POR GERSON NOGUEIRA
Deve ficar esquisita a relação entre árbitros, atletas e técnicos a partir deste fim de semana. É que desde sexta-feira a Comissão de Arbitragem da CBF orienta os árbitros a adotarem normas contidas numa espécie de cartilha de bom comportamento dos atletas em campo. As recomendações visam, segundo a entidade, reforçar a aplicação das regras oficiais e melhorar a qualidade do espetáculo para o público consumidor de futebol, seja o torcedor de arquibancada, seja o espectador de TV.
Nas últimas semanas, a comissão tem divulgado relatórios que comprovariam a evolução dos árbitros na aplicação das regras e a mudança de postura por parte dos atletas. Com isso, o tempo médio de bola rolando nos jogos do Brasileirão tem apresentado aumento gradativo: 52’27 em 2014, 54’05 no ano passado e 55’40 este ano.
Pelos levantamentos da CBF, só nas 14 primeiras rodadas do campeonato da Série A, o número de partidas com mais de 60 minutos de bola rolando deu um salto qualitativo superior a 500% em dois anos: de oito, em 2014, para 42 este ano.
A grandeza dos números é evidente e, em situação normal, merecedora de elogios. O problema está na legitimidade desses índices, pois já há algum tempo os árbitros vêm diminuindo a marcação de faltas, apostando na velha política sul-americana de arbitragem, famosa por deixar a pancadaria comer solta.
Por isso, o que é apontado como um sinal de melhoria do jogo pode ser um engodo. Alguns árbitros admitem que a CBF faz pressão para que diminuam a marcação de faltas, a fim de baixar os índices em comparação à medida europeia. Significaria então que não foi reduzido o antijogo, apenas mascarado.
Conforme a nova tábua de mandamentos emitida pela entidade, os árbitros não podem mais tolerar a pressão conjunta de jogadores, velha tática para pressionar e fazer o apitador mudar a marcação de uma falta ou advertência. Se isso for conseguido, será uma verdadeira façanha.
A arbitragem também não poderá admitir mais gritos, dedo em riste, jogador cobrando cartão para adversário, simulação teatral de faltas, cerco ao árbitro assistente e showzinhos de técnicos que gostam de gesticular para fazer média com a torcida e deixar os árbitros em má situação. São comportamentos comuns no futebol brasileiro e que nenhum árbitro conseguiu impedir.
Quanto ao jogo em si, os árbitros terão que ficar atentos ao local exato de colocação da bola na cobrança de escanteios. Terão que vestir armaduras para reprimir o agarra-agarra dentro da área nas cobranças de faltas ou acabarão tendo que marcar uns 200 pênaltis por partida.
Outra tarefa ingrata dos apitadores será policiar a reposição de bola pelos goleiros. Virou piada no Brasil aquela regra de seis segundos, pois nenhum goleiro respeita mesmo e os árbitros fingem não ver.
Em tempos de protestos generalizados pelo país, uma orientação que permite várias interpretações: a cartilha diz que os árbitros terão que tomar medidas para impedir que sejam expostas faixas que incitem a violência.
Ao pé da letra, significa que estão permitidas faixas de cunho político contra o presidente interino e a emissora que detém os direitos de transmissão do campeonato. Ocorre que, no fim de semana passada, o protesto da torcida corintiana contra a Globo levou um árbitro a convocar a polícia para reprimir.
Muitas leis acabam gerando incontáveis interpretações, o que é sempre um risco – principalmente no Brasil, o país recordista de leis e de impunidade.
Em relação aos árbitros, as dicas podem ter utilidade, mas é justo perguntar quando será criado um manual recomendando boas maneiras em campo. Existem apitadores tão grosseiros que tornam até justificáveis atitudes mais exaltadas por parte dos atletas.
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Bola na Torre
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E a CBF sempre a nos surpreender
Quando menos se espera, a CBF se lança ao irrefreável exercício de atirar contra o próprio pé. Para o futebol olímpico, designou dois nomes polêmicos para chefiar as delegações. A seleção masculina terá como chefe um cartola envolvido até o fio dos cabelos com as irregularidades que a entidade tanto procura disfarçar. Gustavo Feijó, prefeito de Boca da Mata no interior alagoano, é aliado de Marco Polo Del Nero e afilhado de Fernando Collor e Renan Calheiros.
Feijó também é um dos alvos da CPI do Futebol, no Senado, devido a uma mensagem trocada com Del Nero na qual pedia cerca de R$ 200 mil para bancar sua campanha eleitoral em 2012. Em resposta, o cartola-mor disse que enviaria o dinheiro. Nem a CBF e nem Del Nero apareceram como doadores da sua campanha a prefeito de Boca da Mata.
Para chefiar a delegação feminina, a entidade escalou ninguém menos que Ana Paula Oliveira, que hoje é executiva da CBF e integra a Escola Nacional de Arbitragem e tem assento também no incrível Comitê de Reformas do Futebol Brasileiro.
A condição de amiga de Del Nero ajuda a explicar a escolha, bem mais que os possíveis predicados da ex-bandeirinha. Após uma longa sequência de atuações polêmicas e de posar nua para a Playboy, em 2007, Ana Paula foi afastada das competições e encerrou a carreira. Dois anos depois, apareceu como uma das 14 participantes do reality show “A Fazenda 2”, na TV Record.
A perguntinha que não quer calar: será que a CBF não consegue encontrar nomes mais condizentes com a importância dos eventos a que comparece?
(Coluna publicada no Bola deste domingo, 17)
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