes. O que está em disputa não é a necessidade de uma instituição científica na estrutura burocrática do Estado, um debate acirrado no século XIX; nem a obtenção de cargos no loteamento político do governo, o que infernizou os diretores do museu durante a Primeira República; e muito menos as parcas verbas destinadas à educação, ciência e cultura em um contexto de crise econômica pós-guerra. Hoje, o esvaziamento do Museu Goeldi é projeto de governos que não são comprometidos com a conservação da floresta amazônica nem com a sobrevivência dos povos indígenas. Experimente apresentar as valiosas coleções da instituição para um desses luminares do neoliberalismo e você receberá em retorno um olhar de desprezo e uma pergunta: para que serve tanta coisa velha? Ou: por que o museu precisa guardar tantos bichos e plantas? Nos últimos anos, essas perguntas foram feitas com insistência e tiveram de ser respondidas com (muita) paciência pela administração do Museu Goeldi.

O/A leitor/a que chegou até aqui deve estar se perguntando: o que está, então, acontecendo no Museu Goeldi? Responderei com dados coletados junto à administração e a pesquisadores da instituição, a quem agradeço pelas contribuições feitas a este texto. Preste atenção, leitor/a, no que vou expor a partir de agora.

Em 2013, o Museu Goeldi possuía quase 300 servidores. Dez anos depois, em fevereiro de 2023, são apenas 181. Desses, 57 já podem se aposentar a qualquer momento. Repito: dos atuais 181 servidores na ativa, 57 já têm idade ou tempo de contribuição para se aposentar. Estão recebendo abono-permanência, um adicional no salário para que não se aposentem. Mas, se o decidirem fazê-lo este ano, o Museu Goeldi encerrará 2023 com apenas 124 servidores, 41% do que existia há dez anos.

E tem mais: o último concurso da instituição foi realizado em 2012. Desde então, o quadro funcional não se renova, jogando a idade média dos servidores para o alto. Em fevereiro de 2023, ela somou mais de 54 anos. O que isso significa? Que os jovens não estão sendo incorporados na instituição, que a tendência é de rápido envelhecimento do quadro e de diminuição da produtividade, além de comprometer a continuidade de processos administrativos, científicos, museológicos e educacionais. A própria sobrevida da instituição está ameaçada, pois já é possível estimar a data (muito próxima) em que ela vai morrer.

Continuemos com os dados: em fevereiro de 2023, o Museu Goeldi é o local de trabalho de 40 pesquisadores-bolsistas, 100 mestrandos e doutorandos, 87 bolsistas de iniciação científica, 21 estagiários remunerados e 12 profissionais em serviço voluntário, geralmente pesquisadores/as aposentados/as que decidiram permanecer trabalhando por razões pessoais. Esse contingente, diretamente relacionado à pesquisa científica, soma 260 pessoas. Compare esse número com os/as pesquisadores/as e tecnologistas que permanecem na ativa: são apenas 60, número que vem caindo ano a ano desde 2013.

A repercussão disso é muito negativa. Atualmente, há uma grande rotatividade de pessoas no âmbito da pesquisa, o que não cria expertise institucional e nem garante a conservação das coleções. A instituição perde aceleradamente sua capacidade de articular projetos de longo prazo e sua competitividade no cenário científico. Perde acesso a fontes de financiamento e perde oportunidades em projetos multi-institucionais. Perde as condições de manter seus cursos de pós-graduação, que padecem com a falta de professores. Há reflexo, inclusive, na produção científica: a publicação de artigos e livros está negativa desde 2014, o que significa que, ano após ano, vem diminuindo pari passu ao esvaziamento do quadro de pessoal. Em 2015, foram 370 trabalhos; em 2021, 226. Em 2014, eram realizados 200 projetos de pesquisa; em 2021, apenas 114, pouco mais da metade.

Outro indicador corrobora a gravidade do problema: em 2022, a produção científica dos bolsistas representou quase a metade da produção científica total, ou seja, os bolsistas publicaram a mesma quantidade de trabalhos que os pesquisadores permanentes. Isso significa que o conhecimento gerado hoje no Museu Goeldi não está sendo institucionalizado, isto é, não reverte em benefício do desenvolvimento e da qualificação da instituição, de suas coleções e cursos de pós-graduação. Essa é uma forma perversa (e imperceptível para muitos) de aniquilar mais de 150 anos de acúmulo de coleções e conhecimentos associados – para o qual é vital o contato entre gerações de pesquisadores e sua fixação na instituição. Em breve, muito breve, o Museu Goeldi será apenas um laboratório vazio disponível para que pessoas de fora façam suas investigações e depois se retirem. Esse é o projeto.

A consequência desse projeto para as coleções é nefasta. Qualquer servidor do Museu Goeldi sabe o quanto a instituição perdeu nos momentos de incúria e de crise, apontados acima. Existem inúmeros registros de artefatos, espécimes e amostras que desapareceram ou apodreceram, literalmente, porque não havia quem cuidasse deles nem quem os estudasse. Naqueles momentos de dificuldade, os laboratórios e as reservas técnicas se transformaram em depósitos de material e equipamentos deteriorados. Na história centenária da instituição, muito já foi para o lixo.

Estamos no risco iminente de isso voltar a acontecer. Em fevereiro de 2023, existem três coleções sem curadores. Repito: já são três as coleções do Museu Goeldi sem curadores, sendo que em duas delas não há um único pesquisador em atividade. Apenas bolsistas, estudantes e eventuais colaboradores, que não podem se responsabilizar nem ser responsabilizados por tarefas institucionais. Digo mais: há, pelo menos, sete laboratórios fechados – e um deles era, há 30 anos, o mais produtivo da instituição. Há, também, várias linhas de pesquisa abandonadas, em todas as quatro coordenações de pesquisa (Ciências Humanas, Ecologia e Ciências da Terra, Zoologia e Botânica), simplesmente porque não há mais gente que desenvolva atividades nessas linhas.

Esse cenário é muito próximo do Museu Goeldi que existia na década de 1950. Na verdade, a instituição retrocedeu 70 anos, voltando para o buraco de onde gente valorosa a retirou, como José Cândido de Melo Carvalho, Cândido Simões Ferreira, Eduardo Galvão, Walter Egler, Osvaldo Cunha, Fernando Novaes e Mário Simões. Após a federalização, ocorrida a partir de 1955, esses e muitos outros pesquisadores e pesquisadoras fizeram um esforço notável para recuperar e ampliar o acervo e a infraestrutura de pesquisa do Museu Goeldi. Esse processo durou quase 30 anos, mais precisamente até 1983, quando a instituição ganhou autonomia administrativa e se consolidou.

O problema é que o museu de 2023 não é mais o de 1955. Hoje, falamos de uma instituição que cresceu em tamanho e complexidade. E muito: atualmente, o Museu Goeldi salvaguarda quatro milhões de itens tombados, organizados em dois grandes grupos: os espécimes da biodiversidade regional e os artefatos e registros que documentam a diversidade cultural da região amazônica. O primeiro grupo é formado por 11 coleções biológicas, incluindo a paleontológica, e 49 subcoleções. Entre elas, estão a coleção ornitológica (aves), considerada a mais relevante do Brasil pela quantidade e qualidade de dados que reúne, e a coleção herpetológica (répteis e anfíbios), a mais representativa do país para a Amazônia. Quanto ao segundo grupo, é formado por cinco coleções e 12 subcoleções, em diversos materiais e suportes. Isso inclui objetos fabricados por populações amazônicas no passado e no presente, além de documentos bibliográficos, arquivísticos, audiovisuais e digitais. Entre elas, estão coleções-tipo de cerâmicas arqueológicas, conjuntos de artefatos indígenas a africanos reunidos no século XIX, fundos documentais e exemplares bibliográficos que remontam ao século XVI.

No conjunto, essas coleções são fontes inesgotáveis para pesquisas em muitas áreas de conhecimento e dão suporte à formação de recursos humanos de graduação e pós-graduação. Os dados que produzem auxiliam na gestão ambiental e territorial do país e podem ter uso econômico e social. A cultura material que preservam constitui um patrimônio singular da Ciência Brasileira e dos muitos povos ali representados. Para dar alguns exemplos do esforço institucional para preservar, ampliar e divulgar esse acervo, basta lembrar que já estão disponíveis na internet mais de 800 mil registros biológicos para a consulta. O Museu Goeldi é a segunda instituição com mais registros no Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr), plataforma online que integra dados e informações sobre a biodiversidade e os ecossistemas do país, coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com suporte técnico da ONU Meio Ambiente (UNEP) e apoio financeiro do Fundo Global para o Meio Ambiente.

Outro exemplo do valor dessas coleções é bastante contundente: dado o acelerado processo de destruição da Amazônia, os pesquisadores do Museu Goeldi entraram em consenso e passaram a priorizar, desde o ano 2000, o inventário da fauna e flora da região. As áreas prioritárias para a conservação e a coleta biológica foram definidas, dando um norte para a pesquisa biológica desenvolvida na instituição. O resultado disso é que, em 21 anos (2000-2021), 710 novas espécies de plantas, animais e fósseis foram descritas – número que talvez nenhuma outra instituição brasileira tenha alcançado no mesmo período. Isso é mais extraordinário se lembrarmos que dessa lista fazem parte tanto os grupos taxonômicos bem conhecidos, como o dos primatas e o das aves, quanto aqueles sobre os quais pouco ou quase nada se conhece, como alguns invertebrados. Hoje, a instituição salvaguarda cerca de 5.000 tipos nomenclaturais, isto é, aquelas amostras de animais, plantas e fósseis vinculadas ao nome da espécie, que permitiram que a espécie fosse batizada.

Na outra ponta desse mesmo contexto, as coleções biológicas do Museu Goeldi, originadas desde o século XIX, permitiram a elaboração da primeira lista de espécies ameaçadas da Amazônia, no caso, de plantas e animais que ocorrem no Pará. A lista foi lançada em 2006 em parceria com o governo do Pará e a Conservação Internacional do Brasil. Na época, era composta por 53 plantas, 37 invertebrados, 29 peixes, 13 répteis, 31 aves, 15 mamíferos e três anfíbios, somando 181 espécies. Desse total, 13 foram consideradas como criticamente em perigo. Agora, em 2023, o governador Helder Barbalho prometeu atualizar a lista, o que exigirá um novo levantamento nos bancos de dados do Museu Goeldi, pois, de 2006 para cá, muito conhecimento foi ali incorporado e muita destruição ocorreu no estado. Talvez tenhamos, em breve, o primeiro registro de uma espécie extinta na Amazônia.

No campo das Humanidades, a responsabilidade que pesa sobre a instituição não é menor: as coleções etnográficas e arqueológicas são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; e documentos arquivísticos fazem parte do Programa Memória do Mundo, chancelado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O Laboratório de Linguística Indígena é considerado um dos principais centros de documentação linguística do país, com imenso acervo digital relacionado a 80 línguas diferentes. São entrevistas, relatos de mitos, registros de cantos, danças, rituais e outras manifestações culturais que permitem acessar o universo linguístico dos povos originários da Amazônia. Muitos desses povos participam ativamente da conservação e da gestão de todas essas coleções, razão pela qual o Museu Goeldi também tem responsabilidades perante suas lideranças.

Perceba, caro/a leitor/a, o tamanho do problema. O atual esvaziamento da instituição, projeto em curso desde 2012, ameaça décadas de trabalho, ou melhor, o trabalho de gerações de pessoas que se comprometeram com a conservação da Amazônia e com o bem-estar de suas populações. Creio que agora você tenha a dimensão da tragédia que ocorre nos corredores vazios do Museu Goeldi: o mofo e as traças, na ausência de gente, fazem o serviço que os últimos governos pretenderam, sem alarde, sem polêmica. O pior é que, para além do bem material que se perde, o conhecimento que se desperdiça em um museu de história natural quando os vínculos geracionais são quebrados ou fragmentados é irrecuperável. No Museu Goeldi, isso não acontecia desde a década de 1950. Está acontecendo hoje e continuará a acontecer caso esse processo não seja revertido imediatamente.

Saiba o/a leitor/a que há 127 vagas não preenchidas no Museu Goeldi. Essas vagas existem no sistema de gestão de pessoal do governo federal, mas o preenchimento depende da autorização de alguém lá em Brasília que pouco se importa com tudo o que relatei. O Museu Goeldi precisa de um concurso público ainda neste ano, não para prover três ou quatro vagas, mas todas as 127 disponíveis. Caso contrário, teremos em breve uma instituição habitada apenas por 260 bolsistas, estudantes e voluntários e por 133 terceirizados. Não faço aqui um libelo contra essas pessoas. Muito pelo contrário: quero ver todos e todas terem a oportunidade de serem contratados como servidores da instituição, o que lhes garantiria estabilidade pessoal e melhores condições de trabalho.

Apesar do pequeno número de pesquisadores, o Museu Goeldi conseguiu melhorar sua infraestrutura nos últimos anos. Contudo, um museu de história natural não é feito apenas de cabos de fibra ótica, armários deslizantes, bons sistemas de climatização e combate a incêndio, microscópios e computadores potentes, scanners e impressoras 3D, tomógrafos e sequenciadores de DNA. Isso tudo é de pouca serventia se não houver gente, gente e mais gente: pesquisadores, cientistas de dados, tecnólogos, museólogos, conservadores, educadores, jornalistas, arquivistas, bibliotecários, engenheiros e administradores. Em todas as suas atividades, um museu depende de grupos coesos e estáveis para que processos e ciclos de produção de conhecimento não sejam interrompidos. É imprescindível que novas gerações convivam com gerações mais velhas para que sejam treinadas, para que absorvam práticas nem sempre documentadas, para que incorporem nessas práticas usuais as novas técnicas, as demandas e os problemas da contemporaneidade, gerando um ciclo virtuoso de renovação e atualização que mantém o museu vivo, produtivo e útil. No Museu Goeldi, isso ocorria com relativa estabilidade desde a década de 1950 – e é isso que está ruindo feito um castelo de cartas.

Pode-se argumentar que esse desmonte teve início antes de 2012, pois os concursos públicos realizados até então nunca supriram as necessidades da instituição. Pode-se argumentar, ainda, que os institutos do MCTI localizados na Amazônia, incluindo o Museu Goeldi, nunca foram priorizados por governo algum, assim como nunca houve empenho do governo federal para implementar, de fato, uma política de ciência e tecnologia para a região. Eu concordo com os argumentos. Basta lembrar que, entre 2003 e 2015, as universidades federais dobraram de tamanho e que o mesmo não aconteceu com os institutos do MCTI. Reitero, contudo, que, até 2012, havia algum espaço para o debate, a negociação de apoio e a articulação de medidas que impactaram positivamente não apenas o Museu Goeldi, mas todos os institutos do ministério, mesmo que essas medidas tenham sido pontuais.

Os últimos dez anos, pelo contrário, mostraram-se dramáticos porque as portas se fecharam – justamente no momento em que os esforços necessários para a manutenção do bioma Amazônia se tornaram prementes, assim como a busca de soluções que promovam uma economia com bases mais sustentáveis para mitigar os efeitos das mudanças antrópicas e do clima. O Museu Goeldi ainda está alheio a esses assuntos e, também, pode desperdiçar oportunidades que estão surgindo com o desenvolvimento da bioeconomia e biotecnologia, caso não consiga renovar e expandir o seu quadro de pessoal. Se a atual tendência permanecer, sem um choque que desvie abruptamente a curva descendente, não serão necessários mais dez anos para que a porta seja trancada definitivamente.

(*) Nelson Sanjad, historiador, Tecnologista Sênior do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCTI

*O artigo expressa exclusivamente a opinião do autor.

Rock na madrugada – Pearl Jam, “Can’t Help Falling in Love”

Cover perfeito e pesadíssimo do Pearl Jam para este clássico imortal de Elvis Presley. Eddie Vedder & cia., ainda em começo de carreira, fizeram com “Can’t Help…” (Não posso deixar de me apaixonar) o que os Ramones já haviam feito com canções icônicas de outros artistas, adicionando um andamento inteiramente roqueiro. Abaixo, Vedder em versão solo da mesma música.

Vinícius volta a ser hostilizado na Espanha: foi xingado até durante minuto de silêncio em Osasuna

A escalada de ataques ao brasileiro Vinícius Jr. parece não ter fim. Ele foi alvo de hostilidades durante a vitória do Real Madrid contra o Osasuna por 2 a 0, neste sábado, pela 22ª rodada do Campeonato Espanhol. De acordo com o goleiro Courtois em entrevista à “DAZN”, o brasileiro foi alvo de um canto ofensivo que dizia “morra, Vinicius”, além de ter sido xingado por torcedores durante o minuto de silêncio antes do jogo no estádio El Sadar.

“Ele [Vini Jr] foi chamado de ‘filho da p…’ no minuto de silêncio e também cantaram ‘morra, Vinicius’. Ver pais com seus filhos fazendo isso é lamentável. É hora de parar de olhar ao Vini e olhar para as pessoas. O ambiente destes campos pode ser legal para jogar, mas sem estas bobagens”, disse o goleiro belga.

O ex-Flamengo, além de dar a assistência para o primeiro gol, balançou as redes duas vezes, mas teve os dois tentos anulados. Ancelotti classificou o desempenho como “extraordinário”.

Depois do jogo vencido pelo Real Madrid, Vini Jr publicou um tweet em espalhol sobre as ofensas: “Os insultos continuam, mas o baile também. Nos vemos em Liverpool”, em referência ao jogo do Real Madrid nas oitavas de final da Liga dos Campeões na próxima terça-feira (21). Durante o minuto de silêncio, uma voz gritou “Vinicius filho da p…” e foi ouvida em todo o estádio.

O técnico Carlo Ancelotti criticou o agressor: “Temos que esquecer o que aconteceu no minuto de silêncio, mas me pareceu uma falta de respeito com Turquia e Síria”. A homenagem foi para os mais de 40 mil mortos no terremoto ocorrido nos dois países há duas semanas.

Diversos torcedores ignoraram o ato e utilizaram a ocasião para atacar Vinicius Junior. Durante a partida o brasileiro foi vaiado todas as vezes que encostava na bola. “Além do minuto de silêncio e esquecendo essa falta de respeito a Vini Jr., à Turquia e à Síria, o resto do jogo foi normal. O Osasuna fez um jogo correto, com luta e dividido”, comentou Ancelotti.

(Com informações do UOL e Marca)