Não faltou malandragem

POR GERSON NOGUEIRA

O técnico Gerson Gusmão, que estreou oficialmente no Re-Pa, deu uma entrevista interessante depois do jogo. Analisou bem os erros da equipe, projetou mudanças para as próximas partidas e mostrou ter compreendido a dimensão e a importância do clássico. Só cometeu um deslize: atribuiu à falta de malandragem o fato de a vitória ter escapado.

Não é justo com a malandragem, nem com o time do Remo. A vitória não veio porque a atuação foi confusa, errática e desorganizada na maior parte do tempo. Os gols nasceram de jogadas de bola lançadas a esmo na área. Não houve um sistema claro de estruturação da equipe em campo, nem no primeiro e muito menos no segundo tempo.

É bem verdade que o PSC também não foi lá muito superior. Ocorre que, como era o time mais sossegado pela posição na tabela, ficou acautelado e evitou se expor. Essa foi a estratégia desenhada por Márcio Fernandes. No fim das contas, foi o plano melhor executado porque quando ficou em desvantagem (por duas vezes) conseguiu ir buscar o empate.  

Virou um aleijão essa explicação fácil sobre falta de malandragem quando um resultado é desperdiçado. Não havia lugar para ser mais esperto, havia necessidade de jogar direito, coisa que o Remo não fez. Teve lampejos de bom futebol, mas o coletivo foi sempre impreciso.

Diante de um adversário do mesmo porte, os defeitos tendem a se destacar. Foi o que ocorreu com o Remo. Bem marcado em todos os espaços, o time não tinha saída pelo meio e nem pelos lados. Os zagueiros ficavam dando chutões, como já ocorria nos tempos de Paulo Bonamigo.

Por conta dessa ausência de articulação, os atacantes tinham que sair da área o tempo todo. Vanilson (como já ocorre normalmente com Brenner) precisava vir até o meio-campo para tentar buscar a bola, o que enfraquece ainda mais a armação ofensiva do time.

Estranhamente, Gusmão não tocou no assunto mais inquietante para quem observa a caminhada do Remo na Série C: a insistência em não utilizar jogadores de criação, mesmo contando com dois deles no elenco, Anderson Paraíba e Albano. No final do clássico, Albano entrou, mas não é jogador para entrar na hora do abafa. Deveria estar em campo desde o início.

Ao invés de cobrar um time mais malandro, Gusmão terá que buscar soluções concretas para a ausência de vida inteligente na meia-cancha. Insistir com quatro jogadores que marcam mal (a honrosa exceção é Uchoa) e não criam é erro crasso, que ficou escancarado no Re-Pa. (Foto: Samara Miranda/Ascom Remo)

Mídia alemã descobre e valoriza projeto do Amazônia

A TV alemã ARD esteve em Belém para acompanhar jogos do Amazônia Independente, atraída pela filosofia que o clube defende. Há no projeto do Amazônia a preocupação legítima de representar os povos da floresta, a partir das cores do uniforme. As informações sobre o clube foram obtidas pela emissora através das redes sociais.

Clube mais jovem da primeira divisão paraense, a agremiação santarena não conseguiu permanecer na elite, mas marcou sua participação com um elenco formado majoritariamente por jogadores nativos.

Além do futebol, o presidente do Amazônia, Walter Lima, desenvolve um trabalho junto às comunidades do rio Arapiuns. Foi lá que a segunda parte da reportagem foi filmada na semana passada, sem maiores alardes ou preocupação midiática. Bem ao estilo sério e engajado de Waltinho.

Fla resolve virar o refúgio dos veteranos da bola

Arturo Vidal foi um dos líderes da geração chilena que conquistou por duas vezes a Copa América e revelou vários bons jogadores – Vargas, Medel, Bravo, Isla, Mena, Aránguiz e Sanchez. Volante moderno, vigoroso e com energia para ir ao ataque, ganhou espaço no futebol europeu e defendeu grandes camisas. Antes de mergulhar num período de decadência física, decisivo para diminuir o brilho de seu futebol.

Pois agora, aos 35 anos, Vidal é anunciado como provável reforço do Flamengo. Vem se juntar a um naipe de jogadores rodados como ele: David Luiz, Diego Alves, Bruno Henrique, Everton Ribeiro e Filipe Luiz. É claro que o clube toma por referência o ano da graça de 2019, quando, sob o comando de Jorge Jesus, ganhou quase tudo com um time igualmente envelhecido. A dúvida é se o raio pode cair de novo no mesmo lugar.

Direto do blog campeão

“O jogo de ontem, pela tradição e rivalidade que um RE-PA sempre carrega e por ser jogado na casa do Remo somente com torcedores deste, representaria o ponto de inflexão na campanha azulina em caso de vitória. E tudo ia bem, até com uma pitada de sorte, sempre necessária, quando o goleiro do Remo falhou de forma clamorosa. Não só pela perda de dois pontos, da forma como ocorreu, mas também pelo fato de ter sido em um jogo emblemático, crucial para as pretensões azulinas, a classificação ao G8 agora ficou complicadíssima”. Miguel Silva

“O Remo teria que mudar da água para o vinho para se classificar para a próxima fase. E quanto a Vinícius, muito obrigado pela história, que não pode ser apagada, no Clube do Remo, assim como muitos outros que já foram. Os homens passam e a instituição fica”. Antônio Valentim

“Este é o termo correto ‘confiança’, os jogadores não possuem confiança, mesmo os mais rodados, com isso o time joga como senão tivesse organização e nem criatividade demonstrando insegurança, tornando-se presa fácil para os adversários. Os jogadores parecem que sabem que vão falhar a qualquer momento, pior que este comportamento agora chegou ao goleiro. Espero que o técnico consiga reverter esta situação, não creio nesta possibilidade”. Bira Lacerda

(Coluna publicada na edição do Bola desta terça-feira, 05)

Nossos ídolos ainda são os mesmos. Mudemos, então

Por Flávio Gomes

Quando Nelson Piquet saiu do carro para socar Eliseo Salazar na Alemanha, em 1982, achamos o máximo. Ele merece, mesmo, onde já se viu fechar nosso piloto desse jeito? Quando Nelson Piquet foi desclassificado do GP do Brasil semanas depois de vencer em Jacarepaguá, no mesmo ano, porque seu carro carregava um tanque de água que era esvaziado durante a corrida, depois da pesagem oficial, achamos uma injustiça — qual o problema de dar uma dribladinha marota no regulamento?

Quando Nelson Piquet bateu o carro em Ímola em 1987 e ficou sem enxergar direito, perdeu a noção de profundidade, e escondeu isso dos médicos e da equipe, colocando todos que corriam com ele em risco, achamos aquilo um exemplo de dissimulação dos mais aceitáveis, afinal, acabou ganhando o campeonato.

Quando Nelson Piquet chamou Nigel Mansell de “idiota veloz” e disse que ele não tinha só a mulher mais feia do mundo, mas também a segunda, porque teria um busto dela no jardim, achamos aquilo muito engraçado e gargalhamos. Quando Nelson Piquet insinuou que Ayrton Senna era homossexual dizendo que a imprensa deveria perguntar a ele por que o rival não gostava de mulher, achamos aquilo picante e midiático e alimentamos a história por anos.

Quando Nelson Piquet mandou colocarem para-lamas sobre as rodas do carro de seu filho para descaracterizá-lo e permitir que ele fizesse testes num ano em que treinos privados eram proibidos na Fórmula 3 brasileira, achamos que os outros estavam chorando à toa e elogiamos sua esperteza e sagacidade. Quando Nelson Piquet deu uma entrevista ao lado de Mansell depois da gravação de um comercial para a Ford numa pista gaúcha e disse que se achava melhor que Senna porque estava vivo e o outro, morto, achamos aquilo um pouco exagerado, piada de mau gosto, talvez, mas, puxa, é o Piquet, ele sempre foi assim.

Quando Nelson Piquet resolveu revelar um ano depois do acontecido que seu filho bateu o carro de propósito em Cingapura para não ser mandado embora da Renault e a Renault o mandou embora mesmo assim, não perguntamos a ele por que não botou a boca no trombone na hora, não questionamos se exporia o escândalo se o filho tivesse ficado na equipe, e tratamos pai e filho como vítimas de personagens insidiosos do paddock.

Quando Nelson Piquet foi convidado para a primeira transmissão da volta da F-1 à Band e referiu-se à emissora que deteve os direitos de TV nos 40 anos anteriores como “globolixo”, no melhor estilo bolsonarista de se expressar, as pessoas no estúdio riram e os seguidores do presidente tiveram orgasmos nas redes sociais. Ah, as molecagens do Piquet!

Depois Piquet abraçou Bolsonaro e o velho da Havan. Dirigiu o Rolls Royce presidencial no infame 7 de setembro do ano passado, dia em que o indigitado percorreu o país declarando sem nenhum constrangimento suas intenções golpistas. Deu entrevistas aos mais desprezíveis entrevistadores possíveis, entre eles um dos filhos do presidente — a ele, prometeu deixar o país se a esquerda voltasse ao poder; que seja cobrado.

Então sua filha começou a namorar Max Verstappen, que no ano passado se transformou no maior rival de Lewis Hamilton, o único piloto negro da história da F-1, chamado de “patrão” por fãs brasileiros. Então Verstappen ganhou o título do ano passado e o filho de Piquet, “cunhado” de Verstappen, colocou no ar um vídeo no Instagram vestindo uma camiseta na qual se lia a elegante frase “patrão é meuzovo” para comemorar a conquista de Max e debochar de Hamilton.

Então Piquet deu mais uma entrevista no fim do ano passado e se referiu a Hamilton, várias vezes, como “o neguinho”, e chamou Keke Rosberg, campeão de 1982, de “bosta”, e falou que o filho deste só ganhou o campeonato de 2016 porque “o neguinho devia estar dando muito o cu” naquele ano.

Nossos ídolos ainda são os mesmos, cantou Elis Regina divinamente na letra de Belchior. O verso permite uma leitura sutilmente diferente se por “mesmos” entendermos que não nos referimos a uma lista de pessoas que nossos pais também idolatraram, e essa lista atravessa o tempo, e continuamos a idolatrar essas mesmas pessoas.

Alguns sempre foram assim, grosseiros, espertalhões, velhacos, homofóbicos, racistas, e nesse sentido sempre foram os mesmos, mesmo; nunca mudaram. E ainda assim insistimos em idolatrá-los, em perdoar seus deslizes, sua canalhice, sua abjeção, suas ofensas, seu comportamento, seus atos vis. Resistimos em admitir que idolatramos pessoas que jamais deveriam merecer nossa admiração, nem a de ninguém.

Piquet sempre foi isso aí. Errados somos nós, que para ele batemos palmas por tanto tempo sabendo quem ele é. E a cada aplauso reforçamos tudo aquilo que representa e defende, e por isso somos cúmplices históricos de sua ignomínia.

Piquet sempre foi isso aí. Errados somos nós, que para ele batemos palmas por tanto tempo sabendo quem ele é. E a cada aplauso reforçamos tudo aquilo que representa e defende, e por isso somos cúmplices históricos de sua ignomínia. Que aceitemos nossos erros e saibamos mudar, algo que, pelo visto, Piquet não soube. Ao contrário, só piorou.

Até os gigantes falham

POR GERSON NOGUEIRA

Vinícius é há cinco temporadas ídolo incontestável da torcida do Remo. Fez defesas históricas, garantiu títulos (como o da Copa Verde 2021) e se consagrou como profissional impecável. Conquistou prestígio por suas inegáveis qualidades. Falhou algumas vezes, mas nada que comprometesse sua trajetória. Ontem, porém, viveu seu pior dia como goleiro.

Daqui a algumas décadas, quando alguém se referir a este Re-Pa válido pela Série C vai certamente dizer que foi o clássico do frangaço de Vinícius. O paredão ruiu. O Remo ganhava o jogo, a torcida festejava nas arquibancadas, quando a tragédia se abateu sobre o grande goleiro.

Robinho recebeu na direita, entrou na área e bateu cruzado em direção ao gol. Era defensável, mas Vinícius se atrapalhou e a bola escapou entre suas mãos. O segundo gol do PSC calou a torcida que lotava o Baenão.

A falha surpreendente não foi recebida com vaias. Vinícius merece respeito e o torcedor optou pelo silêncio misericordioso. O efeito imediato foi uma espécie de torpor que se abateu sobre o time remista. Não acertava passes, a bola não saía de seu próprio campo e por alguns instantes ficou a sensação de que, se insistisse, o PSC poderia chegar ao terceiro gol.

O jogo até aquele momento era tecnicamente fraco, mas vibrante, como costuma ser o Re-Pa. O Remo havia feito 1 a 0 no final do primeiro tempo em lance polêmico. O árbitro Marcelo de Lima Henrique enxergou toque no braço de Marlon, mas as imagens revelam que a bola bateu no ombro do jogador. Na cobrança, Fernandinho chutou fraco, Tiago deu rebote e o próprio Fernandinho confirmou para as redes.

Antes de terminar a etapa inicial, o PSC empatou. José Aldo recuperou a bola e bateu da entrada da área. O chute saiu rasteiro, passou por vários jogadores e enganou Vinícius. Ficou a sensação de falha, mas ficou na conta dos lances apenas infelizes.

Veio o 2º tempo e começaram as mudanças. Nada que modificasse o jogo pragmático do PSC, ocupado mais em marcar do que em atacar. Mikael ficava à frente dos zagueiros, Patrick Brey não avançava e a articulação dependia de José Aldo, ontem um pouco abaixo do que pode entregar – ainda assim, bem mais produtivo que o meio-campo inteiro do Remo.

A atuação confusa e nervosa do Remo também não se alterou. Erick Flores se posicionava mal e passava pior ainda. Jean Patrick jogou um pouquinho melhor que ele. No ataque, Vanilson lutava contra os zagueiros de área do PSC sem receber bola limpa. Rodrigo Pimpão corria, corria e nada acontecia. O mais lúcido era Leonan, sem ter com quem dialogar na frente. Fernandinho pegava a bola e tomava sempre decisões erradas.

O técnico Gerson Gusmão mudou a zaga, trocando Daniel Felipe por Igor Morais. Depois, botou Bruno Alves no lugar de Fernandinho. Igor participou do lance do segundo gol ao escorar a bola para a pequena área. A zaga se atrapalhou com Pimpão e Uchoa chegou para aproveitar o rebote. Aí, quando o Remo parecia marchar para a vitória, veio a falha de seu melhor jogador nos últimos anos. Acontece. Futebol tem dessas coisas.

Heranças de Bonamigo ainda atrapalham o Leão

Restam seis rodadas para fechar a fase de classificação e o Remo está diante de um desafio duríssimo. Precisa conquistar pelo menos 12 pontos a fim de alcançar os 30, apontados como limite seguro para passagem à próxima fase, segundo as projeções.

O grande problema é a instabilidade, herança da era Paulo Bonamigo. Falta força e confiança em momentos cruciais da partida. Inexiste a consciência de que é possível aumentar a pressão para chegar ao gol, muito menos a noção de que adiantar a marcação pode dificultar a saída do adversário.

No primeiro tempo, o PSC alternou momentos de recuo com outros de marcação alta, criando imensos problemas para a transição do Remo. É compreensível que o time ainda esteja buscando se adaptar às ideias do novo comandante, que estreou no clássico. A dúvida é se a confusão atual ainda cederá lugar a uma organização mínima de jogo.

É claro que a Série C permite êxito até mesmo a equipes desorganizadas. Aliás, a maioria dos times se destaca pelo caos tático. Mas é difícil imaginar que um time sem identidade possa chegar a algum lugar. O fato é que, segundo um baluarte da coluna, Bonamigo saiu do Remo, mas o Remo ainda não saiu de Bonamigo.

Pragmático, Papão sai ileso de um jogo complicado

O PSC se comportou como um visitante cauteloso, mas pragmático. Temia obviamente o barulho e a pressão da torcida remista e, por isso, optou por um jogo de espera. Fechou-se no meio e buscava chegar em lances esporádicos, sempre a partir de bolas recuperadas na intermediária.

Alguns jogadores renderam abaixo do esperado. Marlon ficou perdido na marcação. Só apareceu no final do primeiro tempo com um chute forte que Vinícius desviou antes de a bola bater no travessão. João Vieira também não apareceu a contento. José Aldo, mesmo sem brilhar, cumpriu a tarefa de liderar a equipe e ainda foi à frente fazer gol.

Mesmo custando a agredir no primeiro tempo, conseguiu arrancar o empate nos minutos finais. Foi igualmente cirúrgico e letal ao empatar novamente na segunda etapa com Robinho, que havia acabado de entrar.

A performance deixou a desejar, mas o resultado foi positivo num confronto que é sempre difícil. Com 23 pontos, o PSC precisa de duas vitórias e um empate para garantir a classificação. 

(Coluna pulicada na edição do Bola desta segunda-feira, 04)