Dom Phillips, assassinado aos 57 anos, amava o Brasil e a Amazônia

Por Ana Luiza Albuquerque e Marcelo Toledo, na Folha SP

Britânico que vivia no Brasil desde 2007 foi morto no Vale do Javari, na Amazônia, junto com indigenista Bruno Pereira, 41

Há 15 anos vivendo no Brasil, o jornalista britânico Dom Phillips, 57, assassinado no Vale do Javari, no Amazonas, estava escrevendo um livro que tinha tudo a ver com sua viagem a Atalaia do Norte (AM): “Como Salvar a Amazônia”. Qualificado pelos amigos como generoso, cuidadoso, gentil e solícito, Phillips, que foi morto junto com o indigenista Bruno Pereira, 41, cresceu em Bebington, cidade 8 km ao sul de Liverpool, na Inglaterra.

Quando jovem, tocava nas ruas em busca de dinheiro. Começou sua carreira jornalística cobrindo o cenário da música eletrônica e foi editor da revista Mixmag.

O britânico escreveu um livro sobre o nascimento da cultura dos DJs e, em 2007, viajou ao Brasil atraído por colegas da área musical. A ideia inicial era ficar alguns meses em São Paulo, mas se sentiu tão em casa no país que decidiu se mudar de vez. Ele também morou no Rio de Janeiro, onde gostava de andar de bicicleta e de fazer stand-up paddle, e, nos últimos meses, se mudou para a Bahia, estado de sua mulher, Alessandra Sampaio.

Em sua trajetória profissional morando no Brasil, Phillips passou muitos anos trabalhando como freelancer para o jornal britânico The Guardian. Também escreveu para The New York Times, Washington Post, Financial Times e The Intercept.

Ele conhecia muito bem a Amazônia e tinha uma grande experiência de trabalho junto aos povos indígenas, habilidades que adquiriu por ter se dedicado a essa cobertura praticamente desde o momento em que chegou ao país. Fez em sua trajetória várias viagens consideradas perigosas e viabilizou a produção do livro depois de ter sido selecionado para uma bolsa da Alicia Patterson Foundation.

Em 2019, Phillips se tornou alvo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) após questioná-lo em um evento a respeito da escalada do desmatamento na Amazônia. O vídeo foi replicado nas redes bolsonaristas e ganhou milhares de visualizações.

“Primeiro, vocês têm que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês. A primeira resposta é essa daí”, respondeu Bolsonaro ao jornalista que amava o Brasil e a Amazônia, conforme relatou sua mulher na semana passada, ao fazer um apelo para que o governo intensificasse as buscas pelos desaparecidos.

“Ele poderia viver em qualquer lugar do mundo, mas escolheu viver aqui”, disse.

Depois do episódio de 2019, que o abalou, Phillips passou a ser reconhecido na região amazônica como “o jornalista que levou um esporro do Bolsonaro”, relata o amigo Andrew Fishman, também jornalista, que contribui com o The Intercept.

Em sua jornada em terras brasileiras, foi voluntário para ensinar inglês em favelas do Rio e, na curta estadia como morador da Bahia, dava aulas numa ONG.

Suas últimas postagens no Twitter, em 31 de maio, foram de reportagens do The Guardian sobre a Rússia e da Folha sobre o apoio do agronegócio a Bolsonaro.

A mulher de Dom Phillips, Alessandra Sampaio (foto acima), divulgou uma nota nesta quarta-feira (15) comentando a notícia da confissão dos suspeitos de matar seu marido e o indigenista Bruno Pereira em Atalaia do Norte, no Amazonas.

“Este desfecho trágico põe um fim à angústia de não saber o paradeiro de Dom e Bruno. Agora podemos levá-los para casa e nos despedir com amor. Hoje, se inicia também nossa jornada em busca por justiça. Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível”, disse a viúva do jornalista britânico.

Bruno Pereira, morto aos 41 anos, deixou cargo e foi trabalhar direto com os indígenas

Por Ana Luiza Albuquerque e Marcelo Toledo, na Folha SP

O indigenista Bruno Pereira, 41, assassinado no Vale do Javari, acumulava anos de trabalho junto aos povos indígenas e era um alvo de ameaças em razão de sua atuação na região amazônica. Ele, que deixa três filhos —duas crianças de 2 e 3 anos e uma adolescente de 16— estava desaparecido desde o último dia 5 junto com o jornalista britânico Dom Phillips, 57, e era apontado por amigos e colegas como uma pessoa que sempre quis propiciar condições para que os indígenas cuidasse das terras em que vivem da forma que quisessem.

Servidor de carreira da Funai (Fundação Nacional do Índio) desde 2010, Pereira pediu licença depois de ter sido exonerado da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados, na qual esteve por 14 meses.

Ele tinha uma vasta experiência na terra indígena Vale do Javari e foi dispensado do cargo em outubro de 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), sem motivos técnicos aparentes, de acordo com indigenistas. A exoneração do cargo foi assinada pelo secretário-executivo do ministério então comandado pelo ex-juiz federal Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública).

Naquele ano, Pereira chefiou a maior expedição para contato com os isolados em 20 anos.

Seus colegas dizem que ele estava insatisfeito com as dificuldades que tinha para atuar na Funai, que sofria pressão de superiores e que, por isso, decidiu trabalhar diretamente com ONG Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), onde estava desde então.

O coordenador executivo do Opi (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), Fabio Ribeiro, disse, no período em que ele e Phillips estavam desaparecidos, que Pereira tinha uma capacidade muito forte de mobilizar os órgãos públicos para fazer operações e que era uma figura pública na região.

Numa carta aberta divulgada após a saída dele da função na Funai, um grupo de 14 indigenistas o qualificou como plenamente qualificado para as funções e afirmou que a saída dele do cargo era um retrocesso histórico da política pública para proteção dos povos indígenas isolados. Antes de liderar a Coordenação de Índios Isolados, Pereira esteve à frente da Coordenação Regional do Vale do Javari, onde foi morto por conta de sua atuação.

Irmãos confessam assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, dizem fontes da PF

Os irmãos Oseney da Costa de Oliveira e Amarildo da Costa Oliveira confessaram o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, no dia 5 de junho, segundo fontes das Polícia Federal. Bruno e Dom desapareceram em 5 de junho no Vale do Javari, no Amazonas. Eles partiram da Comunidade São Rafael rumo a Atalaia do Norte, viagem que dura aproximadamente duas horas, mas não chegaram ao destino.

Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como “Dos Santos”, foi preso temporariamente nessa terça-feira (14). Já Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, foi preso no dia 7 de junho. Até esta quarta-feira (15), nove pessoas foram ouvidas pela polícia. Entre elas, a mulher de Amarildo, Josenete. Ela prestou depoimento na última sexta-feira (10) em companhia de um advogado e preferiu não falar sobre a prisão do marido nem sobre o caso dos desaparecidos.

Imagens divulgadas pela Polícia Federal mostram os objetos encontrados na área de buscas por Dom Phillips e Bruno Araújo Pereira, no interior do Amazonas. Foram localizados uma mochila, um notebook , camisas, bermudas, calça, chinelos e botas na área onde são feitas as buscas.

A Polícia Federal do Amazonas levou hoje ao local das buscas um dos suspeitos de envolvimento no desaparecimento na Amazônia do indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio), e do jornalista Dom Phillips, colaborador do jornal britânico The Guardian.

Uma embarcação com agentes subiu o rio Itaquaí, percorrido por Bruno e Dom quando foram vistos pela última vez no dia 5 de junho no trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte (AM). Como o suspeito estava coberto, não foi possível saber quem era. A informação foi confirmada por lideranças indígenas.

Em nota enviada hoje pelo comitê de crise coordenado pela Polícia Federal confirmou a continuidade das buscas pelos desaparecidos. “Há previsão de conclusão de parte das análises periciais ainda [hoje]”, disse.

(Com informações de Folha SP, UOL, Band News e G1)

Leandro Carvalho chega para defender o Remo e afirma que é azulino de coração

Depois de muita expectativa nos últimos dias, com direito a intensa boataria, o atacante Leandro Carvalho chegou a Belém na manhã desta quarta-feira, 15. Emprestado pelo Ceará Sporting, ele será anunciado como grande contratação do Remo para a Série C do Brasileiro.

No desembarque em Val-de-Cans, o jogador foi recepcionado e aplaudido por um grupo de torcedores. Disse que espera contribuir para o acesso azulino à Série B e confessou que torce pelo clube, apesar de ter sido revelado pelo PSC, onde atuou por três temporadas.

“Estou muito feliz com a chegada no Remo. Felicidade maior que essa nunca existiu em mim. É colocar isso em campo, dar alegria para torcida, para mim e para a minha família. Tenho vários amigos aqui que são Remo também”, disse Leandro.

Leandro estava emprestado ao Náutico desde janeiro. Não conseguiu ser titular e era pouco utilizado pelo técnico Roberto Fernandes. Nesse período, fez 18 partidas e marcou um gol pelo Timbu. Segundo fontes da diretoria remista, Leandro terá um contrato de produtividade e os salários devem ser divididos entre Ceará e Remo.

Revelado nas divisões de base do PSC, jogou 55 partidas com a camisa bicolor. Bom atacante, Leandro teve a carreira marcada por muitos problemas extracampo. Além de PSC e Ceará, atuou pelo Botafogo e América Mineiro, além do futebol da Arábia Saudita.

O jogador vai fazer os exames médicos e iniciar os treinos sob o comando do técnico Paulo Bonamigo. Caso seu nome saia no BID até sexta-feira (17), o atacante pode estrear na rodada deste final de semana. O Leão volta a campo no domingo (19), a partir das 19h, para enfrentar o Altos (PI), no Baenão.

Senado debate ataques à imprensa a partir das ameaças ao Congresso em Foco

Após as ameaças de morte direcionadas  a jornalistas, do Congresso em Foco, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado promoveu um debate sobre os ataques à liberdade de imprensa, nesta quarta-feira (15). Participaram o fundador do Congresso em Foco, Sylvio Costa, além dos jornalistas Jamil Chade, do Uol, e Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, que falaram sobre os riscos da atividade jornalística e da livre expressão no Brasil.

A reunião foi presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE).

Ao abordar os ataques aos jornalistas do Congresso em Foco, Sylvio Costa destacou a postura do site enquanto um veículo independente de imprensa e relembrou posicionamentos contra ações da gestão Jair Bolsonaro de tentativas de cerceamento à liberdade de imprensa. Ele também abordou os efeitos dos ataques e ameaças sofrido pelos profissionais.

“É uma situação grave, que abalou profundamente nossos profissionais e suas famílias. Mas não é um fato isolado. O Congresso em Foco e sua equipe têm passado por inúmeros constrangimentos desde o início do governo Bolsonaro. Talvez por termos, com grande antecedência, identificado a ascensão do então deputado Jair Bolsonaro e termos feito várias reportagens mostrando o seu envolvimento com atos antidemocráticos e possivelmente ilícitos”.

“Bancada do crime”: ex-superintendente da PF acusa Zequinha Marinho de interferir em favor de madeireiros ilegais

O senador paraense Zequinha Marinho (PL), pré-candidato ao governo do Pará nas eleições de 2022, foi um dos políticos citados pelo delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, em entrevista ao canal Globo News nesta terça-feira (14). O delegado fez uma participação ao vivo comentando sobre o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno. 

Segundo ele, os criminosos, responsáveis pelo desmatamento na Amazônia e exploração de garimpos ilegais, têm boa parte dos políticos da região Norte no bolso, incluindo governadores, deputados e senadores. “Eu tenho aqui, uma coleção de ofícios de senadores de diversos Estados da Amazônia, que mandaram para o meu chefe dizendo que eu estava ultrapassando os limites da lei, que estava cometendo abuso de autoridade. Teve senador junto com madeireiro me ameaçando”, disse.

Saraiva afirma em um trecho da entrevista que não é fácil estar na Amazônia, justamente por causa da interferência de políticos, que são financiados por grupos criminosos.

“Vou dizer nomes: Zequinha Marinho, que estava junto lá com o Ricardo Sales, no dia da Operação Handroanthus, Telmário Mota, Messias de Jesus, Jorginho Melo (de Santa Catarina!), mandou ofício… Carla Zambelli foi lá também, defender madeireiro junto com Ricardo Salles. Nós temos uma bancada do crime. Na minha opinião, de marginais. São bandidos”, afirmou o delegado Alexandre Saraiva. 

De fato, no dia 31 de março de 2021, o senador Zequinha Marinho esteve na Cachoeira do Aruã, no rio Arapiuns, em Santarém, no oeste do Pará, acompanhando o ex-ministro Ricardo Sales. Na comitiva, estava também a deputado Carla Zambelli. Neste dia, a equipe do ex-ministro foi recepcionada por madeireiros liderados pelos parlamentares, que eram os porta-vozes dos supostos donos dos lotes de madeira apreendidos. 

Antes da viagem para Cachoeira do Aruã, o Ricardo Sales se reuniu em um hotel em Santarém com um grupo de empresários ligados ao setor madeireiro. A região Cachoeira do Aruã, no rio Arapiuns, foi onde a Polícia Federal apreendeu um carregamento de madeira ilegal. A maior parte da carga já foi liberada pela Justiça Federal do Amazonas.

A ligação de Zequinha Marinho com grupos de madeireiros e grileiros de terra é histórica. Em 2020, ele postou um vídeo nas redes sociais, onde aparece acompanhado de nada menos que Jassonio Leite, apontado como o maior grileiro de terras indígenas da Amazônia. Marinho também intermediou encontro de representantes da Rondobel, alvo da operação Handroanthus, com o vice-presidente Hamilton Mourão. 

A Rondobel Indústria e Comércio de Madeiras foi responsável, segundo a PF, pela extração da maior parte da madeira apreendida na operação. Diretores da madeireira integram a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex), que fez lobby para acabar com a necessidade de que o Ibama autorize a exportação de cargas de madeiras retirada das florestas no país. 

O parlamentar paraense, em janeiro do ano passado, foi um dos políticos que se queixou dos supostos ‘excessos’ cometidos pelos federais. Marinho chamou agentes do Ibama de ‘bandidos’ e considerou a ação da PF “pior do que o Estado Islâmico”. Ex-vice-governador do Pará, e atual senador, já exerceu mandatos de deputado federal e estadual, hoje é pré-candidato ao governo do Estado.

O delegado Alexandre Saraiva esteve à frente da Operação Handroanthus da PF, deflagrada em 2020 e que apreendeu 226.760  metros cúbicos de madeira ilegal na divisa entre Amazonas e Pará. Foi a maior apreensão de madeira ilegal da história da PF. Uma carga avaliada em cerca de R$ 130 milhões. 

A investigação da Polícia Federal, à época, apontou desmatamento ilegal, grilagem de terra, fraude em escrituras e exploração madeireira em áreas de preservação permanente. 

Em 2021, Alexandre Saraiva foi transferido da Superintendência da PF no Amazonas e foi retirado do cargo um dia após apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma notícia-crime contra o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Saraiva acusava Salles de dificultar as investigações.

Na entrevista à Globo News, o delegado afirma categoricamente que é difícil conter o avanço dos crimes ambientais na Amazônia e ratificou que a interferência de políticos é maior entrave no combate às ilegalidades na região. (Com informações do portal OESTADONET)

Empresário bolsonarista é denunciado pela 3ª vez por sonegação fiscal de R$ 86 milhões

Fundador da Ricardo Eletro, Ricardo Nunes , e o então diretor Pedro Daniel Magalhães foram denunciados pela terceira vez pelo Ministério Público (MPMG) por sonegação fiscal. O caso agora é referente a R$ 86 milhões que teriam sido desviados entre junho de 2016 e maio de 2018.

Segundo o MPMG, Pedro Daniel Magalhães exerceu a função de diretor superintendente da RN Comércio Varejista de 21 de outubro de 2015 a 10 de maio de 2019 e Ricardo Nunes, segundo a denúncia, apesar de ter formalmente renunciado ao cargo de diretor-presidente em 21 de outubro de 2015, se manteve à frente da entidade até o ano de 2019, compartilhando o poder de decisão. As outras denúncias, também por sonegação, são de 2020. 

Ricardo Nunes e Pedro Magalhães já haviam sido denunciados em novembro de 2020 pelo mesmo crime, mas no período entre 2012 e 2017. Antes, em julho, eles foram alvo da operação “Direto com o Dono”, feita pelo Ministério Público, Polícia Civil, Secretaria de Estado de Fazenda e Advocacia Geral do Estado.

A operação visava desestruturar suposta organização criminosa que teria sonegado cerca de R$ 400 milhões em ICMS devidos ao estado de Minas Gerais. No dia 8 de julho de 2020, Ricardo Nunes foi preso em São Paulo. As investigações apontaram que a rede de varejo cobrava dos consumidores o valor correspondente aos impostos, mas não fazia o repasse ao estado. Ele foi solto no dia seguinte.

Em dezembro de 2020, Ricardo e Pedro foram alvo de nova denúncia, referente ao período de maio de 2016 e novembro de 2019, com sonegação no período, segundo o MPMG, de cerca de R$ 120 milhões.

Segundo a denúncia oferecida agora pelo Ministério Público, entre junho de 2016 e maio de 2018, os administradores do Ricardo Eletro, por meio da empresa RN Comércio Varejista S.A., cobraram o tributo ICMS-ST em operações de venda de mercadorias para compradores do Rio de Janeiro, mas não fizeram o recolhimento à Fazenda Pública. (Com informações do G1)

Ratanabá: fake news sobre “cidade perdida” desvia atenção dos verdadeiros problemas da Amazônia

Nos últimos dias, a suposta descoberta de Ratanabá, uma civilização secreta no coração da Amazônia, se espalhou com grande velocidade pelas redes sociais. De acordo com as postagens, que viralizaram no TikTok, no Twitter e no Instagram, a cidade seria “maior que a Grande São Paulo”, era “a capital do mundo” e “esconde muita riqueza, como esculturas de ouro e tecnologias avançadas de nossos ancestrais”.

Algumas teorias da conspiração foram além e disseram que a descoberta ajudaria a explicar “o verdadeiro interesse de dezenas de homens poderosos na Amazônia” e até o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira.

Essas informações, porém, não fazem o menor sentido. “Tudo isso é um delírio”, avalia o arqueólogo Eduardo Goés Neves, professor do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Laboratório de Arqueologia dos Trópicos do Museu de Arqueologia e Etnologia da mesma instituição.

Há mais de 30 anos, o especialista integra uma rede de pesquisadores que trabalham para revelar o passado da Amazônia e dos povos que viveram (e ainda vivem) por lá. Na avaliação dele, o surgimento de histórias como a de Ratanabá, que não têm fundamento algum nas publicações científicas recentes, presta um “desserviço à arqueologia”.

“Há mais de 20 anos, os arqueólogos que atuam na região defendem que existiam cidades na Amazônia, mas isso era visto como coisa de maluco”, conta.

“Com o passar do tempo, a perspectiva foi mudando e a comunidade acadêmica começou a aceitar que, sim, existem evidências de sítios de grande dimensão, estradas e aterros construídos há muito tempo”, continua o especialista, que reforça que essas descobertas não têm nada a ver com civilizações antigas ou tesouros ocultos.

“Agora, todo o nosso esforço pode quase voltar à estaca zero com a história de Ratanabá e a propagação de informações das maneiras mais estapafúrdias possíveis”, completa.

A seguir, confira por que os principais argumentos utilizados para falar sobre a “cidade perdida na Amazônia” não fazem sentido — e o que as evidências científicas revelam sobre a ocupação humana na maior floresta tropical do mundo.

CONTA QUE NÃO FECHA

O primeiro detalhe que chama a atenção nas postagens sobre Ratanabá são as datas utilizadas. Em alguns textos, está escrito que a civilização teria existido ali há 350, 450 ou até 600 milhões de anos.

“Isso não faz o menor sentido do ponto de vista da história geológica e biológica do nosso planeta”, responde Neves.

“Para ter ideia, nem os dinossauros existiam há 350 milhões de anos. Nossos ancestrais mais antigos viveram há mais ou menos 6 milhões de anos. Mas a nossa espécie mesmo, o Homo sapiens sapiens, surgiu há 350 mil anos na África”, estima.

Ou seja: há um erro de cálculo de, pelo menos, 349.650.000 anos nessa história.

“Se alguém falasse que existiram cidades na Amazônia há 3.500 anos eu até pensaria que essa era uma questão para tentar entender melhor e pesquisar. Agora, uma civilização há 350 milhões de anos? Não existe a menor possibilidade disso”, assinala o arqueólogo.

A segunda informação completamente errada sobre Ratanabá tem a ver com o suposto tamanho da cidade. Algumas postagens dizem que ela seria maior que a Grande São Paulo.

Mais uma vez, isso está em desacordo com as evidências científicas. “Ainda não temos uma estimativa exata de quantas pessoas viviam nessas cidades da Amazônia, mas certamente elas não tinham o tamanho de São Paulo de jeito nenhum”, diz Neves.

“Para ter ideia, no século 16, as cidades mais populosas do mundo provavelmente eram Istambul, na Turquia, e Tenochtitlán, no México. E elas tinham 50 mil, no máximo 200 mil habitantes”, calcula o professor da USP.

Atualmente, a Grande São Paulo abriga cerca de 22 milhões de habitantes. Neves calcula que, antes da chegada dos europeus nas Américas, existiam cerca de 10 milhões de indígenas em toda a Amazônia. “E esse número caiu muito a partir do século 17 por conta das guerras e das epidemias”, ensina.

O terceiro argumento que confere musculatura aos boatos sobre Ratanabá tem a ver com túneis encontrados na região amazônica ou com imagens aéreas, que mostram linhas retas e quadrados perfeitos, visíveis entre as copas das árvores.

Esses túneis, defendem as postagens nas mídias sociais, serviriam de passagem secreta e conectariam diversas partes da América do Sul.

As linhas retas, por sua vez, não existem na natureza e seriam fruto de trabalho humano, garantem os boatos. Neves esclarece que realmente existem túneis na Amazônia. “As imagens divulgadas provavelmente vêm da região do Forte Príncipe da Beira, em Rondônia, que era um posto colonial português.”

“Essas construções estão relacionadas às disputas de fronteira entre Espanha e Portugal nas proximidades do rio Guaporé ao longo do século 18”, complementa. Mas e as linhas retas? Pelas poucas imagens disponíveis, Neves acredita que elas sejam de uma região próxima da fronteira entre os estados do Mato Grosso, Pará e Amazonas.

“Essas formações são conhecidas há muito tempo e realmente parecem linhas perpendiculares, o que é uma coisa incomum”, avalia. “As principais suspeitas são de que seja uma formação natural de calcário ou algum tipo de rocha que segue esse padrão”, diz o arqueólogo. “É improvável que aquilo seja de autoria humana. Mas, caso realmente tenha sido feito pelos povos locais, essas construções não devem ter mais do que 2,5 mil anos”, completa.

Neves, que não possui nenhum perfil nas redes sociais, confessa que nunca tinha ouvido falar de Ratanabá até a segunda semana de junho de 2022.

“Quando começaram a me perguntar sobre isso, até fui pesquisar e consultar outros colegas que estudam a arqueologia amazônica, mas ninguém conhecia essa história”, relata. Embora existam perfis nas redes sociais e até livros publicados sobre a tal “civilização perdida” nos últimos anos, o tema só ganhou o interesse popular e foi virar um assunto amplamente comentado nos últimos dias.

Na avaliação de Neves, o fenômeno pode ser explicado por uma série de fatores.

“Me parece uma mistura da ingenuidade das pessoas, que querem acreditar nesse tipo de coisa, com interesses econômicos de exploração da Amazônia”, especula o especialista, que lembra de outras lendas parecidas, como a cidade de Eldorado, alvo de exploradores ao longo dos séculos por supostamente ser feita de ouro.

“E também não podemos ignorar o racismo nesse contexto. Quando se fala que existiram civilizações ‘avançadas’ há 300 milhões de anos, você está retirando dos povos ancestrais, que são os antepassados dos indígenas de hoje, a autoria de todas aquelas construções”, acrescenta.

“É algo parecido ao que vemos no livro Eram os Deuses Astronautas?, de Erich von Däniken. Ali, soa mais fácil explicar que as pirâmides do Egito foram construídas por seres extraterrestres do que dar o crédito aos povos africanos”, compara.

“E tudo isso denota um profundo racismo com todas as populações não europeias, como os indígenas e os africanos, como se elas não fossem capazes”, interpreta. Por fim, o arqueólogo opina que o fato de lendas do tipo ganharem fôlego justamente agora serve como uma espécie de balão de ensaio.

“Elas funcionam como cortina de fumaça num momento em que temos duas pessoas desaparecidas e desviam a atenção do real problema da violência na Amazônia”, completa. (Transcrito do UOL)