

POR GERSON NOGUEIRA
Há poucos dias, fazendo um comentário na Rádio Clube, lamentei que um jogador como Ronald fosse tão pouco aproveitado no time do Remo. Foi sempre deixado de lado por todos os técnicos nos últimos dois anos – que ninguém culpe apenas Paulo Bonamigo, os outros também agiram assim, incluindo Felipe Conceição em 2021.
Na observação que fiz, remetia ao fato de que jogadores rápidos e habilidosos, geralmente ponteiros, são vítimas de uma caçada cruel pelos defensores e são vítimas da conivência de árbitros frouxos, que não aplicam a lei com rigor.
Contra o Mirassol, Ronald levou quatro entradas criminosas. Uma delas gerou expulsão, outra provocou um cartão amarelo. No final, saiu de campo capengando. Diante do Floresta, ao entrar já no 2º tempo e dar ao time uma vivacidade inexistente até então, virou alvo da fúria de seus marcadores. Sofreu lesão grave (rompimento dos ligamentos do joelho), confirmado ontem, com diagnóstico de seis meses de tratamento.
Rompimento dos ligamentos do joelho é uma das lesões mais sérias do futebol e particularmente danosa a carreiras como a de um jogador como Ronald, que é essencialmente um atacante de velocidade. Como ficará fora de combate até o ano que vem, resta lamentar que o Remo raras vezes teve em campo no Brasileiro seu jogador mais promissor. No Parazão, teve mais chances e brilhou.
Na Série C, à medida que foram chegando as peças novas, como Rodrigo Pimpão e Fernandinho, ele perdeu espaço. Transformou-se inclusive em terceiro ou quarto reserva. Nos jogos em Belém, sob pressão da torcida, era lançado por poucos minutos. Longe daqui, sem torcida a azucrinar os ouvidos do técnico, Ronald nunca foi escalado.
Diga-se: foi esquecido em pelo menos dois jogos fundamentais para o Remo nesta temporada, fora de Belém. Eram situações adequadas ao estilo dele. Primeiro, contra o Cruzeiro pela Copa do Brasil, em BH, talvez a partida mais importante no semestre porque estava em jogo ali uma bonificação de R$ 3 milhões. O time acabou perdendo no tempo normal e foi derrotado nos penais.
Depois, contra o Ypiranga, em Erechim, o Remo novamente sentiu falta de um jogador que funcionasse como válvula de escape pelo lado esquerdo do ataque. Ronald ficou de fora. Essas e outras situações revelam que Ronald definitivamente não era visto como prioridade ou alternativa.
Quando for necessário impor aceleração e explorar contra-ataque, o Remo não terá opções no banco. Não que não existam. No sub-17, há um jogador, Ricardinho, que tem mais ou menos as mesmas características de Ronald, mas que certamente por ter esse perfil não desperta atenção e um olhar mais generoso de quem cuida das escolhas.
Não há de ser nada, com 19 anos, Ronald e seu futebol de dribles e arrancadas estarão de volta em 2023, plenos e prontos a serem aproveitados com mais constância, até porque certamente tem uma longa estrada a percorrer.
Papão usa agressividade e vibração como armas
O PSC continua firme em sua campanha invicta e impecável quanto a resultados dentro de casa, considerando aqui como casa o estádio da Curuzu, em Belém. Foram três jogos e três vitórias. Nesta segunda-feira, a equipe de Márcio Fernandes foi dominante e imprimiu ritmo forte para intimidar o Manaus. Deu certo.
Teve controle pleno do jogo, principalmente por ter uma meia-cancha formada por jogadores de habilidade – Wesley, José Aldo, Gabriel Davis e Serginho. No segundo tempo, isso se ampliou com a substituição de Wesley por João Vieira. O técnico bicolor percebeu que o Manaus não levava nenhum tipo de perigo porque mantinha apenas o camisa 9, Ibiapino, como homem de ataque.
O resto do time amazonense ficava no campo de defesa se defendendo. Diante disso, não era preciso destacar ninguém para ficar marcando. Optou então por fazer o time rondar a área do Manaus. Não foi bem sucedido, apesar da insistência na variação de jogadas, mas o Papão chutou pouco e sentiu a falta de um homem de referência na área.
No segundo tempo, o time voltou ainda mais empenhado em pressionar e o gol acabou nascendo de um lance fortuito: um pênalti reclamado pelos amazonenses como inexistente, mas que o árbitro assinalou. Danrlei bateu e abriu o placar logo aos 17 minutos.
O PSC deu uma relaxada e recuou um pouco suas linhas. Isso assustou o torcedor, ainda mais depois de duas tentativas do Manaus perigosas em cruzamentos pelo lado esquerdo do ataque. Aí a torcida fez o seu papel vigilante e começou a incentivar o time a sair daquele marasmo. Foi prontamente atendida.
José Aldo, maestro da equipe e principal jogador em campo, pegou uma bola junto da linha lateral no ataque, driblou e chutou no canto direito, fechando o placar.
O gol coroou uma vitória importante e merecida. Consolidou um estilo, uma prática deste PSC de Márcio Fernandes na Série C. Quando joga em casa, comporta-se como um mandante agressivo o tempo todo, desde os primeiros minutos. Por vezes não dá certo no começo, porém o rolo compressor amedronta o visitante e empolga o torcedor.
Isso é fundamental na Série C, um campeonato nivelado por baixo. Os times que vem jogar em Belém não são superiores aos daqui e é possível impor pressão que acelere o processo de erros defensivos do adversário.
Contra o Manaus, graças a esse expediente muito bem executado, o time passa a ocupar a quarta colocação do campeonato, posição de grande valia quase na metade da fase de classificação.
(Coluna publicada na edição do Bola desta quarta-feira, 01)
Por Tales Torraga, no UOL
Dos 16 times das oitavas de final da Libertadores da América 2022, nada menos que quase a metade é treinada por argentinos, enquanto o único técnico brasileiro é Felipão, no Athletico-PR. Estamos simplesmente diante de um novo 7 a 1 — desta vez na quantidade de técnicos argentinos em comparação com os brasileiros na Libertadores.
O abismo se vê também nas seleções. Dos dez países das Eliminatórias Sul-Americanas, seis agora têm treinadores argentinos, e Tite é o único representante do Brasil. A lista de técnicos argentinos: Lionel Scaloni (Argentina), o recém-assumido Eduardo Berizzo (Chile), Ricardo Gareca (Peru), Gustavo Alfaro (Equador), Guillermo Barros Schelotto (Paraguai) e José Pekerman (Venezuela). A questão deixou de ser a qualidade para aplacar também a quantidade. Somando clubes e seleções, há apenas dois brasileiros trabalhando hoje na elite do continente (Tite e Felipão). E nada menos que 13 argentinos ocupando os mesmos postos.
A discrepância é ainda mais dramática ao se olhar para a idade dos treinadores. Enquanto o Brasil aposta apenas em técnicos consagrados como Felipão (73 anos) e Tite (61), a Argentina prova que sua formação é constante e fornece profissionais de diferentes gerações. Técnicos jovens que acabaram de completar 40 anos? Há Sebastián Battaglia (41), Lionel Scaloni (44), Marcelo Gallardo (46, foto 1), Juan Pablo Vojvoda (47) e Guillermo Barros Schelotto (49).
Mais rodados, acima dos 50? Estão trabalhando Eduardo Berizzo (52), Turco Mohamed (52, foto 2), Daniel Garnero (53, do Libertad) e Gustavo Alfaro (59). Há espaço também para os veteranos como Ricardo Zielinski (62), Ricardo Gareca (64), Julio Cesar Falcioni (65) e José Pékerman (72), provando que a Argentina não olha a idade na hora de esperar qualidade. Outro forte exemplo do quanto a formação argentina é plural?
O ex-volante Fernando Gago, técnico do Racing, que acabou de completar 36 anos. Quando Felipão conquistou o penta com o Brasil em 2002, Gago sequer havia estreado como jogador (em 2004 pelo Boca). Vale olhar também para o caso de Javier Mascherano, de 37 anos, que recusou propostas de times grandes argentinos para comandar a seleção sub-20 em seu país.
Quem lê a coluna sabe que sempre refletimos sobre a quantidade de técnicos argentinos na elite e a ausência de exemplos brasileiros. Como os argentinos costumam brincar, o Brasil “pode ser a terra dos jogadores, mas a Argentina é o país dos técnicos de futebol”.
De fato, o interesse do país vizinho em seguir a carreira é incomparavelmente maior. E sem falar no gosto por aventuras.
Gago, por exemplo, deixou para trás a vida de luxo vivida em Roma, Madri e Buenos Aires sem pensar duas vezes antes de enfrentar o calor de janeiro na modesta sede do Aldosivi, onde estreou como técnico. Hernán Crespo é outro bom personagem. Depois de tanta badalação em Milão, Londres e Núñez, fez o mesmo que Gago, mas no Defensa y Justicia, de Florencio Varela, subúrbio de Buenos Aires.
Não se vê, nos grandes ex-jogadores brasileiros, a mesma aptidão para treinar um time e encarar este futebol “minuto a minuto” das redes sociais. O volume de treinadores argentinos é de fato enorme, e o país já soma mais de 15 mil técnicos licenciados.
Levantamento do Centro Internacional de Estudos do Futebol, na Suíça, revelou há dois anos que a Argentina era então o país com mais treinadores em todo o mundo – 68 técnicos ativos, em 22 ligas. O Brasil? Só 16 (23,5% da Argentina).
A elite hoje dá um panorama preciso da eficiência do alcance vizinho. Na Europa, impossível não mencionar Mauricio Pochettino e Diego Simeone (Atlético de Madri). No Brasil, até outro dia, Jorge Sampaoli e Eduardo Coudet. A formação argentina é concorrida e tradicional: o curso para ser técnico existe desde 1963, e o diploma é exigido desde 1994.
Quem estudou qualquer assunto no país sabe da tradicional paixão argentina por conhecimento, gerando boas escolas e professores obsessivos, de tão exigentes que são.
No futebol não é diferente. Os três anos de cursos são transcorridos sem dramas e com interesse cada vez maior, pois as aulas se desdobram a temas cotidianos como psicologia e neurociência. Lucas Pratto, Loco Abreu e Andrés D’Alessandro, para ficar só em três exemplos bem conhecidos no Brasil, já encararam a dose de aulas e estão aptos a ser técnicos.
Basta ter interesse: qualquer candidato, inclusive do Brasil, pode estudar à distância no campus virtual da ATFA (Associação de Técnicos do Futebol Argentino). A mescla da tradição do ensino e interesse dos alunos impede qualquer “furada de fila”. Mesmo estrelas nos campos suam nos campus.
Outra brincadeira bastante repetida na Argentina é o “aluno comer o livro como o jogador come a bola”, ilustrando a raça necessária para lidar com a alta dose de estudos. Em cenários assim, o QI (“Quem Indica”) não existe – quem quer ver um argentino bravo é falar disso, por brincadeira que seja.
O portenho em especial se vê não raramente como um referente mundial de intelecto, e é difícil tirar-lhe a razão, principalmente quando o papo se encaminha para os cinco prêmios Nobel conquistados pelo país entre 1936 e 1984 (e todos com larga atuação na mesma universidade, a UBA, de Buenos Aires).
Uma das explicações para este aspecto é o investimento em educação nas décadas passadas. A dimensão do país, claro, contribui. A população argentina hoje é de cerca de 45 milhões (e 211 milhões de brasileiros). A prioridade na educação ficou para trás, como mostram as datas dos prêmios Nobel, mas a base é forte e exigente, integral e multicultural. Quem encara com afinco os estudos em Buenos Aires termina com uma bagagem rica e uma formação que muitas vezes que não deixa nada a desejar à europeia.
Voltando aos técnicos, já caducou usar o idioma como desculpa (o que responder a quem insiste nisso em pleno 2022?).
Pochettino está na França, Bielsa era referência na Inglaterra, Schelotto e Almeyda andaram muito bem nos Estados Unidos. Relacionar o espanhol ao sucesso está obsoleto. E o Brasil nisso tudo?
Com a palavra, outro colega, Julio Gomes.
“O Brasil não forma cidadãos, o Brasil não consegue formar pessoas, como é que ele vai formar técnicos? O Brasil não tem escola de técnico de futebol, isso começou a ficar claro para os dirigentes.”
Técnicos argentinos nas Eliminatórias Sul-Americanas e oitavas da Liberta:
Marcelo Gallardo (River Plate)
Ricardo Zielinski (Estudiantes)
Turco Mohamed (Atlético-MG)
Juan Pablo Vojvoda (Fortaleza)
Sebastián Battaglia (Boca Juniors)
Julio César Falcioni (Colón)
Daniel Garnero (Libertad)
Lionel Scaloni (seleção argentina)
Ricardo Gareca (Peru)
Guillermo Barros Schelotto (Paraguai)
José Pékerman (Venezuela)
Eduardo Berizzo (Chile)
Gustavo Alfaro (Equador)
Técnicos brasileiros nas Eliminatórias Sul-Americanas e oitavas da Liberta:
Felipão (Athletico-PR)
Tite (seleção brasileira)