A Festa da Colônia – o último 7 de Setembro

Por Maurício Falavigna

Para além de uma independência jamais alcançada, de uma desigualdade que parece eterna, de uma elite opressora que desfruta há séculos das benesses da subserviência e da imobilidade social, o 7 de Setembro possui sua importância de data nacional plenamente reconhecível. Em primeiro lugar, por marcar uma data de comemoração cívica, que deveria sustentar o imaginário coletivo da formação de um país. O nosso País.

Em segundo lugar, porque o processo de independência, torto ou direito, contribuiu para a consolidação de fronteiras e populações da Amazônia aos pampas, unificando a diversidade em um território rico e imenso, iniciando a trajetória de uma nação, entre a crueza da realidade e os mitos da história oficial, entre sonhos e fatos. Uma data para contabilizar parcos ganhos e largas tristezas, mas também para nos provocar identificação e pertencimento. Um dia para lembrar e esquecer os crimes, aparentar e sentir que não estamos perdidos no espaço, não somos párias da civilização.

Foi o último 7 de Setembro. Esperamos que sim. De uma festa nacional, que sempre gerou reflexões críticas e provocações complexas, além do sentimento mais pleno de “feriado”, confraternização, mobilização e festa, vimos a data sequestrada. Além do crime eleitoral, tão claro e à luz do dia como os outros crimes privados e públicos deste governo, vimos uma cisão. Como se os legítimos donos, os únicos a terem motivos sólidos e financeiros a serem comemorados, urrassem ser os únicos donos do País, os únicos filhos legítimos. Mais que bastardos, no mais pleno sentido, viramos apátridas. Os posseiros de sempre deixaram o cinismo de lado, autoproclamaram-se a verdade, a vida e a Pátria.

Do coração de D. Pedro à camisa da seleção, qualquer símbolo se tornou exclusivo dos antigos donos, que antes desprezavam essas veleidades pela obrigatória mistura com seus escravos, mas mantinham um cinismo sóbrio e cheio de compostura, uma marca civilizatória. Tudo esvaiu-se. A casagrande proclamou sua independência verdamarela, longe de negros tambores ou fumos tupiniquins, com nojo da massa que constrói seu poder e riqueza.

O país foi cindido por eles, como queriam tantos analistas políticos conservadores, que acusavam a esquerda de nos fragmentar e dividir. Ao som dos canhões das galinhas verdes e de hits de Miami, com bíblias mal lidas e cruzes de sangue nas mãos, cartazes mal escritos em inglês e gritos de ódio, a minoria comemorou a instalação de seu país. Os donos do poder criaram uma nova fronteira, uma linha imaginária, um novo trópico, excluindo a senzala que tanto lhes serviu e negando a miséria que fomentaram com afinco.

Foi o último 7 de Setembro construído a partir do que temos de mais feio e submisso. Foi o mais sincero, também. Um grito do Ipiranga, às avessas, onde nada se inicia e um pesadelo se acaba. O fracasso do país deles, nosso inquilino, já está dado. Voltaremos às nossas dores conhecidas e a uma luta por dignidade, superação e avanços. Prosseguiremos em nosso caminho, sempre dividido entre os vícios de uma colônia e os desejos de maioridade, independência e justiça social.

Mais que uma faixa presidencial, teremos de resgatar nossos símbolos, tão dúbios e duvidosos, mas que marcam nosso início, nossa identidade, nossos caminhos. Toda e qualquer ideia de Nação jamais foi comprada em um shopping, com ou sem recibo. Não há qualquer ideário coletivo que se realize a partir de poucos interesses privados. Não se ergue um edifício a partir dos próprios escombros, com o pior material disponível.

No próximo 7 de Setembro, será permitido pensar, criticar, protestar, festejar. Este foi o último 7 de Setembro do fundo do poço de um País. Não há como não andar para a frente com quem mais nos alimentou a senzala com pão, dignidade e novas possibilidades de futuro. Nossa esperança não verga.

Amanhã vai ser outro dia.

Deixe uma resposta