Gabinete do Ódio bolsonarista funcionava dentro de “aquário” no Planalto

O Gabinete do Ódio, grupo que, sob as ordens de Jair Bolsonaro, atuaria de forma coordenada para espalhar fake news e discurso agressivo contra adversários de seu antigo governo, através do disparo em massa de mensagens, utilização de robôs e perfis falsos, tinha uma estrutura montada dentro do Palácio do Planalto. Ou melhor, tem. 

Ao menos é o que a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva constatou ao ocupar a sede do governo. Trata-se de uma sala “aquário” no subsolo do Palácio do Planalto, segundo a revista Fórum apurou e que contaria com tecnologia de ponta – além de alguns detalhes que podem ser considerados “macabros”. 

As informações foram divulgadas nesta quinta-feira (26) pelo advogado especialista em direito público Tauat Resende, e confirmadas à Fórum por um membro do primeiro escalão do governo Lula. “A sala usada pelo Gabinete do Ódio era um aquário. Lá, todos os computadores eram MacBooks. E o acesso era por uma porta que abria com um crachá especial. Para sair, apenas um botão de dentro pra destravar a porta”, relatou Tauat. 

Segundo o advogado, alguns dos membros do Gabinete do Ódio continuaram indo “trabalhar” normalmente após a vitória eleitoral de Lula, o que acendeu um alerta sobre a presença remanescente de bolsonaristas e militares dentro do novo governo. Não à toa, nos últimos dias, o presidente exonerou uma série de militares levados pelo general Augusto Heleno ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e parte deles poderiam ter ligações com o grupo montado para disseminar discurso de ódio e fake news. https://d-36189825043695649159.ampproject.net/2301112346000/frame.html

Tauat Resende informou, ainda, que a equipe de Bolsonaro não deu as senhas da sala em questão para o novo governo, e que apenas duas semanas após a posse de Lula que a administração atual conseguiu acesso ao local. À Fórum, esta fonte palaciana endossou todos os detalhes fornecidos pelo advogado e, em breve, deve disponibilizar imagens da “central” em que as campanhas virulentas e de mentiras operadas por bolsonaristas eram disseminadas. 

Um dos principais membros do Gabinete do Ódio seria Tercio Arnaud Tomaz, ex-assessor especial de Jair Bolsonaro e que chegou a ser investigado pela CPI da Covid por divulgação de fake news. O vereador Carlos Bolsonaro, por sua vez, é apontado como o grande mentor do núcleo. A existência deste grupo, inclusive, é alvo de apuração no inquérito 4874, o das milícias digitais, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). 

No dia 15 de janeiro, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, tratou sobre a existência do Gabinete do Ódio ao anunciar a criação da “Rede da Defesa da Verdade”, um mecanismo a ser instalado no bojo de sua pasta para contrapor a estrutura de mentiras que havia sido criada pelo governo Bolsonaro e que, segundo ele, segue em operação. 

Pimenta destacou que o governo anterior teria empenhado recursos públicos para manter o Gabinete do Ódio. “Bolsonaro gastou 300 bilhões de reais do povo brasileiro para tentar se manter no poder. Fora a quantia de recursos não contabilizada oficialmente, de setores que tinham interesse em sua vitória, e despejaram rios de dinheiro para promover o medo o ódio e as Fake News”, escreveu. 

“Uma poderosa máquina de comunicação com recursos públicos e privados, legais e ilegais, esteve no centro da estratégia de poder de Bolsonaro. Grande parte desta estrutura segue atuando e foi por onde os atos criminosos foram organizados. O ‘gabinete do ódio’ não se desfez”, prosseguiu. 

Vinícius Jr. sofre novo ataque

POR GERSON NOGUEIRA

Um boneco com a camisa de Vinícius Júnior foi colocado em uma ponte, nas proximidades do centro de treinamentos do Real Madrid, representando um enforcamento. Logo acima, a faixa com a frase “Madrid odia al Real”, lema da Frente Atlético, grupos de ultras do Atlético de Madrid, considerados dos mais violentos do futebol europeu. 

A ameaça clara ao atacante brasileiro vem se juntar a um histórico de sucessivas manifestações racistas, desde que Vinícius iniciou carreira no Real Madrid. Piorou muito à medida que ele começou a se destacar pelo futebol de qualidade, cheio de dribles e gols.

O boneco enforcado constitui gravíssimo caso de intimidação a um atleta na Espanha. Não se tem notícia de casos semelhantes na era moderna. Vinícius tem sido vítima constante de ataques, zombarias, preconceito disfarçado de crítica ao seu jeito de jogar e até à forma de comemorar gols.

Um programa de TV emitiu comentários xenófobos contra ele, reclamando da dança que Vinícius faz após cada gol. Falaram que ele faz “macaquices” e desrespeita companheiros de profissão. Como desperta a ira de jornalistas, é lógico supor o efeito que tem sobre integrantes de torcidas organizadas, normalmente dispostos a brigar e machucar pessoas sempre que se sentem provocados. Engraçado é que muitos artilheiros inventam coreografias, mas a implicância é apenas com o brasileiro.

A questão é que Vinícius não provoca ninguém. Ele é um garoto talentoso que joga futebol com arte e sente alegria em comemorar os gols que marca. Nada mais normal e legítimo. Era só o que faltava, a essa altura do campeonato. Como impedir um atleta de vibrar e se manifestar livremente dentro do campo de jogo.

À época dos insultos na TV, houve tímida reação do Real Madrid e o técnico Carlo Ancelotti deu uma declaração dúbia e infeliz, avaliando que não existe racismo no futebol espanhol. Foi como passar pano para a onda de ataques e ações intimidatórias contra Vinícius Jr.

Além da investigação policial obrigatória para descobrir os responsáveis pela ameaça contida na imagem do boneco da ponte, La Liga, os demais clubes espanhóis e jogadores de todos os times têm o dever moral de se manifestar contra essa situação inaceitável.

Por ora, prevalece um tratamento que paira entre conivência e aceitação natural dos atos racistas. Negro, estrangeiro e bom de bola, Vinícius há muito tempo virou alvo preferencial dos zagueiros carniceiros no futebol espanhol. A cada rodada ele sofre faltas violentas, cotoveladas e até cusparadas sem que as arbitragens tomem atitudes enérgicas para coibir.

O pior é que, observando jogos do Real, fica visível uma certa indiferença dos demais jogadores com o drama vivido por Vinícius. Sempre que busca o drible, um recurso lícito no jogo, ele se arrisca a tomar pancadas e pontapés. Raramente um de seus marcadores recebe o amarelo e os companheiros não exercem a pressão necessária para que os árbitros apliquem a punição disciplinar.

Parece até reinar uma certa lei do silêncio, como se os demais evitassem tomar partido em relação à óbvia perseguição contra Vinícius.

Atacado a todo momento, dentro e fora dos gramados, o jogador parece vulnerável e desamparado pelas instituições. Apesar disso, não parou de jogar em alto nível, fazer gols e driblar quem aparece pela frente. Age profissionalmente, mas é tratado como lixo. Alguém precisa tomar providências, pois a situação já ultrapassou a fronteira do abuso.

Em campo, Vinícius continua a resolver as coisas da melhor forma, com categoria e gol. Ontem, no clássico contra o Atlético, deu uma resposta formidável: marcou o gol da vitória merengue – e dançou para comemorar. Um combo de equilíbrio e técnica, com finalização perfeita.

Para desespero dos trogloditas que destilam ódio e não conseguem apreciar as maravilhas que o craque produz em campo.

Relatório de transferências confirma Brasil exportador

Saiu ontem a edição 2022 do Global Transfer Report, que a Fifa divulga anualmente. Segundo os dados do documento, ocorreram 71.002 transferências internacionais de jogadores. Os custos atingiram níveis estratosféricos, com o futebol inglês encabeçando a lista de gastos, que superaram a cifra de 2 milhões de dólares.

Ao mesmo tempo, os clubes franceses lideram a lista de federações internacionais com maior índice de venda de ingressos, arrecadando 740,3 milhões de dólares. Efeito, principalmente, da presença do trio galáctico Mbappé, Messi e Neymar no ataque do PSG.

Pela primeira vez na história, clubes de Portugal fecharam mais contratos que qualquer outra federação, com um total de 901 jogadores em 2022. No extremo oposto, o Brasil se consolidou como o país mais vendedor, com um total de 998 jogadores transferidos.

Com a realização da Copa Mundial Feminina da Austrália e Nova Zelândia, neste ano, o crescimento exibido pelo futebol feminino segue tendência de alta. Em 2022, a quantidade de clubes ativos em transferências internacionais subiu de 410 para 500 em 2021, um aumento de 22,0%.

Um outro aspecto curioso do relatório é a quantidade de transferências de atletas amadores: 49.238 contratos internacionais nos quais futebolistas amadores se incorporaram a clubes de novas federações, sendo 92,3% atletas masculinos.

A guerra da Ucrânia também repercutiu de forma clara nas cifras do levantamento. No período, foram efetuadas 5.910 operações no país, índice que supera em mais de 60% as 3.661 transações de jogadores franceses, a segunda nacionalidade com maior número de transferências. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 27)

A ciência e as universidades com os Yanomamis

Destruição de Bolsonaro atingiu povos indígenas e universidades. A reconstrução será para todos

Por Soraya Smaili, Maria Angélica Minhoto e Pedro Arantes

Há alguns anos, quando estávamos na reitoria da Unifesp, tivemos uma experiência que não era nova na nossa universidade, mas que foi transformadora para aquele grupo que estava na gestão: utilizar a ciência desenvolvida em nossa universidade e por pesquisadores experientes, em prol das comunidades indígenas.

Incrivelmente resiliente, a Unifesp, mesmo já sofrendo com os cortes orçamentários, que no total duraram seis longos anos e que se intensificou na era Bolsonaro, atuou de maneira diligente. A solicitação vinha de comunidades indígenas do Xingu e de outras regiões da Amazônia e que nossa gestão buscou acionar pesquisadores da universidade para trabalhar e analisar a água das terras indígenas. E foi assim que um conjunto de colegas do Instituto de Ciências Ambientais Químicas e Farmacêuticas, campus Diadema, com seus pouco mais de 10 anos de existência, iniciaria um trabalho de monitoramento da poluição da água, causada pelo garimpo e pelas plantações com uso irregular do solo. Desse trabalho, resultaram teses e o conhecimento sobre o grau de contaminação das cabeceiras dos rios, especialmente pelo despejo de agrotóxicos.

A ligação da Unifesp com terras indígenas não era nova, pois há muitas décadas a Escola Paulista de Medicina já realizava um trabalho que era relacionado à Saúde Indígena, iniciado pelo Dr. Roberto Baruzzi, médico sanitarista e professor , em colaboração com os irmãos Villas Boas. Não foram poucos os trabalhos realizados no Xingu ao longo de 60 anos, onde estiveram inúmeros estudantes de medicina e enfermagem, que viveram a formação profissional e o trabalho acurado e dedicado continuado pelo Dr. Douglas Rodrigues e toda Equipe que coordena o Projeto Xingu da Unifesp. Assim, como Douglas pode atestar, o trabalho de Baruzzi influenciou gerações de professores e pesquisadores da EPM e do Hospital São Paulo.

Foi esse trabalho que possibilitou a realização de muitos programas pioneiros de saúde indígena junto ao Ministério da Saúde. Também como parte dessa história, a Unifesp guarda um acervo que faz parte do Museu do Xingu. Lamentavelmente, tanto os programas de Saúde Indígena conveniados com o Ministério da Saúde, quanto o Museu do Xingu, sofreram fortemente com o corte de verbas e tentativas de destruição de nossas universidades, perpetradas nos anos Bolsonaro. Sem recursos para os projetos e para montar e preservar o museu, trabalhamos para resistir.

O legado de Baruzzi extrapolou a saúde e certamente influenciou as ações de Educação que iniciaram também em nosso período de reitoria. Além do trabalho com a água e com a saúde indígena, a Unifesp tratou de se dedicar em criar também a Educação Indígena, com programas de extensão, com o reconhecimento de saberes e mais recentemente com a licenciatura indígena, feita pelos povos indígenas.

Da mesma forma que a Unifesp, diversas universidades federais atuaram e atuam no apoio e na assistência, especialmente em áreas que foram devastadas ou exploradas pela chamada “civilização”. Como já sabemos, a crise com os Yanomamis, que ora estamos assistindo horrorizados, não começou hoje. Ela decorre da ação exploratória e predadora, ocorrida especialmente nos últimos quatro anos. O governo Bolsonaro abriu a crise que se aprofundou e inviabilizou que muitas ações das universidades, e que estavam em andamento, pudessem continuar. A destruição perpetrada por Bolsonaro e o garimpo ilegal está em todos os níveis, o que dificulta hoje, inclusive o trabalho e a atuação dos setores de saúde e de educação. Levará anos até que possamos retomar e sanar essa imensa dor.

A Região Norte do Brasil possui atualmente 11 universidades federais, dentre as quais a Universidade Federal de Roraima (UFRR), que possui diversas ações junto à região Yanomami, bem como para garantir o acesso aos povos indígenas da região à Educação Superior. Destacam-se os programas de Educação Superior Indígena, bem como as atividades dos pesquisadores da área de Antropologia.

Da mesma forma, outras universidades federais de outras regiões, desempenham ações e pesquisas para o combate à devastação e para a preservação dos povos indígenas. A Universidade de Brasília (UnB) tem pesquisadores que têm contribuído com a rede Pró-Yanomami e Y’ecuana, inclusive encaminhando denúncias de lideranças ao Ministério Público Federal da ação genocida que estava em curso contra esses povos. Durante a pandemia, realizou estudos e publicou artigos no Brasil e no exterior sobre a grave situação de saúde dos Yanomami.

Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho com os Yanomamis, entre outros, começou em 2013, ano em que Davi Kopenawa Yanomami esteve na UFMG como catedrático do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT). Desde então, foram muitas colaborações Hutukara Associação Yanomami (HAY), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA). Porém, tudo foi interrompido entre 2019 e 2022, quando foram descontinuados os recursos do Ministério da Educação (MEC) que eram destinados a estes projetos.

De lá para cá, Davi Kopenawa tem denunciado em diversas ocasiões o descaso, a falta de estrutura e a gravidade da situação de saúde em aldeias Yanomami, como ocorrido na cerimônia de 95 anos de celebração da UFMG, quando também solicitou proteção e formação aos jovens indígenas para enfrentar o quadro de violência e desorganização social que havia se instalado com a invasão de garimpeiros. O reconhecimento a Kopenawa e seus importantes escritos vem de diversas universidades, como a Unifesp que recentemente lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa.

São muitas as universidades federais, com seus docentes e estudantes das Faculdades de Educação e das áreas de Antropologia, que buscam estruturar agora novas ações de forma a retomar a formação de jovens, bem como o apoio ao atendimento em saúde por meio do DSEI local em articulação com a Secretaria de Saúde Indígena, para a formação de agentes indígenas de saúde (AIS). Serão ações que precisarão de tempo, estrutura e muita dedicação, além de um grande esforço nacional para que a assistência e as condições de vida cheguem de fato aos Yanomamis.

Conjuntamente, as universidades e nossos estudantes e pesquisadores, certamente crescerão e aprenderão com o conhecimento dos povos originários, que sabem e conhecem a terra e os saberes que dela depreendem para uma vida sustentável, menos predatória e em harmonia com a natureza. E voltamos aos ensinamentos pioneiros de Baruzzi, que também aprendeu com os povos originários e que fez com que a experiência da saúde indígena fosse também uma experiência de vida e de formação que ficou marcada nas vidas e nas trajetórias dos que lá estiveram e estão.

Assim, as universidades continuarão seu trabalho de combate à fome e às doenças, bem como de educação. Mas, o mais importante, serão o lugar do encontro das experiências e dos saberes originais que finalmente farão parte da formação de novas gerações, inseridos no seu contexto e em busca de uma realidade de mais esperança.

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Soraya Smaili, farmacologista, professora titular da Escola Paulista de Medicina, Reitora da Unifesp (2013-2021). Atualmente é Coordenadora Adjunta do Centro de Saúde Global e Coordenadora Geral do SoU_Ciência;
*Maria Angélica Minhoto, pedagoga e economista, professora da EFLCH-Unifesp, Pró- Reitora de Graduação (2013-2017) e Coordenadora Adjunta do SoU_Ciência;
​*Pedro Arantes, arquiteto e urbanista, professor da EFLCH-Unifesp, Pró-Reitor de Planejamento (2017-2021) e Coordenador Adjunto do SoU_Ciência.