É coveiro, sim

Por Ruy Castro

O mundo inteiro, agora, sabe quem é Bolsonaro

Em 2020, no auge da Covid, Jair Bolsonaro preferia passear de jet ski a visitar os hospitais abarrotados e solidarizar-se com os profissionais que arriscavam a vida. Enquanto brasileiros morriam por falta de oxigênio, Bolsonaro imitava uma pessoa lutando para respirar. Já então eram-lhe oferecidas vacinas, que ele desprezava em função da cloroquina. E, quando os cemitérios tiveram de abrir covas rasas para comportar milhares, ele celebrou essa tragédia com uma frase: “E daí? Não sou coveiro”.

Agora Bolsonaro terá de ser coveiro. Está diante de dois mortos que o mundo não deixará insepultos: o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips. Queira ou não, são seus mortos, assassinados pelos exploradores, traficantes e pistoleiros a quem ele entregou a Amazônia. Por “ele”, leiam-se Bolsonaro ele mesmo, seu cínico vice-presidente Hamilton Mourão, presidente decorativo do Conselho Nacional da Amazônia, e o ex-ministro Ricardo “Boiada” Salles.

Bruno e Dom foram mortos a tiros, esquartejados, possivelmente incendiados e enterrados na floresta. Não se sabe a que se reduziram seus corpos —ou “remanescentes humanos”, como foram chamados pelas autoridades. É insuportável imaginar que dois seres humanos, até há pouco na plenitude de suas forças e virtudes, sejam neste momento material de laboratório e, pior ainda, em Brasília, não muito longe do homem que os responsabilizou pela própria morte chamando-os de “aventureiros” e “excursionistas”.

Seja o que tiver restado deles, mesmo que uma unha, terá de ser entregue às suas famílias e sepultado —Bruno, aqui mesmo, e Dom, quem sabe em seu país. Era o que Bolsonaro mais temia: a prova física do crime. A partir de agora, ninguém mais, em qualquer parte, poderá dizer que o desconhece.

Os coveiros da Covid eram heróis. O coveiro da Amazônia pode ser chamado de muita coisa — você escolhe.

Sim, a culpa é dele

“Hoje, Bolsonaro, o Centrão e toda a turma bolsonarista vai tentar fazer parecer que é contra o aumento dos combustíveis. Mas, atenção, povo brasileiro! A verdade é que eles NÃO TÊM coragem de enfrentar o mercado. Se tivessem, decretariam o fim da política de preços dolarizados”. Bohn Gass, deputado federal PT-RS

“Agora a Petrobras virou uma “República Independente”. É tanta mentira pra esconder a covardia desse governo”. Ivan Valente, professor e engenheiro

O demônio existe

Por Regina Helena Paiva Ramos (*)

15 de junho de 2022. Lua deslumbrante vigia o céu. E o país enluarado vai dormir, hoje, com a notícia dolorosa do encontro de restos mortais de Bruno Pereira e de Dom Phillips. Tínhamos certeza da morte deles. Mas quando a notícia chega o horror se instala. Brasil irá dormir, hoje, sob o signo do horror. É a palavra certa? Não sei. Que termos existem pra qualificar tudo isso?
Assisti anteontem entrevista do ex- superintendente da Policia Federal na Amazônia, delegado Alexandre Saraiva e assustei com a clareza dele. Disse nomes de políticos da Amazônia que defendem o ilícito na região. Os nomes, o Estado que representam e o partido que os acolhe. Falou da ausência do Estado na região. Ausência que permite o avanço da ilicitude, do crime. Falou da falta de equipamento: lanchas, helicópteros, armas.
E quem esteve atento à tevê nestes dias viu o presidente da República falar que “a região é perigosa, os caras foram lá sem avisar a Funai”, chamou-os de aventureiros. Não era aventura. Era trabalho. Em licença não remunerada da Funai Bruno trabalhava para a Univaja – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. Sobre Dom, o homem do Planalto disse que era mal visto na região por ter perseguido garimpeiros. Dom não perseguia ninguém, Dom procurava subsídios para um livro. E quanto a garimpeiros… ali só existe garimpo ilegal.
Resta saber agora quem mandou matar os dois: o garimpo ilegal, a pesca ilegal ligada ao narcotráfico, os madeireiros ou todos juntos, em consorcio? Os que confessaram os assassinatos estavam a mando de quem?
O ódio ao lícito domina a região. O crime avança. O horror navega em barcos velozes. As balsas do garimpo ilegal envenenam os rios. O desmatamento aumenta sem que se reprima nada. Funcionários zelosos são dispensados. O desprezo ao índio é a tônica de políticos da região. Não sei que palavras usar para descrever a morte de dois justos e o ódio que despertaram nos criminosos.
Horror. Tragédia. Crime. Vergonha. Tristeza. Safadeza. Brutalidade. Ganância. Demonismo. Sim. O demônio existe. E encarna nos viventes. Infelizmente domina vastas regiões e muita gente.
Só tenho vontade de chorar.

(*) Trabalhou na Band TV, jornal A Gazeta, revista Construção, Correio da Manhã e revista Manchete.

Tudo converge para uma única verdade

Por Mino Carta

Todos falam em democracia neste país que nunca a conheceu e, sobretudo, a praticou. Acabrunhadora a história do poder que as Forças Armadas exercem com absoluta tranquilidade na história nativa, desde o golpe destinado a derrubar a monarquia para impor a república, da qual os primeiros presidentes foram Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, ambos generais.

Sempre foi poderosa a presença de um ministro da Defesa devidamente fardado, a não ser em raros momentos de lucidez, por exemplo, de Lula, quando em lugar do general foi chamado um civil perfeitamente habilitado a ocupar o posto. E aceitam-se, no país sem democracia, alguns mitos, entre os quais, o Duque de Caxias, autor do genocídio do povo paraguaio. 

Com Bolsonaro chegamos ao ponto alto deste recurso ao poder militar, buscado, inclusive, para manter-se na Presidência a todo custo e enquanto for possível. 

Recebo da excelente editora da seção Plural o seguinte recado: “A nuvem negra que encerrava o processo se espalha e responsabiliza o poder e o País no documentário Amigo Secreto, de Maria Augusta, sobre o impeachment de Dilma Rousseff. O novo filme da cineasta, a partir de uma linguagem documental e incisiva, evoca os mecanismos ilegais adotados pela Operação Lava Jato e o engajamento de Sergio Moro na prisão de Lula”. Que democracia é esta? Graças à propaganda midiática, um personagem deplorável sob todos os pontos de vista como Moro se torna herói.

Estadão, para variar, um dos autores do apelo às Forças Armadas a favor do golpe de 1964, sustenta que Lula calado é um poeta. O jornal paulista afirma que, quando o ex-presidente fala a respeito da guerra da Ucrânia, diz o que CartaCapital afirma desde o momento do ataque de Putin. E reitera a igual prepotência e violência do imperialismo soviético e do Tio Sam. Já O Globo define Lula como um “desorientado com a cena global”. Ao que tudo indica, os jornalões empenham-se em defesa da ideia desastrada da via do meio.

A polarização neste momento é clara e a possibilidade de que ele vença no primeiro turno as próximas eleições de outubro soa como provável, ou mesmo algo mais, a demonstrar que o povo brasileiro percebeu a demência bolsonarista e não pretende partilhar dela. Falo de um povo que não chegou a ser nação por enquanto, exatamente porque por aqui a democracia não vigorou e não vigora. Ainda assim, a necessidade de nos livrarmos do bolsonarismo é agora prioridade absoluta, ainda que, depois dos golpes praticados em conjunto pelos ditos poderes da República, tenham expulsado da cena uma presidenta legitimamente eleita.

Tudo converge para uma única verdade: o País nunca foi verdadeiramente democrático. 

Hoje, conforme o IBGE, 30% da população morre de fome e cerca do dobro teme sofrer a mesma sorte. Nunca tantos nativos dormiram nas calçadas, nunca tantos temeram o pior, nunca tantos já o vivem. Enquanto isso, Bolsonaro vai a Orlando e lá celebra o aniversário da Disney, evento retumbante que o induz a promover uma motociata para deslumbrar Tio Sam. E, naturalmente, o ex-presidente Trump, ainda cultuado, insisto, pelo nosso presidente, a maioria dos brasileiros o elegeu.

Prossigo na pergunta: seria esta a democracia? Cabe apenas perguntar a Bolsonaro se prefere Mickey Mouse ou o tio do Pato Donald, o Patinhas, que costuma mergulhar em uma piscina cheia de dinheiro até a borda.