A moça que não era louca

Por André Forastieri, no Forasta News

Quase nove da noite na redação do grande portal e começa o zumzum: viu o caso de estupro do Mackenzie? A polícia está lá na escola. Cinco alunos estupraram uma menina.
Parece que foram jogadores de rúgbi. São uns animais! O Mackenzie sempre teve esses trogloditas. Lembra do Comando de Caça aos Comunistas? Hei, aqui estão as fotos, um grupo feminista postou a denúncia na internet. Quer ver?
Quero, claro.
Os acusados parecem bem felizes. Fazem caretas pra câmera e sinal de positivo. A foto é em close, de peito pra cima, todos os peitos nus, quatro homens.
A segunda foto é de uma mulher nua, cabelo escuro, corpo jovem e bonito. Está deitada de bruços em uma cama desarrumada. A bunda, em primeiro plano, exibe marcas vermelhas de mãos.
É a semana em que o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) publicou uma pesquisa afirmando que 65% do povo brasileiro acha justificável o estupro, caso a mulher esteja usando roupas provocativas.
Uns dias depois, o IPEA soltou comunicado informando um erro tôsco, e baixou este número de 65% para 26%. O que transformou o Brasil instaneamente da bunker machista a paraíso liberal.
A barbeiragem causou a demissão de um diretor do IPEA. Antes, deu margem a mais uma cansativa catilinária sobre como nosso país é um lixo, como o brasileiro é um monstro etc.
Foi mais um show de indignação dos guardiões da flama politicamente correta, sempre alertas para qualquer desvio da ortodoxia da autovitimização. Cartazes pipocando no Facebook, “Eu não mereço ser estuprada”. Quando esse caso do “estupro do Mackenzie” apareceu, foi lenha na fogueira.

Um dia depois veio a surpresa, de calar a boca e cair o queixo. Dois repórteres do G1, Kleber Tomaz e Amanda Previdelli, localizaram e entrevistaram a moça. Ela tem 19 anos. Está fazendo intercâmbio fora do Brasil. Não quis se identificar, naturalmente. Mas falou bastante. E falou bonito:
“Não aconteceu estupro. Foi consentido sim. Eu gostaria que fosse investigado quem foi que vazou a foto, porque me constrangeu.”
“A minha opinião pessoal é que foi devido a essa campanha do Ipea, ‘Não mereço ser estuprada’. Esta pesquisa é pura manipulação política, para desviar a atenção do foco de outras coisas que estão acontecendo no país. Acho que as pessoas estão presumindo que qualquer coisa é estupro”.
Ela disse que foi procurada por um grupo feminista, que se mostrou preocupado com as fotos e levantou a possibilidade de abuso. “Descobriram meu e-mail pessoal, presumiram um monte de coisa, falaram que iam expulsar os meninos da faculdade, e eu não sabia o que estava acontecendo”.
“Falei com elas que foi extremamente machista elas presumirem que aquele tipo de foto era estupro. Normalmente o feminismo consiste em que a mulher possa fazer o que ela quer”.
Segundo o delegado que investigou o caso, a garota explicou que tinha um relacionamento com um dos rapazes. Foi ela mesma que sugeriu ao namorado experimentar sexo grupal. Não foi estupro, foi uma orgia. E pelos sorrisos dos rapazes na foto, bem divertida.
No depoimento, ela também disse que permitiu as fotos, mas não sua divulgação. Agora a investigação está limitada à questão da divulgação das fotos, “crime contra a honra e dignidade”, coisa que nunca dá em nada.
As declarações da moça, logo depois do anúncio da erro grosseiro na pesquisa do IPEA, foram um balde de água fria na fogueira da inquisição feminista-de-araque.
Toda penetração é estupro, diziam algumas pseudo-feministas dos anos 70, nos Estados Unidos. Susan Brownmiller garantia: “estupro é nada menos que um processo consciente de intimidação, pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres intimidadas.”
É esse tempo de trevas que alguns grupelhos brasileiros querem ressuscitar, em pleno século 21. Felizmente, estão restritos a boquejar inocuamente no Facebook. Felizmente, existem garotas de 19 anos que entendem o verdadeiro significado da palavra “feminismo”.
Uma colega, jornalista jovem e inteligente, deu a sentença: “essa mulher é louca”. Pois eu acho a mocinha admirável na sua articulação e determinação. Sei, Forasta, mas vai ser hipócrita lá longe, se fosse sua filha você não estava dizendo isso, né?
A única maneira de responder isso honestamente é invertendo os papéis. Digamos que a história fosse de um cara de 19 anos, que transou com cinco mulheres ao mesmo tempo. Alguém estaria chamando ele de louco? Não, estaria todo mundo batendo palmas pro garanhão, o moleque deve ser o bicho na cama…
Dizer que estupro é coisa de monstro é violentar a razão. É crime com causas claras, estatisticamente identificadas e facilmente combatíveis, se a sociedade assim decide. As razões que se repetem em todas as pesquisas sobre estupro, nos quatro cantos do planeta: miséria, violência, cultura patriarcal.
Meninos que crescem sem nada, levando porrada, e aprendendo que mulher é inferior ao homem, entendem que a força é ótima (talvez única) maneira de conquistar o que querem, inclusive sexo.
Sociedades mais igualitárias, educadas, pacíficas, tolerantes e desarmadas têm muito menos estupros que suas contrárias. Simples e complicado assim.
Justiça é distribuir direitos e deveres para todas as pessoas de maneira equânime. É mais um ideal do que uma realidade, sem dúvida. Mas implica o direito de cada um fazer o que bem entender com seu corpo. Seja homem ou mulher.
Palmas pra moça que transou como quis, com quem quis, e peitou a patrulha pseudo-feminista. Tô contigo, minha filha e não és louca não. Agora, você é doida de deixar tirarem foto – pô, é a regra número um do mundo digital, nunca deixe alguém tirar sua foto sem roupa! Onde tavas com a cabeça, menina?

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(Esse texto acima é de 2014. O feminismo ultra-radical, anti-homem, é bem mais popular no Brasil hoje que então.
Muitas de nossas jovens bem-nascidas têm certeza de que existe um “patriarcado”, uma conspiração opressora de homens brancos abonados e influentes.
Colaborei um pouco. Foi nossa editora, a Conrad, que publicou a primeira edição brasileira de “Scum Manifesto”. É o maior clássico do feminismo militante, escrito por Valerie Solanas, criminosa e louca. A gente se orgulhava de publicar na Conrad livros que ninguém mais publicaria…
O Brasil de 2022 é ainda mais injusto e violento com as mulheres que o de oito anos atrás. Com os homens também. Não por culpa das feministas, com certeza. Nem as de verdade, nem as de araque.
O Brasil de hoje também é menos livre que em 2014. Uma das razões são os julgamentos instantâneos e definitivos das redes sociais.
Se o caso acima acontecesse hoje, os cinco caras teriam suas identidades reveladas e achincalhadas em minutos. E tenho dúvidas se em situação semelhante, em 2022, uma garota seria tão honesta e transparente.
Espero que sim. E espero que a feminista que pegou os cinco caras, lá em 2014, esteja bem, onde estiver. Aliás: aposto que está.)

NOW YOU DON´T
Continuo tão distante quanto possível das redes sociais. Muito trabalho – e muito trabalho novo. Também muita leitura. E há que mexer o esqueleto, esticar as canelas e alongar e suar e espreguiçar, que ninguém aqui tá ficando mais jovem.
Astúcia, silêncio e exílio, já pregava o tal de James Joyce.
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Bjs!

Um comentário em “A moça que não era louca

  1. Bom dia,
    Parabenizo pelo texto forte, que acredito, que poucos jornalistas teriam coragem de expor, até por causa da cultura do cancelamento. Infelizmente em todo grupo, mesmo nos que têm pautas sociais relevantes, existem pessoas que só pensam em fama ou em projetos políticos e acabam radicalizando no discurso, esquecendo que a virtude está no equilíbrio.

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