A banalidade do mal em Damares e nos terroristas

Por Fernando Castilho

Quando Adolf Eichmann, oficial nazista responsável pelo envio de cerca de 6 milhões de judeus para o extermínio em campos de concentração no que se chamou de “solução final”, foi julgado em Jerusalém em 1961, o mundo se surpreendeu com sua frieza ao afirmar que não sentia que tivesse feito algo errado porque era apenas um soldado burocrata encarregado de cumprir ordens.

A filósofa alemã e judia, Hanna Arendt, chegou a entrevistar Eichmann na prisão e dessa entrevista extraiu elementos para seu livro, Eichmann em Jerusalém – Um Relato sobre a Banalidade do Mal.

Na obra, Arendt defende que Eichmann se tornara um homem desprovido da moral, da ética e do senso crítico, cuja objetivo de vida era tão somente executar as ordens de Hitler sem refletir sobre elas ou fazer qualquer julgamento.

Gostaria, a partir daqui, de tentar traçar um paralelo, que pode parecer a alguns um tanto forçado entre Eichmann e Damares Alves, já que a comparação entre Adolph Hitler e Jair

Bolsonaro parece, nestes últimos tempos em que foi revelado um verdadeiro plano de extermínio da etnia yanomami, parece por demais, óbvia.

Assim como Hitler, como já escrevi anteriormente, Bolsonaro defendia, desde os tempos de deputado, que o Brasil deveria fazer com nossos indígenas aquilo que a cavalaria norte-americana fez com sucesso, ou seja, exterminá-los.

Portanto, o plano não se restringia somente aos yanomamis, mas a todas as outras etnias e só não obteve sucesso pleno porque ele não se reelegeu e porque Lula chegou a tempo a Roraima para impedir a continuidade do genocídio.

Mas se Eichmann não sentia o mínimo remorso por seus atos, o que dizer da ex-ministra incumbida de preservar as terras Yanomamis, Damares Alves?

Damares é o que se pode chamar de evangélica fundamentalista. Acredita piamente que os indígenas vivem em pecado por não reconhecerem Cristo e por viverem nus, o que é, na sua visão, uma agressão à moral e aos bons costumes. É preciso lembrar que essa visão da ex-ministra, constantemente exposta à opinião pública, tem revelado uma obsessão com relação ao sexo, frequentemente encarado como algo extremo, por exemplo, quando afirmou que crianças teriam seus dentes arrancados para facilitar o sexo oral na Ilha de Marajó, algo jamais confirmado.

Além disso, acredita que as crianças indígenas, por viverem na floresta, isolados, dormindo em redes, caçando e pescando e expostos a doenças e perigos, deveriam ser transferidas para as cidades e adotadas preferencialmente por casais evangélicos que as salvariam. Ela própria, segundo noticiários, sequestrou no passado uma criança indígena e a levou para viver com ela na paz de Cristo. A menina, hoje uma moça, foi doutrinada e nega qualquer maldade cometida com ela.

Damares Alves se empenhou, durante sua estada no governo, em facilitar a entrada de pastores evangélicos nas aldeias indígenas para catequização. A ONG Missão Caiuá, entidade missionária evangelizadora pertencente à Igreja Presbiteriana, que recebeu pelo menos R$ 2,98 bilhões em pagamentos e R$ 3,05 bilhões em contratos celebrados com o poder público desde o ano de 2014, é uma dessas entidades que utilizava até aviões do garimpo para se deslocar às aldeias. O que esperar de uma entidade como essa?

Quando era ministra dos Direitos Humanos, para tornar a permanência das crianças indígenas cada vez mais insuportável, forçando-as a deixar suas terras em direção à civilização, a atual senadora pediu a Jair Bolsonaro que vetasse a entrega de leitos de UTI e de água potável a indígenas em plena pandemia. Era aceitar Jesus ou morrer. Em ambas a opções, sem crianças, os Yanomamis teriam sua sentença de morte assinada por não mais ser possível a continuidade da etnia.

Nesse sentido, é possível um paralelo entre Damares e Eichmann?

Enquanto Eichmann parecia um robô nas mãos de Hitler, Damares agia movida por seu fundamentalismo religioso, acreditando insanamente que estaria fazendo o bem.

Indiretamente cumpria os planos de Bolsonaro que queria, sem meias palavras, pura e simplesmente a extinção do povo Yanomami e de todos os demais indígenas, facilitando a ocupação de suas terras pelas empresas mineradoras.

A banalidade do mal está presente em ambos os casos e isso não significa que a punição deva ser branda. No caso de Eichmann, seus crimes foram punidos com a forca. No caso de Damares, esperamos investigação, julgamento e condenação à altura, de acordo com o Estado de Direito, embora talvez nunca vejamos, como em Eichmann, a admissibilidade dos males que cometeu.

Ainda há que se considerar o que Hanna Arendt escreveu em sua obra: “A execução de ordens é a mera obediência cega, independentemente se o partido pede para organizar distribuição de alimentos ou o extermínio de um grupo étnico”.

Fica claro, por essas palavras, que muitos dos que contribuíram para a tragédia dos Yanomami tornaram o mal apenas uma banalidade. E vejam que bolsonaristas se manifestaram nas redes sociais ridicularizando a FAB por ter enviado alimentos para os indígenas ou afirmando que são venezuelanos fugindo da ditadura de Maduro.

“O cidadão massificado executa as ordens, não por ódio, por haver um mal em seu coração ou por premeditar atrocidades, mas o mal que faz é fruto da não consciência de seus atos”.

Essa frase remete imediatamente aos atentados terroristas de 8 de janeiro. Observem que logo após serem presos, os terroristas reclamaram da falta de wi-fi, ar-condicionado e comida de qualidade, como que alheios à sua nova condição de criminosos detidos. Executaram ordens subliminares de seu capitão sem a correspondente noção do crime que cometeram. É por isso que muitos não esconderam o rosto e ainda gravaram selfies, como se não esperassem responsabilização.

Para esses indivíduos, o mal foi banalizado a ponto de se confundir com o bem. Eles acreditavam realmente que estavam libertando o Brasil de uma ameaça comunista que não existe.

Será preciso um esforço dos Ministérios da Comunicação e da Educação rumo a uma desbolsonarização do país para que a noção de bem ou mal seja novamente aferida com precisão na balança de nossos atos éticos e morais.

Enquanto isso não acontece, Lula segue apagando os focos de incêndio que Bolsonaro deixou, este sim, o mal sem nenhuma banalidade.

COB abre processo e Cruzeiro afasta Wallace após enquete sobre dar tiros no presidente Lula

O jogador, que se aposentou da seleção, disputado em setembro na Polônia, nunca escondeu ser apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro

Por meio de nota oficial em seu site, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) anunciou na tarde desta terça-feira (31) que encaminhou uma representação ao Conselho de Ética da entidade após o post de Wallace sobre dar tiros no presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por meio do Compliance Officer, a representação foi encaminhada ao órgão, que, segundo a entidade, é independente, dará o devido andamento às etapas do processo.

O Comitê classifica como inaceitável a postagem feita pelo jogador, que representou a seleção brasileira de vôlei em três Jogos Olímpicos e, em 2022, foi medalha de bronze no Campeonato Mundial da modalidade.

O Sada Cruzeiro, maior campeão da Superliga Masculina de Vôlei, anunciou há pouco o afastamento do jogador Wallace, que ontem (30) à noite incitou violência contra o presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) em postagem no Instagram. O anúncio do afastamento “por tempo indeterminado” veio menos de seis horas depois de o mesmo clube soltar nota somente repudiando a postagem do jogador. A postura inicial foi muito criticada nas redes sociais.

Campeão olímpico pela seleção brasileira masculina de vôlei em 2016 e atualmente defendendo o Cruzeiro na Liga Nacional, Wallace é acusado de usar as redes sociais para disseminar a violência contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Uma enquete nos stories do Instagram do atacante perguntando se “alguém daria um tiro de 12 na cara do Lula” foi publicada e apagada logo em seguida, após vários internautas reclamarem da conduta do atleta.

A postagem viralizou e internautas pediram que a ministra do Esporte, Ana Moser, e a Confederação Brasileira de Vôlei se posicionem e estudassem uma punição para Wallace. O jogador, que se aposentou da seleção brasileira no último Mundial, disputado em setembro na Polônia, nunca escondeu ser apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Após a repercussão do caso, Wallace publicou um vídeo pedindo desculpas, o que parece não ser o suficiente para a entidade. “Quem me conhece sabe que eu jamais incitaria violência em hipótese alguma, principalmente ao nosso Presidente. Então, venho aqui pedir desculpas, foi um post infeliz que eu acabei fazendo. Errei”, disse Wallace, em vídeo postado nas redes sociais.

Mais cedo, o ministro da Secretaria da Comunicação do Governo Federal, Paulo Pimenta, anunciou que acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) após a publicação da enquete de Wallace sobre tiros em Lula. Em publicação nas redes sociais, o ministro afirmou que vai tomar as “providências necessárias” após o jogador do Cruzeiro realizar enquete sobre um ataque ao Presidente. “Já acionei a AGU e vamos tomar todas as providências necessárias. Não vamos tolerar ameaças feitas por extremistas e golpistas!”, escreveu.

Quem também se pronunciou foi a ministra do Esporte, Ana Moser. “Antes de atleta, o jogador Wallace é um cidadão brasileiro e deve responder às nossas leis e instituições”, afirmou, compartilhando o comentário do ministro Paulo Pimenta.

STJD autoriza início do Parazão e determina intervenção no TJD-PA

Depois de longa espera, o Parazão 2023 finalmente vai começar neste final de semana. Em reunião realizada nesta terça-feira (31), no Rio de Janeiro, o pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) cassou parcialmente a medida liminar que suspendeu o início do campeonato, previsto para 20 de janeiro. A novidade é que a competição será iniciada, mas, por enquanto, sem os jogos que envolvem o Bragantino. Durante o julgamento do caso, o tribunal decidiu também pela intervenção no Tribunal de Justiça Desportiva (TJD).

A tabela da primeira rodada aponta como jogo de abertura Remo, atual campeão estadual, contra o Independente, no estádio Evandro Almeida. Já o Paysandu, que enfrentaria o Bragantino, na Curuzu, terá sua estreia adiada. A FPF deve divulgar ainda hoje a tabela atualizada, com datas e horários.

No julgamento, os sete magistrados que integram o pleno do STJD acompanharam, em parte, o voto do relator do processo, Jorge Ivo Amaral. Para ele, a responsabilidade pelo imbróglio é o Tribunal de Justiça Desportiva do Pará (TJD), que deixou de publicar o resultado do julgamento do caso Paragominas antes do recesso de fim de ano. 

“Espero que esse processo do Pará seja exemplo do que não fazer com a Justiça Desportiva. Na ocasião, o TJD-PA alegou que não havia sido notificado oficialmente do caso, mesmo que a decisão do STJD tenha sido amplamente divulgada pela imprensa paraense”, disse Jorge Ivo. 

Em voto dos relatores, o pedido de intervenção foi aprovado por unanimidade. Com a decisão do STJD, o presidente do TJD, Jeff Launder, diz que aguarda a comunicação oficial para adotar as providências cabíveis.

Admitiu, porém, que a suspensão do campeonato traria prejuízos aos times, aos atletas e demais envolvidos, além de afetar o calendário do futebol brasileiro. Recomendou que os demais magistrados aprovassem o início do Parazão, mas sem a presença do Bragantino, clube que ainda poderá ser punido ao final do processo por ter escalado um jogador (Hatos) em situação irregular no campeonato de 2022.  

“O Águia tinha ao final do torneio 19 pontos. Caso o atleta Gustavo (Guga) seja punido, o clube perderá apenas três pontos, não tendo prejuízos na tabela e mantendo suas vagas em competições nacionais. Já o Bragantino, que teve 11 pontos, perderia 12 caso o atleta Hatos seja punido, ficando com menos um ponto na tabela e sendo rebaixado. Dessa forma, entendo que o torneio deva ser realizado, mas mantendo suspenso os jogos do Bragantino até o julgamento do caso Paragominas”, concluiu o relator. 

O parecer de Jorge Ivo foi seguido por três juízes: Maurício Fonseca, Luiz Felipe e Paulo Sérgio. Por outro lado, os juízes José Perdiz, Mauro Marcelo e Sérgio Martinez votaram para o início do campeonato, com o Bragantino, mas a votação final (4 a 3) manteve a posição do relator.

Uma ode às livrarias

Cada vez mais escassas, Cléo Busatto transporta jovens aos corredores e mistérios presentes em “A última livraria da minha rua”

literatura é como um mosaico: os livros, as bibliotecas, os leitores e as livrarias. Apesar desta última estar cada dia mais rara, o saudosismo levou a escritora Cléo Busatto a resgatar a essência de percorrer os corredores e prateleiras e transportasse os jovens para A última livraria da minha rua, pulicada pela CLB Produções.

Em uma viagem nostálgica, Cléo apresenta Benjamim, um jovem de 23 anos. Ele relembra a época em que tinha dez e acompanhava a mãe no trabalho. Foi na Ghiane, última livraria da Avenida Araújo, em numa manhã de sábado, durante uma contação de história que Benjamin encontra a aflita Tati. Apavorada, ela entrega um bilhete ao garoto contendo um pedido de ajuda.

Eles se embrenham por passagens desconhecidas, portas secretas, labirintos e escadas que dão em nada. Enquanto buscam a saída, desvendam o próprio passado, sentimentos e provocações da vida em meio às experiências literárias exploradas nas prateleiras desse lugar misterioso. Tudo isso os une em um laço de amizade e auxilia os personagens – o que transfere aos jovens leitores – a transição entre infância e a adolescência marcada pelas transformações socioemocionais.

Ao mesmo tempo que explora recursos estilísticos, a autora finalista do Prêmio Jabuti de 2016 com A fofa do terceiro andar (Galera Record, 2015) promove uma declaração de amor à literatura e à contação de histórias. Há mais de 20 anos atuando como artista da palavra, Cléo mostra este universo ao trazer para a narrativa várias contadoras que se apresentam na livraria e são inspiradas na própria vivência.

De todas elas, uma é especial. Órfã de mãe, Tati encontra acolhimento para a saudade materna nas histórias ditas pela avó Geni:

Vovó, hoje estou com vontade de ouvir a senhora contar histórias. O rosto da mamãe está se apagando da minha cabeça. Só consigo lembrar da voz dela, cantando e contando para eu dormir. Lê para mim, vovó? Lê para que eu possa me lembrar da minha mãe. (…) Tati descobriu que a avó não sabia ler. A mulher fazia de conta que lia, enquanto despertava na memória as histórias que trazia no coração e que ela mesma tinha ouvido quando era menina. (A última livraria da minha rua, p. 58)

Rock na madrugada – Bob Dylan & The Band, “Forever Young”

Com acompanhamento luxuoso de The Band, grande performance de Dylan fechando o show de despedida do grupo canadense, gravado no Winterland Balroom, em San Francisco (California), em 1976. O concerto, realizado em duas noites, reuniu grandes nomes da música e virou o documentário “The Last Waltz”, dirigido por Martin Scorsese – seguramente um dos maiores shows ao vivo da história do rock.

The Band foi criado em 1967 e durou até 1999, em seu último retorno à estrada. A formação original, reunida no concerto de 1976, tinha Robbie Robertson (guitarra/voz), Richard Manuel (teclado), Garth Hudson (guitarra), Rick Danko (baixo) e Levon Helm (bateria), o único norte-americano do grupo.