Porque tirar as coelhinhas da Playboy é um negócio da China

POR ANDRÉ FORASTIERI, no Linkedin

A Playboy vai deixar de publicar foto de mulher pelada.  A revista se rendeu à chatice. Ao padrão politicamente correto de agências e anunciantes, que veta investimento em publicações que “objetificam” as mulheres. E à necessidade de compartilhar seu conteúdo nas redes sociais, que são caretas e vetam nudez. A revista pode até sobreviver. Será mais uma. Só tem a perder.

As coelhinhas foram o grande diferencial da revista com relação às que vieram antes e depois. Antes era a Esquire, onde Hugh Hefner, fundador da Playboy foi redator: a revista do que interessa para o homem, com sex-appeal, mas “decente”. Depois, Hustler, 100% sexo explícito, e hoje variedade infinita entre esses falsos opostos.

Seus melhores editores foram verdadeiros equilibristas. Muito humor e um tanto de seriedade. Muito bom-viver e alguma provocação. Mulher para domar e para namorar. A Playboy mostrava nua, disponível e provocante a vizinha lindinha das fantasias dos americanos. Não era “revista de sacanagem”. Era revista para fantasiar. As moças não pareciam prostitutas. Pareciam estar a fim, e não a fim de dinheiro.

Porque tirar as coelhinhas da Playboy é um negócio da China

Hoje temos na internet mocinhas lindinhas praticando o kama sutra e muito além, perversões de A a Z, de todos os modelos e nacionalidades. A Playboy perdeu esse bonde. Poderia ser a dona do YouPorn, RedTube e todos esses serviços de pornografia digital instantânea. Mas não é, como nenhum dos grandes canais de televisão é dono do YouTube, e nenhuma empresa de mídia é dona do Google ou do Facebook, as empresas de mídia que mais faturam no planeta Terra. É fácil identificar as bobeadas nas empresas dos outros. As Playboy Enterprises cometeram muitas. Mas, como veremos, está corrigindo seu modelo de negócios rapidamente.

Tropeço imperdoável foi o reality show mostrando Hugh Hefner como um velho babão, morando com três “namoradas” falsas loiras e falsas em geral. Nos anos 60 e 70, Hefner era personagem, mas também editor de mão cheia e de sucesso. A Playboy de fato era para ser lida pelos artigos. O time de colaboradores da revista foi a fina flor do jornalismo americano. Playboy divertia e influía, combinação perfeita e quase impossível.

Hefner era símbolo de realização, não só da vida boa que os machos de sua geração e seguintes sonhavam ter. No reality show se assumiu paródia de si mesmo, modelo obsoleto, pagando por companhia de garotas com idade pra serem suas netas, um Olacyr de Moraes gringo. Tudo que o homem do século 21 não quer ser quando envelhecer.

No Brasil, Playboy foi sonho de um jovem, que convenceu o pai a editor a fazer no Brasil as três revistas americanas que mais admirava: Time, Fortune e Playboy. Era Roberto Civita, que fez, e fez muito bem, suas versões das três. Eram Veja, Exame e a própria Playboy, licenciada da edição americana, mas com identidade muito própria. A revista brasileira teve sua fase de ouro quando a americana já não tinha tanto apelo assim. Grandes entrevistas, grandes cartunistas, grandes fotógrafos, muito molho, tudo do melhor. E as mulheres mais maravilhosas e mais famosas do Brasil sonhavam em posar para a Playboy.

Comecei a ler a Playboy antes dela existir por aqui. Pingavam umas raramente por aqui nos anos 70, de pais de amigos. Minhas primeiras memórias são da cutchuquinha Barbi Benton. Lá pros 14 anos eu já era desse tamanho de hoje, e comprava de um jornaleiro amigo. Comprei intermitentemente desde então – escolhendo pela capa, como todo mundo. Fui convidado uma única vez pra colaborar; escrevi sobre o Velvet Underground em 1991.

Tive e tenho amigos na redação da Playboy brasileira. Espero que siga despindo as personagens que todo mundo quer ver peladinhas. Seja a atriz, a funkeira ou a gari gata. As taras da molecada de hoje e as da nossa juventude, porque não? Vi uma foto de Magda Cotrofe esses dias, continua batendo um bolão. Aliás, a foto era ela com a filha. Aliás, vamos mudar de assunto.

Fosse eu o ditador lá da Playboy Enterprises, seguiria o exemplo da Abril. Uma revista linda e leve, esperta sem ser metida, com carteira recheada para convencer as famosas mais desejadas do mundo a tirar a roupa.

Colocaria trinta fotos da estrela da edição na revista. E essas trinta e mais cem no site, junto com o making of do ensaio, em vídeo. E, claro, o arquivo completo dos trocentos anos da Playboy. Todos aqueles zilhões de textos e ilustrações e cartuns e piadas e mulheres incríveis. Um dólar por mês. Você não assinava? Você e eu e mais uns vinte milhões de machos. E mais um monte de moças que gostam de moças. E senhoras que liam a Playboy pelos artigos.

Mas depois de muita volta, vamos ao que interessa: dinheiro. A razão porque a Playboy não terá mais nudez é uma simples mudança no modelo de negócios da empresa. Hoje as coelhinhas valem bem menos que o coelhinho.

A principal fonte de renda da empresa hoje é licenciamento. A empresa licencia o logotipo do coelhinho para empresas colocarem em tudo que é produto, inclusive várias linhas de roupas, e elas fazem bastante sucesso. São produtos acessíveis, mas não baratinhos. “Aspiracionais”, se diz em marketês.

Em 2013, licenciamento já era mais da metade da receita total das Playboy Enterprises, 65 milhões de dólares. E 40% dessa receita vem… da China. Que implica bastante com tudo que cheire à pornografia. E vem resistindo às tentativas da empresa abrir Clubes Playboy no país.

Agora a Playboy assinou um megacontrato de dez anos com uma megaempresa chinesa, a Handong, que vai cuidar da manufatura, venda e distribuição dos produtos com a marca do coelhinho.  E ali do lado da China tem a Índia, outro grande mercado para licenciamento de produtos com a marca Playboy, e quase tão chata com pornografia.

Nesse cenário, a revista pode perfeitamente deixar de existir. Boa parte – talvez a maior? – dos consumidores desses produtos licenciados jamais leu ou lerá a Playboy. Só atribui ao logo do coelhinho uma certa sofisticação, um sex-appeal, um saber viver. No futuro, a Playboy pode prescindir da… Playboy.

O passado não se apaga. Todos aqueles textos e reportagens, ilustrações e piadas e ensaios, tudo vive. E o que a Playboy fez por gerações de homens não tem preço. Deu prazer e fez pensar. O que mais você pode desejar?

(e para completar: leia esse texto do Jonathan Jones, crítico de arte do Guardian, defendendo a nudez – na Playboy, na arte e em todo lugar… http://www.theguardian.com/media/2015/oct/14/playboy-abolishes-nude-defeat-art-history)

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