“Esses atentados terroristas de hoje, inclusive o tiro contra a Folha de São Paulo, não surpreendem quem, como os mais velhos, ainda deve se lembrar do desespero daquela turma que não aceitava a possibilidade do fim da ditadura, nos anos 80. Houve mortos: a secretária da OAB e os dois militares que se preparavam para explodir uma bomba no Riocentro lotado. Tomara que alguém com mais serenidade se movimente para impedir essas tentativas de aterrorizar o país”.
Viúva do indigenista Bruno Pereira pede reforço na proteção de povos indígenas da Amazônia
Nodia 15 de junho, a antropóloga Beatriz Matos recebeu a informação que tanto temia: os restos mortais de seu marido, o indigenista Bruno Pereira, e do jornalista britânico Dom Phillips haviam sido encontrados no Vale do Javari, no Amazonas, dez dias depois do desaparecimento deles. Bruno e Dom foram assassinados e tiveram os corpos esquartejados e queimados. A polícia prendeu três suspeitos pelo envolvimento no duplo homicídio. Uma das linhas de investigação apura se o crime tem relação com a pesca ilegal de pirarucu em terras indígenas. “Até o último minuto eu tinha esperança de encontrá-lo vivo”, afirma a viúva de 43 anos, mãe de dois filhos de Bruno: Pedro Uaqui, de 3, e Luis Vissá, de 2. No relato a seguir, a professora de Antropologia e Etnologia Indígena da Universidade Federal do Pará (UFPA) relembra os dias de agonia após o sumiço do marido, a escalada da violência contra povos indígenas na gestão do presidente Jair Bolsonaro, o telefonema que recebeu do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a cobrança por uma ação firme das autoridades para evitar que crimes bárbaros como esse se repitam.
Em depoimento a Lia Hama
Conheci meu marido, Bruno Pereira, em 2010, quando ele era o coordenador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Atalaia do Norte, no Amazonas, responsável pela Terra Indígena Vale do Javari. Eu já trabalhava no Vale do Javari desde 2005, mas naquela época morava no Rio de Janeiro, fazia doutorado e estava em viagem de campo a uma aldeia matsés da região. Conversamos rapidamente e gostei do sotaque pernambucano e do jeito debochado dele. Anos depois nos reencontramos e vivemos uma paixão avassaladora. Deixei para trás minha vida carioca e fui morar com ele num sítio perto do município de Atalaia do Norte.
Em 2016, nos mudamos para Belém do Pará porque eu havia passado no concurso para me tornar professora de Antropologia e Etnologia Indígena da Universidade Federal do Pará (UFPA). Fizemos a união estável e tivemos dois filhos: Pedro Uaqui, hoje prestes a completar 4 anos, e Luis Vissá, de 2. Enquanto eu dava aulas na universidade, Bruno realizava expedições periódicas para terras indígenas em Rondônia, Maranhão e Amazonas.
Foi um período intenso de formação dele com grandes sertanistas, como Rieli Franciscato e Altair Algayer. A floresta era o lugar onde Bruno se sentia mais à vontade. Ele queria aprender a fundo como monitorar a movimentação dos indígenas isolados, entender por onde eles andavam e de que forma os territórios deles estavam sendo invadidos. Aprendeu a falar a língua dos Matis, dos Matsés e um pouco da dos Kanamari.
Sua dedicação à causa indígena era enorme. Era um comprometimento existencial dele. Bruno tinha uma personalidade forte, era bastante intransigente, o que muitas vezes causava atritos com colegas de trabalho. Para ele, a proteção do território indígena era algo inegociável, não havia concessões, e por isso às vezes acusava outros funcionários da Funai de serem “pelegos”.
Mudamos para Brasília em 2018, quando ele assumiu a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai. Pedro tinha apenas 2 meses. Poucos indigenistas dessa geração conseguem fazer o que ele fazia: conjugar a experiência de mato dos sertanistas mais velhos com a habilidade administrativa de conhecer a máquina do Estado. À frente do CGIIRC, Bruno coordenou ações importantes junto com a Polícia Federal para desarticular a atividade de garimpo em terras indígenas. Foi quando ele começou a chamar a atenção dos garimpeiros ilegais.
Quando conheci Bruno, ele já recebia ameaças de morte, mas houve uma escalada na violência após a entrada do governo do presidente Jair Bolsonaro. O recado do governo federal aos garimpeiros, madeireiros, pescadores e caçadores ilegais é claro: “Podem tocar o terror porque não vai acontecer nada com vocês.” Esses pescadores ilegais que confessaram a participação no assassinato do Bruno e do jornalista Dom Phillips são conhecidos há muito tempo na região. Não é de hoje que têm conflitos com os indígenas e a Funai. A novidade é a coragem para cometerem o crime em plena luz do dia, com várias testemunhas. Provavelmente acharam que seria mais um assassinato a ser esquecido.
Em 2019, um parceiro do Bruno no combate à invasão das terras indígenas do Vale do Javari, o indigenista Maxciel Pereira do Santos, foi morto com dois tiros na cabeça. Ele estava com a filha na garupa da moto quando foi alvejado na avenida principal de Tabatinga (AM). A Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) denunciou essa mesma turma do Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado [principal suspeito de ser o responsável pelas mortes de Bruno e Dom], ao Ministério Público Federal do Amazonas e nada aconteceu.
Esses crimes bárbaros estão acontecendo em várias terras indígenas espalhadas pelo país. Todos os colegas que atuam nas regiões têm algum caso escabroso para contar. Em novembro de 2019, assassinaram Paulo Paulino Guajajara, uma das lideranças dos Guardiões da Floresta, grupo de indígenas que fazem a vigilância do território de etnias Guajajara, Kaapor e Awa-Guajá, no Maranhão.
Bruno estava incomodando muita gente. No final de 2019, ele foi exonerado do cargo de coordenador dos povos isolados após uma grande operação junto à Polícia Federal que detonou balsas de garimpo ilegal no Vale do Javari. Ele então pediu uma licença não remunerada da Funai e passou a atuar como assessor da Univaja , pois avaliava ser inviável fazer um trabalho sério na Funai sob a gestão de Bolsonaro. Voltamos a morar em Belém.
Fiquei com muita raiva quando disseram que Bruno estava numa “aventura” quando sofreu a emboscada. Ele não era nada irresponsável, pelo contrário, sempre foi muito cauteloso. Tinha porte de arma pelo menos desde 2015 por causa das ameaças. Dom estava escrevendo um livro sobre a Amazônia e Bruno foi levá-lo para entrevistar os ribeirinhos. Ele estava conversando com o pessoal das comunidades sobre as alternativas de manejo do pirarucu. Muitos pescadores mantêm diálogo com a Funai e os indígenas. É uma tarefa difícil porque a pesca ilegal e o tráfico de drogas rendem muito mais dinheiro do que o manejo. Minha impressão é de que, insuflada pelos discursos desse governo federal, a turma do Pelado quis impor outro regime: “Não vamos mais negociar. Agora quem manda aqui somos nós.”
Eu estava com meus filhos em Belém quando recebi a notícia do desaparecimento de Bruno. No domingo (5/06) à noite, o Beto Marubo, da Univaja, me ligou: “Bia, o Bruno estava retornando de uma reunião, era para ter chegado a Atalaia por volta das nove da manhã e não chegou. Estamos com nossas equipes de busca atrás dele.” Levei um susto na hora, mas não fiquei desesperada porque conheço a região. Pode acontecer de a canoa alagar e a pessoa ficar pendurada numa árvore esperando por ajuda. Achei que fosse o caso do Bruno.
A agonia foi crescendo conforme os dias foram passando e não havia sinal dos dois. Eu combinei com uma amiga que ela poderia ficar comigo e meus filhos em casa, caso acontecesse alguma coisa grave. Sou de Belo Horizonte e o Bruno era de Recife, então minha rede de apoio em Belém é formada apenas por amigos.
Mantive a esperança de encontrá-lo vivo até o último minuto, mas é claro que, à medida que os dias passavam, as chances diminuíam. Eu me apegava às histórias de outros sertanistas e lembrei do caso de um grupo que sobreviveu a uma queda de avião no Vale do Javari. A aeronave caiu na água e, dois dias depois do acidente, quando todos haviam sido dados como mortos, os indígenas encontraram os sobreviventes. Entre eles, havia uma grávida que deu à luz uma menina.
Fiquei em contato permanente com o Beto Marubo, da Univaja, e com o pessoal da OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), uma organização não governamental que o Bruno, eu e outros colegas fundamos em 2020. Quatro pessoas da OPI estavam acompanhando as buscas no local. Quando encontraram as mochilas com os objetos deles amarrados no fundo do rio ficou claro que o pior podia ter acontecido. Mandaram uma foto e reconheci a bermuda do Bruno e a carteirinha do plano de saúde dele. Foi avassalador.
Esses dias de buscas foram uma loucura. Eu passava o tempo todo acompanhando o Twitter, as mensagens no WhatsApp, atualizando as páginas de notícias. Não dormi quase nada porque estava ansiosa demais. Na segunda-feira (13/6), li no Twitter que a embaixada brasileira em Londres havia avisado a família do Dom de que os corpos tinham sido encontrados. Senti taquicardia na hora, mas logo raciocinei: “Calma, pode ser que seja fake news.”
Eu estava certa de que receberia as notícias em primeira mão do pessoal da OPI e da Univaja. Liguei para a Carolina Santana, do OPI, e ela me falou: “Não é verdade, o pessoal continua com as buscas, não encontraram corpo nenhum.” Demoraram algumas horas até voltarem atrás e desmentirem a informação.
Vivi uma montanha russa de emoções: do desespero à esperança, da tristeza à alegria, até que a notícia que eu mais temia chegou. Na quarta-feira (15/6), a Carolina Santana, do OPI, me ligou e disse: “Bia, recebi a notícia lá do pessoal no campo: encontraram os corpos.” A palavra corpos, na verdade, era um eufemismo, porque eles foram esquartejados e queimados. Encontraram os restos mortais deles. Mas a única coisa que eu conseguia pensar na hora era: “Tomara que o Bruno não tenha sofrido.” Fiquei aliviada quando soube que primeiro ele levou um tiro e já não estava vivo quando o resto da barbárie aconteceu.
Não sei de onde tirei forças para enfrentar esse horror. Ao mesmo tempo em que eu tinha que lidar com os detalhes devastadores da tragédia, precisava tomar providências práticas, como ir ao dentista buscar a radiografia da arcada dentária do Bruno para comprovar que os restos mortais eram mesmo dele.
A questão mais delicada era dar a notícia aos nossos filhos. Recebi uma orientação da minha psicanalista. Quando o Bruno não voltou, falei: “Papai teve um problema muito grande no trabalho, vamos ter que esperar porque ele está com dificuldade.” Eles perguntaram: “Mas o papai vai voltar?” Falei: “Não sei, mas temos que torcer para que sim. A mamãe está chateada, mas o papai é forte.” Quando recebi a confirmação da morte, expliquei: “O papai estava defendendo os indígenas e tinha um pessoal que queria invadir a terra deles. Aí teve uma briga e o papai não vai mais conseguir voltar.” Pedro, o mais velho, perguntou: “Mataram o papai?” Respondi: “Sim.” Luis, o caçula, questionou: “Mas atiraram nele?” Tive que contar a verdade.
Elaborei então a parte espiritual: “Mas, olha, o papai vai estar sempre aqui com a gente, ele vai viver nos nossos corações.” Os dois ainda estão digerindo o que aconteceu. Em muitos momentos falam do pai, lembram do que fazia. Levei os dois para minha cidade natal, onde se distraem com as primas. Estou tentando preservá-los ao máximo do assédio de jornalistas. Não deixei que fossem ao velório do pai porque seriam alvo fácil das câmeras.
Fiquei impressionada como povos indígenas de diferentes etnias tomaram para si a morte do Bruno. Recebi vídeos dos Matsés raspando o cabelo, algo que eles só fazem quando os parentes deles morrem. Vi homenagens dos Kanamari, dos Guarani e dos Kayapó. É como se dissessem: “Estão matando a gente e estão matando os nossos aliados.” Apesar de nunca terem atuado ao lado de Bruno, os Pankararu e os Xukuru foram homenageá-lo cantando suas músicas no velório em Recife. Foi emocionante ver esse reconhecimento porque ficou claro que a importância do Bruno extrapolou as fronteiras do Vale do Javari.
Trabalho com os indígenas há anos e é muito raro receber esse tipo de reconhecimento. O mais comum é eles ficarem desconfiados: “Vocês são brancos e vieram roubar a nossa cultura. Querem ganhar dinheiro às nossas custas.” Para mim, a parte espiritual do Bruno está muito bem encaminhada. Eu realmente acredito que ele está comigo e com os meninos. Posso ouvi-lo dizer no meu ouvido: “Ô, Beatriz, se liga, para de chorar. Vai em frente, que você é forte.”
Bruno seguia os rituais xamânicos e tomava ayahuasca com os indígenas. No vídeo que viralizou, ele canta uma música que é de iniciação dos pajés Kanamari. Fala sobre a árvore da ayahuasca que dá sua seiva aos pajés, assim como a arara dá comida na boca dos filhotes. Bruno cantava essa música para os meninos dormirem. Quando os Kanamari explicaram a canção à imprensa, eles fizeram uma metáfora com o Bruno: “Assim como a arara alimenta os filhotes, o Bruno também nos alimentava.” Os indígenas dizem que ele virou um encantado, um espírito protetor da floresta.
Quando a morte foi confirmada, o ex-presidente Lula me ligou para prestar condolências. Disse que quer se encontrar comigo quando for a Belém. Já de Bolsonaro não recebi ligação nenhuma. Pelo contrário: ele realizou uma motociata em Belém dois dias depois de encontrarem os corpos de Bruno e Dom. No velório em Recife havia representantes dos governos estadual e municipal, mas ninguém da esfera federal.
Eu desejo que os assassinos sejam presos e paguem pelo que fizeram, mas, mais fundamental do que isso, é evitar que crimes como esses se repitam. O mais importante é que seja possível voltar a transitar com segurança pelos rios do Vale do Javari, que os servidores da Funai tenham condições de trabalhar de verdade na região, que os povos indígenas possam viver sem a ameaça de invasão e destruição de seus territórios. Ali é o meu local de trabalho e quero poder voltar lá com meus filhos para que conheçam o local onde o pai deles atuava.
Eu comparo a morte de Bruno ao assassinato do seringueiro e sindicalista Chico Mendes e da missionária americana Dorothy Stang. Ambos foram assassinados por defenderem a preservação da floresta amazônica e dos povos que vivem nela. Que a comoção provocada pelas mortes de Bruno e Dom sirva para melhorar as condições de vida dessas pessoas e de seus aliados. Nada trará o Bruno de volta, mas espero que sua morte não tenha sido em vão.
O ator James Caan, que interpretou Sonny Corleone em “O Poderoso Chefão”, morreu na quarta-feira (6) aos 82 anos. A notícia foi confirmada nesta quinta-feira (7) através do perfil oficial do ator no Twitter. A causa da morte não foi confirmada.
“É com grande tristeza que informarmos a vocês a morte de Jimmy (apelido de James) na tarde de 6 de julho. A família aprecia as demonstrações de amor e condolências e pede que vocês continuem a respeitar a privacidade deles durante este período difícil”, diz o comunicado.
Caan foi indicado ao Oscar de ator coadjuvante por seu papel como Sonny Corleone no primeiro filme da trilogia “O poderoso chefão”, de 1972. Ele também está no elenco do segundo filme, de 1974.
O ator americano também ficou conhecido por filmes como “Louca obsessão” (1990), “Profissão: Ladrão” (1981) e “Rollerball: Os Gladiadores do Futuro” (1975).
Apesar da excelente colocação do time na Série C, vice-líder com 23 pontos, há torcedor do PSC reclamando da produção do ataque, que é também o melhor do campeonato (23 gols). Critica-se a falta de gols marcados por atacantes e até da falta de efetividade nas bolas aéreas. Ocorre que um time deve ser considerado plenamente ofensivo por fazer muitos gols, independentemente se os autores são zagueiros ou dianteiros.
Nesse sentido, a equipe de Márcio Fernandes tem sido extremamente eficiente. É claro que dá para fazer mais do que vem fazendo, sempre dá. É possível também vencer os jogos sem sofrer tanto, bem como devem ser evitados tropeços como o da penúltima rodada, quando empatou em casa com o Brasil, então lanterna da competição.
No geral, porém, o desempenho tem sido até acima do esperado. O time adquiriu rapidamente entrosamento e adaptação ao modelo proposto, a partir da maneira de jogar praticada no Campeonato Paraense. Contra adversários em geral inferiores tecnicamente, o PSC foi sempre letal, vencendo seus jogos em casa e ainda beliscando pontos fora.
Mesmo com números tão positivos, o torcedor, esse eterno insatisfeito, não deixa de cornetar. Uns cobram mais agressividade no ataque, outros reclamam da instabilidade da defesa. Quanto ao setor defensivo, até cabem questionamentos ao comportamento da dupla central. Ao contrário do ataque, a zaga não está entre as melhores do campeonato – foram 13 gols sofridos em 13 rodadas, média de um gol por jogo.
Um sinal de insegurança é a constante troca de nomes na escalação da zaga. Apenas Genilson se mantém como titular inquestionável. Os outros entram, mas não conseguem segurar a titularidade. Lucas Costa e Bruno Leonardo são vistos com desconfiança pelo torcedor.
Para o confronto do próximo sábado, na Curuzu, contra o Confiança, o parceiro de Genilson será provavelmente Bruno Leonardo, que já cometeu alguns deslizes ao entrar no time. Não há, porém, outro nome para substituir Lucas (suspenso) e Márcio Fernandes parece ter se fixado nos três atletas, evitando experimentar zagueiros como Douglas, até hoje não escalado na Série C.
Ao mesmo tempo, é preciso entender que o PSC faz uma campanha extremamente satisfatória, embora não seja um time imbatível. Os eventuais percalços estão dentro da média normal numa competição tão equilibrada. Reclamar de detalhes no comportamento da defesa, do meio-campo ou do ataque soam como preciosismo a essa altura. (Foto: John Wesley/Ascom PSC)
TJD tornou irrisório o custo do apagão na Curuzu
Soou como um convite à reincidência o valor da multa aplicada pelo TJD ao PSC pelo apagão elétrico ocorrido na Curuzu na final do Campeonato Paraense. O ato, gravíssimo do ponto de vista da desportividade, repercutiu nacionalmente e chegou a ser noticiado até fora do país como demonstração típica de futebol de várzea.
Impedir que o maior rival comemorasse a conquista do título dentro de seu estádio parecia ser o propósito do clube. Até porque é impensável que a luz tenha sido apagada por alguém não autorizado pela diretoria.
Para um Estado dividido pela rivalidade entre remistas e bicolores, a multa de R$ 15 mil (com perdão de outras irregularidades ocorridas naquela noite) funciona como um demarcador de preços para a intolerância. Qualquer que seja o desvio de conduta a partir de agora, os clubes saberão que o preço a pagar é irrisório.
A voz indomável de Casagrande já não está na Globo
Na emissora que sempre valorizou figuras inodoras e incolores na cobertura esportiva, Walter Casagrande Junior sempre foi um ponto fora da curva. Depois de 25 anos na Globo, ele não irá à Copa do Mundo do Qatar. Anunciou ontem o término do vínculo. A emissora confirmou com ressaltando que o desligamento foi de “comum acordo”.
Casão, do mesmo jeito que fazia como jogador no Corinthians, rompeu com o script de alienação que vigora no futebol. Na mensagem em que divulgou o fim do ciclo na Globo, ele diz que o término do relacionamento “foi um alívio para os dois lados”.
Depois de passagem inicial como comentarista da ESPN, em 1996, foi contratado pela Globo no ano seguinte. Desde então, manteve-se entre os analistas de ponta da emissora, com participação quase diária em programas da emissora e do canal Sportv.
Presente também nos principais jogos e decisões do futebol, firmou conceito de outsider e peixe fora d’água. O salário alto e a aspereza de alguns posicionamentos podem ter precipitado o divórcio com a emissora, que vem recheando seu time com ex-atletas, quase todos domesticados – Roger Chinelinho, Caio Ribeiro, Grafitte, Paulo Nunes etc.
Casão deixa saudades porque era o único comentarista esportivo capaz de fazer análises destemidas sobre jogadores e técnicos. Não fugia também de temas incômodos relacionados ao esporte, como desigualdades sociais, racismo, combate às drogas e política. Sempre se posicionou a respeito da intolerância e da cultura do ódio, temas que nem sempre são bem vistos no universo do futebol. Por isso mesmo, fará muita falta.
(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 07)
A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação à estabilidade da própria moeda, o real.
Por Luiz Carlos Azedo
A Marcha da Insensatez, da historiadora Barbara Tuchman, que venceu o prêmio Pulitzer por duas vezes, trata de situações nas quais seus protagonistas contrariaram seus próprios interesses, nos casos da Guerra de Tróia, da Reforma Protestante, da Independência dos Estados Unidos e da Guerra do Vietnã. Nesses episódios, as lideranças políticas mais poderosas tomaram decisões catastróficas. Por isso, o livro é um clássico da política.
Tuchman descreve a desastrosa atuação dos papas do fim do século XV e início do XVI, a arrogância da aristocracia inglesa frente às colônias americanas e, por fim, a cegueira da elite político-militar dos EUA na Guerra do Vietnã. O mundanismo — o enriquecimento do alto clero — dividiu a Igreja e embalou a Reforma de Lutero e Calvino. A inflexibilidade e a cobiça da aristocracia inglesa resultaram na perda de suas Colônias na América do Norte. A Guerra do Vietnã levou os Estados Unidos a uma de suas mais profundas e longas crises políticas.
No Brasil, estamos vivendo um momento parecido. Estão em xeque nossa ordem democrática e a institucionalidade da economia. Ulysses Guimarães, o grande patrono da nossa Constituição Cidadã, quando alguém se queixava do Congresso, costumava dizer que a safra de parlamentares seguinte seria pior. Sua pilhéria virou uma maldição, porque o grau de deterioração das práticas políticas no Congresso só aumenta.
Depois que os políticos do Centrão, aliados ao presidente Jair Bolsonaro, passaram a dar todas as cartas no nosso Parlamento, um câncer corrói as entranhas da política brasileira, o chamado orçamento secreto, que cedo ou tarde será mais um caso de polícia. Para completar, o bilionário fundo eleitoral destinado aos partidos nas eleições está se transformando num obstáculo à renovação dos costumes políticos.
Criou-se uma situação de absurda desvantagem entre quem tem mandato, e usufrui de verbas do Orçamento da União, estruturas de gabinete e recursos abundantes de campanha, e aqueles que serão candidatos e não têm as mesmas possibilidades. Como se não bastasse, agora vem o pacote de bondades da PEC da Eleição, que será a bandeira eleitoral de quem pleiteia a reeleição.
Seu objetivo seria mitigar os efeitos da inflação na vida da população de mais baixa renda, mas isso é apenas uma cortina de fumaça para o que realmente está acontecendo. São medidas de curto prazo, de caráter populista, que não vão resolver os problemas da população, porque o rombo fiscal que provocará será um fator acelerador da própria inflação, corroendo os seus benefícios.
Mais graves são as consequências em termos institucionais, como o desrespeito ao calendário eleitoral e o abuso do poder econômico nas eleições, de um lado, e a ruptura na institucionalidade de nossa economia, devido à falta de responsabilidade fiscal, de outro. A insegurança jurídica provocada por emendas à Constituição casuísticas, aprovadas à toque de caixa, ampliam o cenário de incertezas em relação ao futuro da própria moeda, o real.
A três meses das eleições, essas medidas que estão sendo aprovadas no Congresso desnudam um descolamento dos partidos políticos e seus representantes dos verdadeiros interesses da sociedade. São um fator de enfraquecimento da própria democracia. Já passamos por outras situações semelhantes, ao longo da história, que nos levaram a profundas crises.
A hiperinflação da década de 1980, que coincidiu com a transição à democracia, ainda hoje nos cobra pedágios, pois nunca mais conseguimos ingressar num ciclo longo e sustentável de crescimento, mesmo depois de o Plano Real ter estabilizado a nossa moeda e as privatizações terem se realizado, para restabelecer o equilíbrio das contas públicas. A Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo rasgada.
Encenação
O preço desse fracasso está anunciado: é a iniquidade social que explode nas ruas e não será superada na campanha eleitoral com esse pacote de medidas proposto pelo governo. O Senado aprovou a PEC das Eleições com apenas um voto contrário, o do senador José Serra (PSDB-SP), um economista experiente, que governou São Paulo, conhece as contas públicas e entende de política de desenvolvimento.
Casa de ex-ministro e ex-governadores, muitos dos quais candidatos nestas eleições, o Senado protagonizou um acordão sem precedentes entre o presidente Bolsonaro, o Centrão e a oposição, num pacto do tipo “nos locupletemos todos”. Com toda a certeza, não será a Câmara que irá restaurar a moralidade.
O misancene que está sendo feito pela oposição, cujos parlamentares estão docemente constrangidos, apenas disfarça o efeito manada. A palavra de origem francesa — “mise en scène” — significa encenação. É o que está acontecendo nas manobras de obstrução da votação na Câmara. É muito difícil para um parlamentar com mandato em risco votar isoladamente contra as benesses anunciadas no pacto. Não teria como explicar aos eleitores.
O presidente Jair Bolsonaro aposta todas as fichas na PEC da Eleição para reverter a desvantagem em que se encontra em relação à preferência das parcelas mais pobres da população, principalmente no Nordeste. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acredita que as medidas o beneficiarão, porque estão sendo adotadas de última hora, diante do risco de derrota eleitoral do governo. É a marcha da insensatez.