Por Antônio Valentim, em seu blog
MUITOS insistem em cobrar perfeição de Pelé. Afora sua genialidade incomum com a bola, que levou o nome do Brasil aos quatro cantos do mundo, era um ser humano, e, como tal, sujeito a erros e acertos.
Na década de 1980, eu percebia uma grande forçação de barra da grande mídia para consagrar Zico como alguém que viesse a superar os feitos de Pelé, ou no mínimo igualá-los. Se isso viesse a acontecer, a imagem de Pelé rapidamente seria apagada, desfeita, como agora muitos tentam fazer, apelando para os erros em sua vida particular.
Zico era fora-de-série, mas muito aquém de Pelé. Galinho, porém, tinha algumas diferenças em relação a Pelé: era do Rio de Janeiro, jogava pelo Flamengo, o time mais popular do Brasil, além de ser branco, um bom-moço. Racismo: aí eu creio que está a razão de todas as críticas a Pelé. Ele incomoda por isso: um menino negro nascido nos grotões de Minas Gerais, que, por seu talento inigualável, tornou-se o Rei do Futebol, respeitado em todo o Planeta Terra. Pelé transcendeu ao jogador de futebol, inserindo-se noutras atividades, além de proferir opiniões nem sempre certeiras ou compreendidas. Por isso o atacavam; por isso ainda hoje, depois de sua morte, não o perdoam.
Pelé nasceu e cresceu numa época em que o povo não tinha informações do que ocorria na política; era, portanto, produto de seu meio e de seu tempo, como a maioria das pessoas de pouca instrução. Mas lhe cobram posições políticas, num tempo em que até mesmo o pensamento era vigiado. Ainda assim, consta que, em plena Ditadura Militar, pugnava por libertação de presos políticos. Não foi preso nem torturado por ser o Pelé.
“Se o negro quer que se tenha uma melhora na sua posição social e uma melhora no Brasil, temos de botar gente no Congresso para defender a nossa raça”. Pelé quando ministro do Esporte.
Depois de pertencer à mesma agremiação esportiva por dezenove temporadas consecutivas, julgou que havia chegado a hora de pendurar as chuteiras. Havia ganhado três campeonatos mundiais pela seleção de seu país e dois mundiais pelo Santos Futebol Clube; havia feito mais de mil gols. Não tinha nem 34 anos.
Mas, no ano seguinte, surgiu uma proposta irrecusável, isto num período em que o futebol não era milionário como hoje. Foi duramente criticado quando aceitou um contrato para defender o N. Y. Cosmos, revendo a ideia de despedir-se do futebol. Foi chamado de traidor e coisas assim.
Mais ou menos como ocorreu a Carmen Miranda, quando partiu para os Estados Unidos.
Ora, eu, de família pobre, negro, se tivesse a fortuna de ter os dons de Pelé, também aceitaria; nem pensaria duas vezes.
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Paz e bem a todos e um excelente ano de 2003 a todos.