Portel vira sede de um projeto privado que fatura alto usando terras públicas

Portel é um pequeno município localizado na Floresta Amazônica como tantos outros. Possui pouco mais de 60 mil habitantes e fica no Norte do Pará. Portel, provavelmente, é uma cidadezinha sobre a qual você nunca ouviu falar. E é aí que mora o perigo! Ao contrário de mim e de você, o empresário Michael Edward Greene conheceu Portel há alguns anos e viu ali uma tremenda oportunidade de negócio. Greene simplesmente adquiriu terras que equivalem a 28% do município e passou a explorá-las comercialmente por meio de projetos de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas, conhecidos como REDD. 

Na teoria, os projetos de Greene servem para o monitoramento e manejo das florestas por meio de práticas agroecológicas e utilizando a mão de obra de ribeirinhos. O objetivo é gerar crédito de carbono vendidos por valores altíssimos para gigantes de diversos setores do mercado internacional, como Boeing, Air France, Amazon, Samsung, Toshiba e até o clube de futebol Liverpool, da Inglaterra.

Mas, na prática, a coisa é bem diferente. Primeiro que quase 30% das terras do empresário estão sobrepostos em terras públicas. Ou seja: é área pública de floresta gerando lucro privado. Segundo porque há suspeita de que Greene adquiriu parte das terras de outro empresário apontado como grileiro pela justiça do Pará. E por último, tudo indica que ele vem enganando os ribeirinhos da região, que deveriam ser os verdadeiros beneficiários da iniciativa. 

Essa investigação é um exemplo dos incontáveis problemas que existem nesse novo mundo bilionário chamado “ESG”, que o mercado financeiro (e todos os grandes jornais do Brasil) vendem como uma “solução verde”, uma justificativa para que não precisemos regular o capitalismo – “ele se autorregula”. 

Não dá para saber exatamente quanto Greene já lucrou com a empreitada, mas dá para saber que os lucros de projetos similares são da casa dos milhões de dólares. O problema é que no caminho desse esperto empresário americano tinha um jornalista. 

O repórter Felipe Sabrina foi atrás dessa história e de Greene. Obteve poucas respostas do empresário, mas publicou uma matéria extensa no Intercept em novembro do ano passado. Não deu outra, a sistematização do esquema feito a partir da investigação dele fez com que o Núcleo Agrário e Fundiário (NAF) do Ministério Público do Estado do Pará começasse a atuar. Na quarta da semana passada, dia 25, aconteceu a primeira audiência pública sobre o caso em Portel. Finalmente, os ribeirinhos foram ouvidos.

A história de Portel não é um caso isolado. A Amazônia tornou-se um celeiro de negócios criminosos e esquemas que resultam em intenso perigo de vida para ribeirinhos, indígenas e quilombolas. Portel, sem nenhuma dúvida, é um caso em centenas que precisam ser investigados e interrompidos o quanto antes.  

Essa não é uma novidade para o Intercept. Vou te dar um dado que expressa bem nosso investimento na cobertura sobre a Amazônia. De novembro para cá, ou seja, em três meses, publicamos nove reportagens com investigações realizadas na região. Além dessa do Felipe Sabrina, outras três matérias compõem a série “Ladrões da Floresta”, que trata de grilagem e madeireiras. Outras cinco reportagens são parte da série que chamamos de “Amazônia sitiada” e mostram as consequências da flexibilização do acesso a armas de fogo, aprofundando a ameaça contra os povos da região. 

Esta mensagem começou a ser redigida com a intenção de compartilhar com você o impacto da incrível investigação do Felipe Sabrina. Portel não é só mais uma cidadezinha brasileira pouco conhecida. É preciso dedicar atenção a absolutamente tudo que acontece na Floresta, em cada pedacinho de terra. Esse é o papel do jornalismo nesse momento. 

Ao longo do texto, fui achando que não dava para deixar de explicar que nossa atuação não se resume a uma reportagem ou a uma investigação. Temos feito um tremendo esforço para realizar um trabalho jornalístico de qualidade, impacto e sistemático na Amazônia. O que acontece na região é grave e é articulado.

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