Artistas e personalidades lançam manifesto “Democracia Sim!”

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Um manifesto assinado por artistas e personalidades públicas, divulgado neste domingo (23), afirma que a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) “representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial”.

Entre os nomes divulgados como de signatários estão os dos cantores e compositores Caetano Veloso e Chico Buarque, das atrizes Dira Paes e Camila Pitanga, dos diretores de cinema Walter Salles e Fernando Meirelles, além do publicitário Washington Olivetto, da apresentadora Bela Gil e do médico e colunista da Folha Drauzio Varella.

Intitulado “Democracia Sim”, o texto diz que “é preciso recusar sua normalização [da candidatura de Bolsonaro], e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós”.

“Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos”, afirma o manifesto. “Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo”.

“Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos. Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim agora.”

Bolsonaro, que atualmente está internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, após um atentado a faca, lidera as intenções de voto para a Presidência na pesquisa Datafolha, com 28%. Com informações da Folhapress.

The Nation: plano das elites de destruir o PT fracassou

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Uma das mais importantes publicações de esquerda dos Estados Unidos, a revista The Nation, acaba de publicar reportagem sobre o cenário político-eleitoral brasileiro com o título “O plano das elites brasileiras de destruir o Partido dos Trabalhadores fracassou”. Logo abaixo do título, lê-se: “O candidato do partido, Fernando Haddad, está subindo nas pesquisas, mas o neofascista – e o favorito – Jair Bolsonaro está ganhando o apoio da elite”. O texto, minucioso e sagaz, é assinado pelo jornalista Andy Robinson, que é também repórter do jornal La Vanguardia, de Barcelona. Na reportagem, o reconhecimento do psicólogo Aldo Zaid, de São Paulo: “Eu considerava Lula um gênio político; depois do que ele fez na prisão, acho que ele é um mago”.

Leia o artigo em tradução do 247 ou a versão original clicando aqui:
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O plano era o seguinte: negar a legitimidade da vitória eleitoral de Dilma Rousseff em 2014. Impulsionar o impeachment por uma acusação forjada (contabilidade criativa para disfarçar um déficit orçamentário). Organizar protestos em massa contra o Partido dos Trabalhadores (PT) e apoiar os promotores da operação de combate à corrupção Lava Jato, que pretendiam processar Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente popular do Brasil e antigo líder petista, por corrupção e lavagem de dinheiro. Incentiva os grandes meios de comunicação, animados pela poderosa rede Globo, a identificar o PT como a causa básica da corrupção institucional no Brasil. Conseguir apoio internacional à medida que os prêmios se acumulavam sobre os líderes da Lava Jato, com formação em Harvard, e como The Economist resumiu no título: “Dilma, hora de ir”.

Então, uma vez que Rousseff foi removida, implementar um plano de choque neoliberal – eufemisticamente rotulado pelo novo presidente Michel Temer como a “ponte para o futuro” – com privatizações aceleradas, liquidação de ativos brasileiros para investidores internacionais, austeridade draconiana e desregulamentação do mercado de trabalho. Os mercados responderiam e a confiança voltaria. Uma recuperação econômica liderada pelo setor privado lançaria as bases para uma bem-sucedida campanha presidencial do Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB), de centro-direita, apoiado por todos os analistas sensatos de São Paulo, Wall Street e Washington. Lula, sempre uma ameaça devido àquele maldito carisma, seria levado para a prisão. Um governo do PSDB, liderado pelo governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, colocaria o Brasil de volta no caminho neoliberal na medida em que a maré rosa da América Latina da década anterior recuasse. Em 2014, isso soou como um plano.

Na semana passada, quando um novo conjunto de pesquisas de opinião apontava para um segundo turno entre o direitista Jair Bolsonaro e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, candidato do presumido-falecido PT, o plano estava definitivamente em frangalhos. (O primeiro turno das eleições será realizado em 7 de outubro; se nenhum candidato receber mais de 50%, um segundo turno está marcado para 28 de outubro. Os eleitores elegerão não apenas um novo presidente e vice-presidente, mas também governadores e legisladores.) Alckmin está comendo poeira nas pesquisas. Ele está pelo menos 10 pontos atrás de de Bolsonaro e, em um eleitorado que ainda se divide entre direita e esquerda, é altamente improvável que ambos possam progredir para o segundo turno. O senador do PSDB Tasso Jereissati anunciou publicamente em 12 de setembro: “Cometemos alguns erros monumentais: não aceitar o resultado das eleições de 2014 foi um deles (sempre fomos um partido que defende instituições e respeita a democracia); apoiar o impeachment [de Dilma] foi outro e entrar no governo de Temer, um terceiro”.

Uma rápida pesquisa sobre o panorama da campanha eleitoral a menos de três semanas antes do primeiro turno mostra quão fidedigna pode ser a admissão de culpa de Jereissati. A estratégia das elites tornou-se um tiro pela culatra. O apoio a Lula cresceu de 15% para 40% desde 2016 e parece ter sido impulsionado por seus cinco meses de prisão. A taxa de rejeição do juiz Sérgio Moro, um super-herói no retrato da mídia, é agora maior do que a de Lula, o homem que ele colocou na prisão. O impeachment de Dilma agora é considerado retrospectivamente por uma grande parte do eleitorado como um golpe de Estado. O golpe  também impulsionou a ascensão de Bolsonaro, iniciada por grandes comícios de direita, coreografados pela mídia da Globo e pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), cujo gigante pato inflável liderou as marchas na Avenida Paulista.

No que diz respeito ao apoio internacional, Lula acumulou muitos recentemente, ajudado por seu editorial no The New York Times e um apelo do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que ele possa concorrer como candidato. O plano de direita para a recuperação econômica está morto. Enquanto os mercados receberam bem o fim de Dilma, a lua de mel foi seguida por estagnação, com o desemprego agora em níveis recordes e a pobreza em alta novamente. O PIB caiu 7% entre 2014 e 2017 e a renda familiar média em 14%.

O investimento privado não se recuperou, como previa o plano das eleites, e foi na verdade atingido pelo colapso do investimento público. Os gastos do consumidor despencaram, à medida em que a frágil nova classe média que surgiu durante a presidência de Lula encara a pobreza mais uma vez. A austeridade – previsivelmente, dada a experiência da Europa – simplesmente consolidou a recessão, ao mesmo tempo em que reverte o progresso do Brasil no combate à pobreza. A mortalidade infantil aumentou 5% em 2016, e o Brasil fica atrás da Venezuela no cumprimento das metas de desenvolvimento humano.

O ministro da Fazenda de Temer, Henrique Meirelles, mostrou-se audacioso o suficiente para decidir concorrer às eleições, mas tem uma taxa de apoio de apenas 3%. Seus anúncios eleitorais mudaram recentemente, ressaltando sua posição de presidente do Banco Central durante o governo Lula de 2005. É até cômico assistir. “O que aconteceu é que grande parte do eleitorado achava que o PT era o partido culpado pela recessão. A popularidade de Lula atingiu o ponto mais baixo no auge da recessão, mas na medida em que a economia estagnou, as pessoas estão lembrando os anos de bonança com Lula e seu apoio cresceu ”, diz Josué Medeiros, cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A estratégia de Lula-Gramci encarcerado, coordenando de sua cela a tarefa aparentemente impossível de reconstruir o apoio ao PT, contrasta com o plano das elites, gestado em salas de diretoria e restaurantes de luxo. Como Lula previu, a transferência de votos para Haddad agora parece bem encaminhada. Na última pesquisa do Ibope, o apoio de Haddad mais do que dobrou em menos de uma semana, para 19%, atrás apenas dos 28% de Bolsonaro. Em uma carta lida em voz alta na vigília do lado de fora da prisão de Curitiba, onde Lula está sendo realizada, o líder histórico da esquerda brasileira declarou: “Lula agora é Haddad”.

“Eu considerava Lula um gênio político; depois do que ele fez na prisão, acho que ele é um mago ”, disse Aldo Zaid, psicólogo de São Paulo.

Em um segundo turno com Bolsonaro, Haddad, ex-ministro da Educação de Lula, seria o favorito, já que a taxa de rejeição de Bolsonaro é enorme (mais de 40%). Mas no Brasil, isso significaria a perspectiva, horripilante à direita, de outro governo do PT apenas três anos depois que os bancos e líderes empresariais alertaram ameaçadoramente sobre um “caminho bolivariano” no Brasil. Apenas outro candidato, Ciro Gomes, parece ter alguma chance de derrotar Haddad e, assim, ir com Bolsonaro no segundo turno. Mas Gomes pode oferecer pouco conforto às elites. Ele é um nacionalista de esquerda que se opõe ferozmente à austeridade e à privatização e até se comprometeu a bloquear a anunciada venda da fabricante de aviões brasileira Embraer à Boeing.

Marina da Silva, um possível último recurso para a elite brasileira e investidores internacionais, graças à sua mistura original de política econômica neoliberal e proteção ambiental, está perdendo apoio em mais uma corrida eleitoral, em sua terceira tentativa na presidência

O fracasso catastrófico do plano do establishment paulista de apagar o PT da política brasileira levanta uma questão intrigante: com Meirelles e Alckmin rastejando nas pesquisas, as elites e os mercados globais de investidores em países emergentes irão mudar seu apoio rumo à figura extremamente desagradável de Jair Bolsonaro? Embora os alertas de fascismo iminente possam ser exagerados nos Estados Unidos e na Europa, no Brasil a ameaça Bolsonaro está preocupantemente próxima da realidade. Ele defendeu abertamente a necessidade de intervenção militar e nomeou o recentemente general aposentado Hamilton Mourão como candidato a vice-presidente. Em referência à corrupção, Mourão defendeu publicamente a intervenção das Forças Armadas para “resolver a questão política” que o Brasil enfrenta agora.

A frase de propaganda de Bolsonaro sobre o complexo problema criminal do Brasil é “o melhor bandido é um bandido morto”. Após seu esfaqueamento quase letal no início de setembro, Bolsonaro foi fotografado fazendo um gesto de pistola com dois dedos de sua cama de hospital. Ele também é cruelmente homofóbico e misógino; ele disse a uma deputada do PT durante o processo de impeachment: “Você é muito feia para ser estuprada”. Apesar disso, ele pode ser a única opção para os neoliberais. “Estamos agora em uma nova fase do neoliberalismo fascista”, argumentou o sociólogo francês Christian Laval na última sexta-feira, em uma reunião eleitoral realizada pelo Partido do Socialismo e da Liberdade (PSOL), a alternativa de esquerda de Guilherme Boulos ao PT. Isso impressionou o público do Rio de Janeiro, ainda se recuperando da perda da vereadora de esquerda Marielle Franco, que foi morta a tiros em março passado. Enquanto os juízes da Lava Jato se moveram com pressa incomum contra Lula, os assassinos de Franco ainda estão à solta.

A domesticação de Bolsonaro já pode estar em andamento. Paulo Guedes, seu assessor econômico formado pela Universidade de Chicago, persuadiu o candidato a dispensar seu anterior apoio de traço nacionalista a empresas estatais como a Petrobras. Bolsonaro é agora um privatizador radical. Wall Street e o establishment dos EUA estão dando uma mãozinha. Guedes, um dos “garotos de Chicago” que trabalhou no Chile durante a ditadura de Pinochet, ajudou Bolsonaro a se relacionar com investidores e analistas dos mercados emergentes nos Estados Unidos. Bolsonaro visitou Nova York no ano passado, onde foi entusiasticamente recebido por Shannon O’Neil no Council on Foreign Relations. O’Neil não teve escrúpulos em discutir política com um neofascista brasileiro, mas, como John Ackerman observou em um artigo em The Nation, ela, ao contrário alertou com dureza sobre o suposto perigo para os interesses americanos de Andrés Manuel López Obrador, que em breve será empossado como novo presidente do México.

Os mercados financeiros parecem estar chegando à ideia de uma presidência de Bolsonaro como a única alternativa ao PT. Esta percepção aumentou à medida em que as pesquisas de opinião favoreceram Bolsonaro. O crescimento de Haddad na semana passada provocou alarmes. Obviamente, Alckmin é o verdadeiro favorito dos investidores globais, o que pode explicar o salto nos preços das ações e da moeda brasileira quando foram divulgadas as notícias sobre o esfaqueamento de Bolsonaro – os mercados talvez esperassem que o ataque se mostrasse letal. Mas agora que ele não está apenas se recuperando, mas seus índices estão se fortalecendo, há sinais de que ele está ganhando o apoio da elite. “A força de Bolsonaro parece agradar aos investidores”, disse Álvaro Bandeira, economista-chefe da corretora Modalmais. Enquanto isso, os entrevistadores da Rede Globo eram visivelmente menos agressivos com Bolsonaro em sua campanha na TV do que com Haddad.

Curiosamente, Haddad, um acadêmico da escola negócios de elite Insper, é na verdade um moderado e, como Lula em 2003, estaria aberto a buscar um modus vivendi com os mercados financeiros. Esta é provavelmente a razão pela qual Lula o escolheu como seu sucessor. “Haddad reformaria o sistema previdenciário (considerado essencial para a estabilidade fiscal pelos investidores)”, disse Marcelo Mitterhof, do BNDES. “No Insper, ele teve a oportunidade de conhecer a elite de São Paulo.” Afinal, Lula coabitou muito bem com as megaempresas brasileiras e os gestores de fundos de mercados emergentes durante os oito anos de sua presidência. Ele se gabava nos anos do boom econômoico que era o favorito tanto nas favelas quanto na comunidade de investimentos.

Mas a massiva redistribuição de renda para os intocáveis ​​do Brasil – 40 milhões foram extraídos da pobreza extrema, e outros milhões foram levados, ainda que brevemente, para a classe média baixa – enviaram ondas de choque através do sistema de privilégios permanentes no Brasil. Isso não pode ser facilmente perdoado nem pela elite nem pela classe média tradicional, cujos rendimentos não aumentaram à mesma taxa dos pobres durante os governos do PT de Lula e sua sucessora, Dilma Rousseff. As reformas radicais da educação de Haddad, entre 2005 e 2012, trouxeram milhões de jovens da classe trabalhadora para as universidades. Ele aumentou o investimento em educação de 4% do PIB para 6%, concentrando-se em famílias de baixa renda. Isso levantou a possibilidade de uma revolução social no Brasil, que os privilegiados não querem aceitar.

O dilema para quem exerce poder há tanto tempo no Brasil é real, diz o cientista político Medeiros. Haddad representa o PT, por mais razoável que pareça ser. A base organizacional da esquerda pode ser revigorada por uma vitória de Haddad e talvez até por um triunfo de Gomes também. “Há um cenário em que a esquerda poderia se mobilizar para deter as reformas que os mercados querem”, diz Medeiros. Isso não seria uma perspectiva feliz para os homens de terno na Avenida Paulista, nem para aqueles nas salas de comitês clandestinos do Congresso corrupto de Brasília. Por outro lado, apoiar Bolsonaro revelaria a verdadeira natureza da elite brasileira, cuja hegemonia desde a junta militar que deixou o poder há três décadas, dependia de seu aparente compromisso com a democracia liberal e um contrato social. Quando Bolsonaro observou durante sua entrevista à Globo que a emissora apoiado a o golpe militar (1964-1985), a rede teve que transmitir um esclarecimento que não o faz mais. Elaborar o próximo plano para as elites exigirá um gênio. Mas Lula está na prisão. 

Fingindo inocência, programa de Alckmin esconde o papel do PSDB no golpe de 2016

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Por Geraldo Seabra, no DCM

O ex-governador Geraldo Alckmin mistura alhos com bugalhos em seu programa de TV e esconde que foi o próprio PSDB, segundo confissão feita há uma semana por seu antecessor na presidência do partido, o senador cearense Tasso Jereissati, que ao golpear Dilma levou o Brasil a uma situação econômica próxima à da Venezuela.

Na entrevista que concedeu ao Estadão no domingo passado, Jereissati apontou como erros do PSDB contestar o resultado eleitoral de 2014, quando o senador Aécio Neves foi derrotado por Dilma Rousseff, e enveredar em seguida com Eduardo Cunha na campanha de sabotagem ao governo que levaria à ingovernabilidade e ao golpe.

A proximidade com a Venezuela é resultado do golpe, que fez a economia do país rolar de ladeira abaixo, queimar mais de 13 milhões de empregos dos 17 milhões criados durante os quase 14 anos de governos petistas, ter PIB negativo e penar com mais inflação e desabastecimento provocados por uma inédita greve de caminhoneiros.

Nos último três anos, a situação do Brasil piorou tanto que o país foi ultrapassado até pela própria Venezuela no ranking 2018 do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) compilado pela Organização das Nações Unidas. Divulgado no último dia 19, o ranking traz o Brasil estagnado desde 2015 no 79º lugar, uma posição abaixo da Venezuela.

O IDH, como se sabe, é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de desenvolvimento humano e para ajudar a classificar os países como desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Usa dados da expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capita recolhidos a nível nacional.

Além da Venezuela, o Brasil tem à sua frente no ranking do IDH de 2018 países quase vizinhos como Granada, México, Cuba, Trinidad e Tobago, Panamá e Costa Rica. À nossa frente estão ainda as distantes Bósnia e Herzegovina, Sri Lanka, Geórgia, Albânia, Sérvia e Irã, países que saíram de recentes guerras e conflitos internos.

De acordo com o ranking da ONU, o Brasil só tem melhor qualidade de vida, na América do Sul, do que Equador, Peru, Colômbia, Jamaica, Suriname e Paraguai. Do outro lado do mundo, no IDH o Brasil também está à frente do distante Azerbaijão, do Líbano em permanente estado de guerra, da Armênia, Tailândia, China e Mongólia.

Claire Foy, a caixa de supermercado que ganhou Hollywood ao interpretar a rainha

Por Rocío Ayuso, no El País 

“O tilintar das registradoras me emociona. É um sonho. O melhor trabalho que tive antes de ser atriz foi o de caixa de supermercado. Adoro vender coisas às pessoas.”

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Peter Morgan, o dramaturgo britânico criador dessa ficção televisiva, admite hoje que para aquela interpretação pensava em outros nomes, que se nega a revelar. “Mas assim que a vi em um teste, perguntei a mim mesmo por que não a tinha convocado antes. Foi sensacional. Vi que estava testemunhando o surgimento de uma nova estrela. Foi como ver nascer uma nova Judi Dench. Trabalhei com algumas das grandes deste ofício, e Claire está lá em cima com elas.” Ocorreu há pouco mais de dois anos. Depois do périplo por empregos variados e dos papéis pequenos na televisão, Claire Foy estava preparada para o assalto à coroa britânica.

Ela fez isso com uma majestosa ambição que a levou a ganhar o Globo de Ouro de melhor atriz de série dramática em 2017. Um reconhecimento ao qual se seguiram o Bafta e o Prêmio do Sindicato de Atores de Hollywood. Ao receber o Globo de Ouro, Foy dedicou o troféu, entre outras “damas extraordinárias”, à soberana britânica: “O mundo estaria melhor com mais mulheres no comando”. Outra rainha, mas do cinema, Helen Mirren, que também interpretou o papel de Elizabeth II nas telas, enviou-lhe uma carta de felicitação por The Crown. A admiração é mútua, diz Foy. Ela também tem como referência as atrizes Emma Thompson, Helena Bonham Carter e Juliette Binoche. Aos 34 anos, bem que se poderia dizer que possui algo de todas elas. Embora, ao confessar suas obsessões, sempre tenha no horizonte Grace Kelly e Doris Day: “Minha mãe me dizia que não era normal que eu ficasse o dia todo vendo seus filmes uma e outra vez”.

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Claire Foy está promovendo atualmente o filme O Primeiro Homem, nova criação do ganhador do Oscar Damien Chazelle (La La Land), que estreia em outubro no Brasil e teve uma recepção morna na Mostra de Veneza. Se a crítica ressaltou algo nesse filme baseado na vida do astronauta Neil Armstrong, foi a interpretação de Claire Foy, que divide o protagonismo com Ryan Gosling. “Acabo de começar a dar entrevistas ao lado dela e sou incapaz de superar qualquer coisa do que diz”, diz Gosling. A britânica, divertida, lhe responde: “Tente se puder”. Ele não é o único que ultimamente se desfaz em adulações. “Dizer que vai ser difícil substituir Claire é pouco”, disse Morgan depois da saída de Foy ao término da segunda temporada de The Crown. Em um giro de 180 graus, ela vai se transformar em Lisbeth Salander, a protagonista da saga Millennium, baseada nos livros de Stieg Larsson, em uma nova sequela cinematográfica, Millennium: A Garota na Teia de Aranha, com estreia prevista para novembro no Brasil. “Queria encontrar minha própria Lisbeth e com Claire consegui”, disse o diretor do filme, Fede Alvarez.

Atualmente, todo mundo quer a nova rainha de Hollywood. O vento sopra a favor do furacão Foy. Seus dois novos papéis — Lisbeth Salander e Janet Armstrong, mulher do primeiro homem que pisou na Lua — pretendem confirmar seu cetro. “Nunca tive grandes expectativas”, explica Foy no hotel Beverly Hilton de Los Angeles. Pequena e calçando seus eternos tênis Converse, ela recorda o início da carreira: “Fui à escola de arte dramática porque tinha visto milhões de filmes quando era criança e achei que seria bom. Nem pensava em fazê-los. Entrei porque queria contar histórias e o que esperava era o fracasso. Mas se eu conseguisse pelo menos ganhar a vida, estaria tudo bem. Sei que a pessoa tem de comer e para isso é preciso trabalhar e ganhar dinheiro. Mas logo veio o Globo de Ouro e tudo mudou. Quando você está filmando, vive em uma espécie de bolha. Só faz ideia do alcance dessas coisas quando pisa nos Estados Unidos. Principalmente em Los Angeles. Nessas cerimônias é que você se vê num pedestal, com as pessoas pedindo autógrafos. Esperam que você seja Deus, quando todos somos feitos da mesma forma”.

Sua infância transcorreu em uma “barulhenta família irlandesa” sem nenhuma inclinação artística. Ela é a mais nova de três irmãos. Com pais que se divorciaram quando tinha oito anos, desenvolveu uma capacidade de observação à qual se aferra ao preparar hoje cada trabalho novo. “Ela é como uma documentarista, sempre muito preparada, pesquisando tudo que é necessário sobre seu personagem”, diz Ryan Gosling. Como lembra David Rankin-Hunt, conselheiro da casa real britânica que colaborou com The Crown, foi graças às muitas coisas que Foy pesquisou sobre a vida de Elizabeth II que ela conseguiu se parecer tanto à soberana britânica. “À medida que a série foi avançando, Claire foi despojando sua personagem de quem ela era para transformá-la na rainha”, recorda Matt Smith, que interpretou na trama o duque consorte, príncipe Philip.

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Apesar da pompa que a acompanha hoje, a única coisa alterou os esquemas da atriz foi a pequena Ivy Rose, de dois anos. Foy compareceu grávida à audição com Peter Morgan. “Foi ideal, porque durante a gestação eu não tinha cabeça para outra coisa. Não percebi que estava aceitando o maior trabalho de minha carreira enquanto me preparava para a maior mudança em minha vida, a ponto de ter uma filha”. Conheceu o também ator Stephen Campbell Moore, pai de Ivy Rose, em 2011. Casaram-se em 2014, um ano antes da chegada da pequena. Não faltaram notas dramáticas na história. Além de sofrer um parto traumático com hemorragia, durante aquele período seu marido foi diagnosticado com um tumor benigno na base do cérebro. Anteriormente, Foy tinha tido problemas de saúde, vítima de artrite juvenil e de um tumor no fundo do olho. A superação lhe deu coragem. Em 2018, anunciou sua separação após três anos de matrimônio e sete de vida em comum. Agora, como disse ao receber o Globo de Ouro, toda sua vida gira em torno de uma única protagonista: sua filha.

A diretora de seu primeiro trabalho principal na série Little Dorrit (2008), Dearbhla Walsh, lembra aquilo que todos pensam quando ficam diante de Foy: que tremendos olhos! Walsh também fala da “fragilidade” de uma atriz de olhar extraordinário. Um rosto que também chegou às manchetes da imprensa arrastado pela onda Me Too. Seu salário em The Crown, série na qual era a indiscutível protagonista, era substancialmente inferior ao de seu colega de elenco e príncipe consorte na ficção. “Este assunto é parte de um extenso debate e plantou a semente para reavaliar, não só em nossa indústria, mas em todos os lados, a forma como são estipulados os salários”, refletiu o ator para a imprensa. Seu salário não foi divulgado. O de Foy se aproximava dos 35.000 euros (167.000 reais) por episódio. Outras atrizes britânicas descobertas na televisão, como Lena Headey, cobram mais de 400.000 euros (1,9 milhão de reais) por capítulo em uma série como Game of Thrones. Foy não gosta de abordar o assunto, mas também não foge dele. Diz estar feliz em brilhar não só por ela, mas principalmente por sua filha. “Tenho a sorte de ser mulher hoje em dia, porque é extraordinário poder falar com liberdade sobre estes assuntos.”

Sem culpados. Smith é e será “para sempre” seu amigo. Seus vínculos como atriz com aqueles com quem trabalha são estreitos. E também tem consciência de que Smith já fazia parte de The Crown quando ela entrou. O ator já era conhecido por atuar em uma das últimas encarnações de Doctor Who, serie pela qual ele firmou um contrato de cinco anos por mais de um milhão de euros (4,7 milhões de reais) há uma década. “Mas fiquei surpresa: sendo a protagonista, eu me vi no centro da polêmica”, reafirmou Foy.

Por enquanto, além de desculpas públicas, afirma que não recebeu nenhuma bonificação que reduza as diferenças salariais, como os produtores indicaram que fariam. Os 237.000 euros (1,1 milhão de reais) extras mencionados para equilibrar seu salário por The Crown nunca chegaram aos seus bolsos. E a paridade salarial para a nova temporada não a afetará, agora que Olivia Colman passou a interpretar na mesma série uma soberana mais velha. Neste campo, Foy sabe que ainda falta avançar muito: “Em um mundo ideal, tudo iria mais rápido. Mas a estrada continua sem asfalto. Sou um pouco idealista e confio na igualdade, no empoderamento, embora ainda tenhamos muito a fazer. Encontrar coragem para manter esta conversa, para impulsionar aquelas que chegam e nos apoiarmos nas que estiveram antes nesta mesma batalha, conseguir que se pense na mulher e na feminilidade de outra forma… É extraordinária a abertura que estamos desfrutando na hora de falar, mas a mudança levará tempo”.

Entre os aspectos que não está disposta a modificar em sua vida se encontra a casa em que vive em Wood Green, Londres, onde o único capricho que se nota é um piano usado. Ela mal o toca para não despertar sua filha, que dorme no quarto de cima. Seus outros vícios são um bom fogo — “na chaminé”, especifica — e uma taça de vinho tinto. Sua vida pessoal não mudou. Sua postura não é mais majestosa por ter entrado na pele de uma rainha. Também não deseja ir a Marte, apesar de ter se transformado na mulher de um astronauta no cinema: “Eu? Nem sonhando. Gosto de voar, mas também odeio. Como poderia subir em um foguete?!”. Tampouco herdou as tatuagens da indômita hacker Lisbeth Salander, território ainda inexplorado por ela. “Levando em conta a quantidade de amigos que tenho com tatuagens, não devo ser muito cool”, diz, rindo.

Se algo parece definir sua carreira, é a capacidade de manter os pés no chão. Um férreo pragmatismo diante da doçura do sucesso e da demolidora maquinaria de Hollywood: “A menos que você seja Julia Roberts, você nunca é a única opção para um diretor. Jamais duvido que haja outras 45 atrizes idênticas, da mesma idade, com o mesmo look, o mesmo tudo, aspirando ao mesmo papel”. Foy, que afirma ter “espírito competitivo zero”, desbancou ninguém menos que Scarlett Johansson na disputa para interpretar a nova Lisbeth Salander. Pouco antes do vendaval que vai girar em torno dela neste semestre, ela afirma que precisa de tempo para assimilar tudo que aconteceu em sua vida. Para descansar e, principalmente, para organizar a vida antes do furacão: “Caso contrário, você não tem nada para contar. Além disso, nunca sei o que vou fazer até que apareça diante do meu nariz”.