E o Brasil enfim estreou na Copa

POR GERSON NOGUEIRA

Na melhor atuação desde que estreou no Mundial, a Seleção Brasileira mostrou-se inspirada e arrasadora nos primeiros 45 minutos e goleou a Coreia do Sul por 4 a 1. No segundo tempo, evitou o desgaste e só controlou as ações. Foi uma exibição inspirada, com bom repertório de dribles e passes rápidos para envolver o adversário desde o início da partida.

Os quatro gols foram marcados na primeira etapa, com Vinícius Jr. abrindo o placar após cruzamento rasante de Raphinha. Logo em seguida, Richarlison foi atropelado dentro da área e o pênalti assinalado para o Brasil. Neymar, que reapareceu após dois jogos de ausência, foi lá e marcou com categoria, chutando rasteirinho no canto esquerdo.

A estratégia brasileira foi evitar ataques inócuos. Enquanto preparava a investida, o time ficava tocando bola em seu campo à espera do momento certo de dar o bote, geralmente pelas pontas, com Raphinha e Vinícius. Neymar assumiu a distribuição do jogo. Quando surgia espaço, avançava com a bola, abrindo caminho para os companheiros de ataque.  

Cabe destacar a importância da presença do camisa 10 em campo. Com ele, os marcadores tendem a se dividir, buscando cercá-lo enquanto outros jogadores ficam livres. Acontecia isso o tempo todo, permitindo que Vinícius, Raphinha e até Paquetá tivessem mais liberdade de movimentos.

A goleada se completou no primeiro tempo, mas poderia ter sido mais ampla. Richarlison e Casemiro perderam boas chances. Na etapa final, foi a vez de Raphinha desperdiçar três bons ataques. Preferiu arriscar a finalização a passar para companheiros em melhor condição para definir.

Quase ao final, Gabriel Martinelli (que substituiu Vinícius) e Daniel Alves (substituto de Éder Militão) estiveram a pique de marcar. Daniel aparou de sem-pulo um cruzamento de Martinelli. A bola ia na direção do gol, mas foi bloqueada por um defensor.

Uma atuação praticamente sem defeitos, a não ser pelo gol sul-coreano, nascido de um rebote da zaga. O chute saiu como um tiro, sem qualquer chance para o goleiro Alisson.

No fim das contas, todos saíram felizes. A torcida comemorou intensamente dentro e fora do estádio, mostrando uma novidade durante o jogo: foi mais participativa do que nos jogos anteriores, cantando alto e incentivando os jogadores. Uma resposta às críticas de que não sabe torcer como os argentinos, campeões de barulho nas arquibancadas.

Depois de uma semana complicada, marcada pelo episódio bizarro do bife de ouro e pela derrota para Camarões, a Seleção finalmente encontrou o caminho dos gols, ampliando também a artilharia de três para sete gols.

A carinhosa homenagem a Pelé, que convalesce em São Paulo, representou um fecho adequado para a noite perfeita no 974. A torcida já havia prestado sua homenagem a cada 10 minutos de jogo, gritando o nome do Rei intensamente.  

Casemiro, de novo, impecável na cobertura

Apesar de Neymar ter sido escolhido como o melhor do jogo, um outro jogador foi gigante ontem. Casemiro, primeiro volante e responsável pela cobertura à zaga, não cometeu erros. Já havia sido assim diante da Suíça, quando marcou o gol da vitória.

Coube a ele a vigilância sobre Son, o melhor jogador da Coreia. Casemiro não deu espaço ao camisa 7, antecipando-se na maioria das vezes e sempre levando a melhor. Na única oportunidade que teve, Son chutou prensado para uma grande defesa de Alisson.

Casemiro consolida-se como o ponto de equilíbrio do time, competente no desarme e nas saídas de bola. Sem receber cartões, como era comum no passado, virou figura intocável no esquema de Tite.

Croatas sofrem contra o Japão, mas têm Modric

O jogo das quartas de final contra a Croácia acontece nesta sexta-feira, às 12h (de Brasília), no estádio da Cidade da Educação, em Al Rayyan, no Qatar. É uma bela ocasião para o Brasil quebrar um tabu de 20 anos sem vencer seleções europeias em mata-mata de Copa do Mundo.

A última vez foi em 2002 na Copa asiática, quando o Brasil derrotou a Alemanha na final. Desde então, o cruzamento com seleções do Velho Continente sempre desfavorece a Seleção. Foi assim em 2006 (França), 2010 (Holanda), 2014 (Alemanha) e 2018 (Bélgica).

A Croácia, vice-campeã em 2018, vem de novo como quem não quer nada. Caminhou assim há quatro anos e obteve sua melhor colocação em Copas. Agora, o time é menos dinâmico e algumas peças já não têm o mesmo vigor. O maestro Luka Modric, porém, segue jogando o fino da bossa.

Contra o Japão, ontem, apesar dos desacertos coletivos do time, era sempre o mais lúcido a comandar as ações ofensivas. Vai dar trabalho. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta terça-feira, 06)

O incentivo do Rei

Em mensagem dirigida aos jogadores da Seleção Brasileira, o Rei Pelé manifestou otimismo e recordou o período da Copa de 1958, na Suécia:

“Em 1958, eu caminhava pelas ruas pensando em cumprir a promessa que fiz ao meu pai. Sei que hoje muitos fizeram promessas parecidas e também vão em busca da sua primeira Copa do Mundo. Assistirei ao jogo do hospital e estarei torcendo muito por cada um de vocês. Boa sorte!”.

Seleção faz primeiro tempo dos sonhos e despacha a Coreia do Sul

Assisti Brasil x Coreia do Sul da tribuna de imprensa abarrotada de jornalistas estrangeiros, curiosos em ver a Seleção Brasileira em seu primeiro desafio eliminatório da Copa do Mundo ou talvez achando que a zebra poderia estar de plantão no Stadium 974. Se era essa a intenção, acabaram vendo uma atuação inspirada do time no primeiro tempo, que lavou a alma da torcida e serviu para confirmar que o Brasil está na briga como um dos sérios candidatos ao título no Qatar.

Os gols foram surgindo com naturalidade, à medida em que a Seleção envolvia o adversário com uma troca de passes no meio-campo que sempre evoluía para ataques fulminantes. Foi assim que nasceu o gol de Vinícius Jr., o primeiro da noite. Raphinha fez bela arrancada pela direita e cruzou com veneno. A bola atravessou a área e foi cair nos pés de Vinícius, que disparou um chute forte e colocado.

Logo depois, Richarlison foi atingido na área. Pênalti que Neymar cobrou com categoria, ampliando o placar. Não demorou muito e veio o terceiro gol na melhor trama coletiva do ataque. O passe final para o centroavante veio do zagueiro Tiago Silva. Ágil, Richarlison desviou do goleiro e mandou para as redes.

Para fechar a goleada, uma excelente jogada de Vinícius Jr. foi finalizada por Lucas Paquetá de primeira, sem chances para o goleiro sul-coreano. A partir daí, o Brasil abusou de perder gols. Richarlison quase marcou após vencer a marcação na velocidade. Casemiro também desperdiçou boa chance, mandando à direita da trave.

No segundo tempo, a Seleção apenas administrou o resultado, embora tenha criado duas chances com Raphinha, que gananciou e deixou de servir a Richarlison dentro da área. Daniel Alves, que entrou nos minutos finais, quase fez um quinto num sem-pulo que levantou a torcida.

Uma atuação impecável, digna do futebol pentacampeão do mundo e sempre candidato ao título. A noite foi coroada com a homenagem de todo o time brasileiro ao Rei Pelé, que está hospitalizado em São Paulo em estado grave.

Para recobrar a confiança

POR GERSON NOGUEIRA

Com Neymar confirmado pelo técnico Tite, o Brasil marcha hoje (16h, de Brasília) para seu primeiro desafio de grande monta na Copa do Mundo. Terá que superar a entusiasmada Coreia do Sul para avançar às quartas de final. Em situação normal, o adversário não seria um problema. Tudo mudou após a derrota para Camarões, que semeou dúvidas sobre o verdadeiro poder de fogo da Seleção.

É curioso como um jogo de cumprimento de tabela virou fonte de desgaste para a Seleção e seu treinador. A decisão de escalar um time reserva colocou em risco todo o planejamento da campanha no Qatar. O revés frustrou a meta de fechar a primeira fase com 100% de aproveitamento e abalou a confiança do grupo.

A notícia de que Neymar volta ao time foi confirmada pelo próprio Tite, logo depois que o jogador treinou normalmente com os companheiros. É um reforço fundamental, que vem em boa hora. Sem ele no time, o Brasil perdeu ofensividade e capacidade de confundir a marcação.

O time contará também com o lateral Danilo, mas pelo lado esquerdo (onde já atuou pela Juventus), com Militão novamente na direita. O ataque deve ser mantido com Raphinha, Richarlison e Vinícius Jr., para tentar melhorar a pífia marca de três gols marcados – a pior entre os times das oitavas.

Curiosamente, as estatísticas da Fifa mostram que a Seleção é a que mais chuta em gol: 19 finalizações por jogo. O problema é a pontaria.

França vence Polônia, com show de Mbappé

Fui ver a França jogar e não perdi a viagem. O imponente estádio Al Thumama, nos arredores de Doha, foi palco de um jogo interessante pela exibição solo de um jogador. Mbappé. Está cada vez mais difícil arranjar adjetivos para definir as atuações do camisa 10. Diante de uma Polônia esforçada, mas confusa, ele brilhou intensamente.

Deu o passe para Giroud abrir o placar no final do primeiro tempo e fez mais dois gols no segundo tempo, ambos de bela feitura, com finalização certeira. Mbappé não é de ficar nas firulas. É objetivo, parte em velocidade, dribla e abre espaço para o chute.

A atuação de gala na partida de ontem veio coroar uma participação até aqui impecável na Copa do Qatar. Chegou aos 5 gols e assumiu a artilharia isolada do torneio. Mais que isso: já dispara nas avaliações sobre o craque do Mundial. Ninguém foi melhor que ele até aqui.

Aos 23 anos, Mbappé encaminha também uma sólida candidatura ao Prêmio de Melhor do Mundo da Fifa. A Copa vai decidir quem leva o troféu. Messi faz boa figura, conduzindo a Argentina até às quartas de final. Cristiano Ronaldo também tem pretensões, embora correndo por fora.

Qualquer um que quiser levantar a taça no Qatar e a premiação da Fifa terá que jogar mais bola que Mbappé. 

O camisa 10 não desperdiça tempo com jogadas desnecessárias. Parece antever quando o lance pode resultar positivo para o time. Esse amadurecimento na leitura do jogo é excepcional para um atacante de apenas 23 anos. E pensar que ele ainda tem três Copas pela frente.

Messi lidera Argentina rumo às quartas de final

Ainda se espera pela grande exibição de Lionel Messi na Copa, mas na vitória sobre a Austrália ele fez uma brutal diferença. Acionou os companheiros, trabalhou a bola com a maestria habitual e ainda deu um jeito de fazer seu gol.

Naquela que pode ser sua última Copa, Messi vem se comportando como o protagonista que sempre foi, mas que em muitos momentos parecia abrir mão desse papel. No time atual, com visíveis limitações, ele torna tudo mais simples e fácil quando toca na bola.

A torcida, maravilhada com o ídolo, devota a ele os hinos mais carinhosos. Vibrante, confiante do princípio ao fim, a massa alviceleste já tributa Messi como tratava Maradona, apesar das óbvias diferenças.

A dúvida que se impõe é: depois de vitórias sobre adversários fracos (México, Polônia e Austrália), a Argentina terá forças para superar a renovada Holanda?  

(Coluna publicada na edição do Bola desta segunda-feira, 05)

Missão Qatar: anotações de um caboclo da Amazônia sobre o misterioso país da Copa

POR GERSON NOGUEIRA

Ainda não havia dedicado maior atenção, pelo menos aqui no blog, às peculiaridades do Qatar, sede da Copa do Mundo, a primeira a ser realizada no Oriente Médio. Tentarei hoje me redimir, relatando algumas das minhas observações ligeiras após 12 dias aqui em Doha, com direito a dados que ajudam a entender este belo e pequeno país. Para um cidadão acostumado desde muito cedo a conviver com desigualdades e exclusão social, o país lembra em muitos aspectos a realidade brasileira, embora de forma mais concentrada e menos exposta.

Mais rico país do mundo quanto ao PIB (produto interno bruto dividido pelo número de habitantes) per capita, segundo o FMI, o Qatar é um mar de prosperidade cercado por chagas socioeconômicas graves. O PIB do país foi de US$ 166 bilhões, em 2017, e o PIB per capita em torno de US$ 124 mil. Em consequência disso, o custo de vida é relativamente alto em comparação com outros países.

As fontes da riqueza qatari são o petróleo e o gás natural. O país detém 13% de todas as reservas de gás natural e é o terceiro maior produtor mundial do produto. A grandeza econômica veio com a extração e exportação de petróleo, cuja descoberta ocorreu em 1939, com produção a partir de 1949.

A opulência da arquitetura, com prédios de altura vertiginosa e linhas arrojadas, são a ponta de lança de um certo exibicionismo brega, feito de fato para impressionar visitantes. E, de fato, impressiona, assim como o desfile diário de carros luxuosos das principais marcas do mundo.

O contraponto disso tudo é a realidade dos lugarejos periféricos, com vilas paupérrimas e pessoas morando em tendas. Trabalhadores vindos de outros países – Índia, Nepal, Filipinas, Etiópia, Egito, Bangladesh, Irã e Paquistão, principalmente – formam o exército de trabalho por trás das tarefas básicas, como pequenos comércios, biroscas, serviços gerais, táxis e entregas expressas. Nada muito diferente do que se tem no Brasil.

O salário mínimo pago a essa mão-de-obra importada é, após a reforma trabalhista de 2016, de 1.000 rial (R$ 1.490,00). Os estrangeiros formam a maioria absoluta da população de 2,9 milhões de pessoas. A elite dominante, formada por famílias tradicionais, reúne pouco mais de 250 mil pessoas. Vale dizer que qataris nativos não pagam luz, água, educação e nem assistência médica.

A religião predominante é o islamismo, embora outras religiões (budismo e hinduísmo) sejam aceitas. As regras de conduta são rígidas quanto a manifestações políticas e exibições de afeto em público. Talvez por isso mesmo a população nativa mostre-se quase sempre arredia e silenciosa com visitantes.

Um rápido passeio de carro pelo centro de Doha desnuda um cenário de filme de ficção, com longos espaços sem que se veja ninguém nas ruas. O calor forte seria uma das explicações para o recolhimento, mas novembro e dezembro têm temperaturas quase normais, em torno de 33 graus. Não estranhei porque Belém é quase sempre mais quente do que isso. Em ambientes fechados ou mesmo nos estádios o ar condicionado está sempre no último nível.

Algumas regras são seguidas à risca e surpreendem os visitantes. A restrição a bebidas alcoólicas é bem conhecida de todos, mas outras proibições também geram desconforto. Fotos de templos religiosos, áreas militares e construções são terminantemente vedadas. Antes de qualquer registro fotográfico ou filmagem é preciso pedir autorização. Outra curiosidade é a ausência de carne de porco no cardápio.

O prato típico catarense é o majboo, à base de arroz, especiarias (curry e noz moscada), batatas e frango. Há variações do majboo com carne bovina, de carneiro e até de camelo. É preciso ter estômago forte, pois os alimentos são sempre muito condimentadas e com sabor picante.

Ao contrário do mundo ocidental, a semana aqui começa no domingo. Por isso, lojas e bancos costumam fechar às sextas-feiras. Uma outra dica: atenção para os detalhes dos endereços. Ruas, vilas, zonas e bairros têm numeração confusa, o que dificulta a localização até no Google Maps.

A monarquia absolutista e constitucional é o sistema político e o chefe de Estado é o xeque Tamim Bin Hamada Bin Khalifa Al-Thani, emir do Qatar. Ele é o quarto filho do emir Hamad Bin Khalifa Al-Thani e assumiu o trono em 2013, após a abdicação do pai. Críticas ao emir e gracejos com a bandeira do país são considerados crimes contra o país e punidos exemplarmente.

O sistema jurídico é todo pautado na Sharia, um conjunto de leis islâmicas que limita direitos femininos a questões religiosas. A palavra do homem vale sempre mais que a da mulher.

Por fim, um detalhe que chama atenção é a sensação de segurança nas ruas. A presença da polícia é discreta, mas os índices de criminalidade estão entre os mais baixos do mundo.

Ao mesmo tempo, o controle da mídia não permite que se obtenha informações seguras sobre mortes de operários que trabalharam nas obras da Copa. A Anistia Internacional e outras organizações denunciaram maus tratos de operários. O jornal The Guardian noticiou a ocorrência de 6.500 mortes, na grande maioria de trabalhadores que vieram do sul da Ásia.

(Com informações de site oficial do Qatar e BBC Brasil)