A fé e o voto

Pe. Luiz Pinto Azevedo – Santarém-PA

“Nem todo o que me diz: ‘Senhor! Senhor!’
entrará no Reino dos Céus, mas só aquele
que faz a vontade de meu Pai, que está
nos céus.” (Mt 7, 21)

Por “FÉ” aqui entendemos a aceitação afetiva e efetiva da proposta do Reino de Deus, gerada no seio da Trindade de Deus e revelada por Jesus, através de Suas palavras e atitudes, como descritas nos Evangelhos. Dito de um outro modo, “ter fé” significa fazer a vontade do Pai que está nos céus, conforme
pedimos cada vez que rezamos o Pai Nosso: “venha o Teu reino e seja feita a Tua vontade, assim na terra como no céu”.
Por “VOTO” aqui entendemos o exercício do direito e dever cidadão de escolher uma pessoa para exercer um serviço público, em prol do bem comum de todo o povo. O cuidado com o bem comum de todo o povo é parte integrante da realização do Projeto do Reino de Deus. Portanto, estar a serviço do bem comum de todo o povo é “fazer política”, no seu sentido mais original. Fazer política, nesses termos, torna-se uma exigência da Fé.
Aceitas como verdadeiras as premissas acima, torna-se mais fácil perceber a relação estreita que existe entre a Fé e o Voto ou a Fé e a participação na Política do Bem Comum.
Mas, o que é o “Reino de Deus”? Jesus, para explicitar aquilo que se tornou o tema mais frequente de Sua pregação e o objetivo central de Sua missão – “buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e Sua Justiça” (Mt 6,32) – fez diversas comparações, utilizando-Se de parábolas para facilitar a compreensão
do Projeto do Reino.
No “Sermão da Montanha” encontramos concentrada a ética, a lógica e os valores do Reino de Deus (cf. Mt 5-7) com as orientações básicas para a vida cristã, definindo quem são os verdadeiros bem-aventurados do Reino: os que se abrem às propostas do Reino com o espírito de pobre, os que choram na aflição dos irmãos e irmãs, os que resistem à opressão sem se tornarem opressores, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros porque não têm ódio no coração, os que promovem a paz, os perseguidos por causa da justiça.
A mensagem das “bem-aventuranças” é de esperança e conforto para os mais pobres, indefesos, aflitos, marginalizados e debilitados, ao lhes afirmar que o amor de Deus é fiel, que jamais abandona os Seus, prometendo-lhes a vitória sobre toda perseguição e injustiça, dando-lhes a garantia de que a libertação
haverá de chegar, pois é falsa a cantoria dos que agora se julgam vencedores: “amanhã será outro dia”.


Uma grande parte das parábolas de Jesus tem o objetivo de revelar algum dos aspectos do Reino de Deus, muitas vezes introduzidas assim: “o Reino de Deus é semelhante a…” São, pelo menos, oito as parábolas de Jesus sobre o Reino de Deus: uma em Marcos, a da semente (4,26-29); duas em Lucas, a do juiz iníquo (18,2-8) e a do amigo que pede ajuda à noite (11,5-10); cinco em Mateus, a do semeador (13,3-9), a do joio e do trigo (13,24-30), a da rede (13,47-50), a do grão de mostarda (13, 31-32) e a do fermento (13,33).

Em todas elas fica claro o processo dinâmico e histórico da construção do Reino: embora presente
e atuante já aqui e agora, sua plenitude só será alcançada no fim dos tempos ou na consumação dos séculos.
Lendo e meditando as parábolas, muitas mensagens podem ser tiradas. Eis algumas: a construção do Reino é uma obra coletiva ou comunitária, da qual somos colaboradores e colaboradoras, sob o protagonismo do Espírito da Trindade e a inspiração da Palavra de Deus. Essa obra coletiva visa libertar o
povo de todo tipo de escravidão, também da escravidão do pecado, em vista do surgimento de uma sociedade transformada e um mundo novo, segundo os valores e critérios novos das bem-aventuranças.
A utopia de um mundo novo será alcançada pelo esforço e luta constante de homens e mulheres convertidos à causa da mudança transformadora da história do mundo, a exemplo de tantos que vieram antes de nós. A força transformadora para o crescimento do Reino vem de pessoas, gestos, atitudes e testemunhos simples, mas cheios de significado e provocadores de impacto.

Por ser uma obra divina e humana, somente as pessoas desejosas e possuidoras da fé de Jesus serão capazes de dedicar sua vida a serviço desse projeto pelo bem do povo e construção do Reino, com paciência, perseverança e firmeza, sem preconceitos ou sentimentos de rancor e ódio armado.
Poderíamos, então, resumidamente, definir assim: por Reino de Deus se entende aquele ambiente e “espaço” vividos sob o reinado da Trindade e impregnado por Sua sabedoria e valores, revelados na nova carta magna das bem-aventuranças. Dito de outra maneira: o Reino de Deus é todo lugar e/ou circunstância onde é realizada a vontade de Deus, conforme revelada por Jesus.
Em oposição ao Reinado de Deus atuam as forças e os projetos egoístas do “anti-reino”, chamado de reino das trevas, defendido pelos que se opõem e rejeitam as propostas em defesa do cuidado pelo bem comum de todo o povo, em função da busca de seus próprios interesses e satisfações individualistas.
Muitas vezes apresentam-se travestidas de expressões religiosas, em meio a preces, súplicas, louvores e citações bíblicas, quase sempre do Antigo Testamento. Aliás, satanás no deserto mostrou-se um exímio “conhecedor” das Escrituras Sagradas, ao tentar Jesus.
A diferença entre o Reinado de Deus e o reino das trevas é fácil de se perceber: um visa a salvação de todo o povo, o outro visa a salvação de si mesmo e de seus grupelhos. Essa luta pela escolha entre os dois projetos foi vivida por Jesus em Sua missão, desde a tentação diabólica no deserto até a agonia na cruz.
No deserto, as propostas tentadoras foram: a riqueza como remédio para resolver o problema da fome, da falta de pão ou qualquer outra necessidade material, tornando-se o “messias da abundância e da prosperidade”; o desejo incontrolável do poder, de quem se acha prepotente para prescindir de Deus, e
que, pela usurpação do poder, libertará os oprimidos; a busca do prestígio, com êxitos fáceis e aplausos das multidões, como prova de que Deus está do Seu lado e o livrará até mesmo da morte (cf. Lc 4,1-13).
Na cruz, a tentação foi uma síntese de tudo: salvar a Si ou salvar a todos – “Salva-te a ti mesmo, se és o Cristo de Deus” (Lc 22,35). Jesus venceu as tentações e Se manteve fiel à missão que Lhe fora confiada: “Meu alimento é fazer a vontade de meu Pai” (Jo 4,34).
O evangelista Lucas, em sua catequese, nos faz ver que são dois os caminhos ou duas as lógicas apresentadas a qualquer seguidor ou seguidora de Jesus: a lógica de Deus e a dos homens; o caminho do Messias obediente ao Pai e humilde servidor da humanidade ou do messias triunfante, atraído pelo acúmulo dos bens materiais, pelo próprio conforto e comodidade, fechado à partilha e às necessidades dos mais carentes. Um é caminho de Deus e está a serviço do Seu Reino, o outro é diabólico e utiliza-se dos dons de Deus em proveito de seu êxito e vaidades pessoais. Não existe uma alternativa entre os dois caminhos: “Sei que não sois nem frios nem quentes… Mas porque sois apenas mornos…vou logo vomitá-los da minha boca” (Ap 3,15-16).
Chegamos ao xis da questão. Não há meio termo, nem neutralidade e nem se pode ficar em cima do muro: ou quente ou frio; ou a lógica do Reino de Deus ou a do reino das trevas. Importante que fique claro: aqui não se trata de uma questão ideológica – direita ou esquerda, mas é uma questão de identidade – agir como cristão batizado ou não ser digno desse nome. Para ser digno do nome de cristão não basta “ter fé em Jesus”. Como tem dito o dominicano Frei Beto, é preciso “ter a fé de Jesus”.
O que significa, então, “ter a fé de Jesus”, na realidade de conflitos e tensões em que vivemos? Como encarnar a fé de Jesus, concretamente, através do meu voto, neste momento político, participando conscientemente das eleições no dia 02 de outubro? Não basta usar o nome de Deus, através de rezas, louvores e demais expressões religiosas, sem fazer a Sua vontade. A fidelidade e responsabilidade da fé de Jesus não nos deixarão refugiar-nos no medo ou em qualquer outro subterfúgio para não deixar nosso voto nas urnas.

Vamos com a consciência de que devemos fazer a vontade de Deus. Uma pergunta poderá nos ajudar: Jesus, em meu lugar, votaria em quem?
Pense nisso e vá às urnas!

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