Por Ricardo Noblat, no Metrópoles

Bolsonaro é um candidato desesperado e à beira de um ataque de nervos, mas Ciro Gomes (PDT) também. Cada um com suas razões. A diferença está nas consequências do desespero de ambos. Um presidente no exercício do cargo que insiste em dizer que só aceitará os resultados das eleições se elas tiverem sido limpas e justas sugere que tentará ignorá-las, se derrotado. É muito grave.
Cabe à Justiça e a mais ninguém concluir se as eleições foram limpas e justas. Os militares acham que cabe igualmente a eles, e a mando de Bolsonaro irão fiscalizá-las. E quem os fiscaliza?
O medo de Ciro não é de perder a Presidência pela quarta vez, ele sabe que perderá. Esperneia na maca porque corre o risco de chegar desidratado no próximo dia 2. Seria uma humilhação.
Em 1998, ele teve 10,97% dos votos. Quatro anos depois, 11,97%. Em 2018, 12,47%. O que mais o assombra é o que aconteceu com Marina Silva, que em 2014 teve 21,32% dos votos, e em 2018, 1%.
Ciro e Bolsonaro culpam Lula por suas dificuldades. Lula é culpado de a Justiça ter anulado suas condenações e seus processos. Lula é culpado por Bolsonaro ter sido um péssimo presidente.
Lula também é culpado de Ciro não ter conseguido atrair o apoio de um único partido além do seu, de não dispor de palanques nos estados, e de até no Ceará, onde se criou, estar em terceiro lugar.
Que ironia! Pelo menos no Ceará, Ciro poderia ter contado com um palanque para chamar de seu, e com o apoio sabe de quem? Do PT. Ali, há mais de 10 anos, ele e o PT eram aliados. Não são mais.
Desta vez, Ciro quis ter um candidato ao governo para chamar de seu, exclusivamente seu, e conseguiu. Com isso, rachou sua própria família. E seu candidato é o terceiro colocado.
Quem pariu Ciro que o embale. O historiador Lira Neto, autor de uma magnífica biografia de Getúlio Vargas, não pariu Ciro, mas o conhece muito bem por ser cearense. Lira escreve:
“Ciro reúne, em si, representação mais atrasada do patriarcado latifundiário cearense, do qual é originário, confeitado por verniz moderno, urbano, que nunca perdeu conexões com o poder de mando. Recente conversão ao discurso moralista, direitista, merece investigação acadêmica”.
É controverso dizer que a conversão de Ciro ao discurso direitista é recente. Ele nasceu para a política nas franjas da Arena, partido que sustentou a ditadura militar de 64.
Lembro-me de que no fim dos anos 1990 falou-se muito de uma foto em que Ciro supostamente carregava nos ombros o ex-ministro César Cals, das Minas e Energia. Nunca a vi. Não sei se existia.
Ciro diz-se vítima da campanha de Lula pelo voto útil. Onde está escrito que o apelo ao voto útil é ilegal ou imoral? Em 2018, contra Fernando Haddad (PT), Ciro defendeu o voto útil para si.
Ele está à beira de um ataque de nervos, sim, o que no seu caso não é incomum. A internet está prenha de vídeos em que Ciro perde a calma e parte para a agressão a pretexto de qualquer coisa.
Gaba-se de não levar desaforo para casa, de não se deixar intimidar, e de intimidar os outros. Já chamou eleitor de burro, e já ofendeu a própria mulher.
Mas há cálculo político na maneira como ele tem se comportado nas últimas semanas. Ciro aspira ocupar o espaço de Bolsonaro contra Lula em 2026. É a sexta vez que Lula disputa a Presidência.
Por que ele, Ciro, não pode disputá-la cinco vezes ou mais? No Chile, o socialista refinado Salvador Allende só se elegeu presidente na quarta vez, e acabou derrubado por um golpe.