O que aconteceu com os roqueiros dos anos 80?

Leoni (esq.) com sua antiga banda

POR PEDRO ZAMBARDA DE ARAÚJO, no DCM

O carioca Carlos Leoni Rodrigues Siqueira Júnior, conhecido somente como Leoni, tem uma carreira dedicada ao pop rock. Fundou e foi baixista e compositor do Kid Abelha entre 1981 e 1986, período em que a banda tornou-se um fenômeno, colecionando discos de ouro. É autor de todos os principais hits (“Seu Espião”, “Como Eu Quero”, “Pintura Íntima”, “Fixação”, entre outras).

Saiu depois de um desentendimento. Fundou a banda Heróis da Resistência e, desde 1993, está em carreira solo. Tem parcerias com Cazuza (“Exagerado”), Herbert Vianna, Léo Jaime, Roberto Frejat, entre outros.

Aos 53 anos, Leoni é uma exceção, uma mosca branca, entre a imensa maioria de seus colegas de geração: uma “pessoa de esquerda”, como ele se define.

Roger, do Ultraje a Rigor, e Lobão são macartistas. Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, não fala coisa com coisa, especialmente em política. João Barone, baterista dos Paralamas do Sucesso, repete clichês sobre “corrupção” sem parar — sempre contra o PT, naturalmente. Tony Belloto, guitarrista do que restou dos Titãs, é autor de frases originais como “é uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”. A lista é longa.

“Na época da ditadura, tínhamos um inimigo comum. Quando acabou, percebemos o que cada um pensava”, diz Leoni. Ele conversou com o DCM sobre música, política, seus companheiros dos anos 80 e o que Renato Russo e Cazuza estariam pensando dessa salada.

Por que a sua geração está ficando reacionária?

Não acredito que todos os músicos da minha geração tenham se tornado conservadores… Todo mundo tem direito a ter opinião. O Roger sempre foi liberal e capitalista porque ele é um defensor do livre-mercado. Ele acredita numa sociedade nos moldes da dos Estados Unidos. Por isso, não está sendo desonesto com as pessoas hoje em dia. Ele era contra a ditadura, mas sempre foi capitalista. Até “Inútil”, o hino do Ultraje a Rigor nos anos 80, era uma música que tem a cara dele, meio que menosprezando o povo brasileiro. Esse sempre foi o discurso dele.

Por nossas diferenças, eu tive vários debates com ele por email. O único problema é que ele perde a cabeça com gente que não concorda com ele e se descontrola. Ele leva para o lado pessoal. Mas, se o debate permanece no alto nível com ele, é bom.

O Lobão é mais imprevisível. E te digo o motivo: o que ele gosta é da polêmica. Eu vejo ele fazendo mais polêmica do que música hoje, sinceramente. Tem também o problema das respostas das pessoas na internet, que é um local bom para debates felizmente. Nas redes sociais, se você não concorda com alguém em algo, você é idiota e deve morrer.

Na época da ditadura, tínhamos um inimigo comum. Quando acabou, percebemos o que cada um dos músicos pensava. O Roger e o Lobão eram diferentes da esquerda, por exemplo. Tem gente que se tornou mais liberal com o tempo. Algumas pessoas acreditam mais numa democracia capitalista, com serviços públicos aqui e ali, mas com a economia privatizada funcionando. É diferente do que eu penso, porque eu quero serviços do estado que ajudem os pobres.

O rock não é, supostamente, um estilo rebelde…?

O rock, sobretudo o americano e o inglês, sempre foi mais ligado aos movimentos libertários individuais do que os coletivos. A meta da música foi te levar a usar roupas, drogas e fazer sexo da forma que você quiser, no seu individualismo. O rock foi interessante pra caramba, revolucionou os costumes, mas ele continua desligado do meio social e dos problemas coletivos. Minha postura pessoal não é essa do rock.

Uma pergunta hipotética: como seria se o Cazuza ou o Renato Russo, que foram seus amigos, estivessem vivos hoje? Teriam virado reaças também?

O Cazuza, no final da vida, teve uma preocupação política com o Brasil e fez a música “Ideologia”. Mas ele foi mais revolucionário no comportamento, ao assumir sua homossexualidade. Não sei se estaria engajado politicamente.

O Renato Russo era mais antenado com política, mas ele era melhor escrevendo letras do que agindo. Suas letras eram metafóricas. O disco V do Legião, de 91, falava sobre os problemas do governo Collor, mas sem citar ninguém diretamente. Eram letras sobre quem perdeu dinheiro com os saques da poupança na época, além dos desempregados. Acredito que o Renato faria boas músicas sobre o que está acontecendo no Brasil ultimamente.

Qual é o seu balanço sobre a política cultural do governo Dilma?

Na parte cultural dos governos do PT, o de Lula foi bem melhor que o de Dilma, com o Gilberto Gil e o Juca Ferreira no Ministério da Cultura. O Gil ampliou os investimentos no ministério. O ex-ministro abriu um diálogo como eu não tinha visto antes. Cultura não é só história, dos grandes autores, mas sim toda a criação que fazemos hoje. Veio o governo Dilma e a ministra Ana de Hollanda interrompeu os avanços do setor. Ela achava que a cultura cigital era uma “brincadeirinha” na internet, por exemplo.

De resto, acredito que o problema real dos governantes são os conchavos e as alianças ruins para se beneficiarem, prejudicando a sociedade. Esse método foi criado pelo PMDB e pelos congressistas do chamado baixo clero, que querem receber agrados.

As maiores críticas ao PT não vem da direita, mas de ex-petistas decepcionados com o governo. Eu não sei se o PT conseguiria governar sem alianças, mas as reformas precisam acontecer. Fica o aprendizado: As coisas não funcionam do jeito que gostaríamos. Os únicos dois partidos que vejo falar em reforma política são o PT e o PSOL.

Como a Internet mudou a música brasileira?

Agora a gente nunca teve tanta diversidade e riqueza musical. Até aparecer a internet, as gravadoras, que eram poucas, detinham tanto o monopólio da produção quanto o da distribuição. Não tinha como entrar em estúdio e já lançar algo. Era caro pagar produção, capa, fabricação, vinis e a distribuição física para o país inteiro, com jabá para rádios e pra todo mundo que precisasse. Se você não tinha gravadora, você estava fora do negócio.

Isso era ruim, mas não tão ruim a partir dos anos 80. A partir da minha geração, os selos independentes americanos começaram a ser vendidos para conglomerados de mídia. A Warner se transformou na Time Warner. Ocorreram várias fusões e o único interesse da indústria musical se tornou o lucro. A qualidade caiu para vender mais, e as músicas comerciais ficaram mais padronizadas. Depois da moda do rock, veio axé, lambada, pagode, sertanejo e depois até voltou o pagode.

Na era da internet, a gente pode fazer a nossa própria música. A represa das gravadoras se rompeu. Tem gente fazendo de tudo no Brasil. Cada cidade tem uma cena musical interessante e própria. Antigamente a coisa era mais concentrada no eixo Rio – São Paulo. O Brasil é grande e as pessoas sequer conhecem o mínimo. O músico de hoje também não precisa agradar muita gente, mas chamar atenção é mais difícil. Não dá pra ouvir tanta gente talentosa junto, e muitos acabam passando desapercebidos. O negócio da música pode ir mal, mas a música em si vai muito bem.

11 comentários em “O que aconteceu com os roqueiros dos anos 80?

  1. Orfãos da ‘Nova República’, ruminam a desimportância que lhes assola oriunda da mídia e da indústria fonográfica que contribuiram para consolidar. Perdidos, ladram à toa.

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  2. Apesar de dar mostras claras que diverge seriamente do Lobão e do Roger, o Leoni parece conviver bem mais democrática e tolerantemente com tal divergência do que seu entrevistador. A propósito, também tenho curiosidade sobre o que diriam em suas composições o Cazuza e o Renato Russo se reportando aos dias que correm.

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  3. Eu sempre achei o Leoni parecido com o Senhor Pequeno, do cartoon O Incrível Mundo de Gumball: leva tudo na maior paz. Mas fora isso, é um cara muito inteligente e que daquela turma dos anos 80, foi um dos poucos que não “piraram” como o Lobão, por exemplo.

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  4. Necessariamente, a música brasileira precisa da realidade, vejo a nossa música derivando do modernismo e do realismo do século XX. Não dá para ignorar a influência da filosofia do século XX, com Sartre, Hannah Arent, Simone de Beauvoir, Adorno e Walter Benjamin, e outros, no modo de pensar, de se posicionar social e politicamente, como também não se nega a influência da semana de arte moderna, tanto no vanguardismo da tropicália, como na reação do público. A música, como a pintura e o cinema, é sempre mutante, mas o público, nem tanto. O público brasileiro se ostra conservadora, sempre ou quase sempre. A música brasileira precisa do cotidiano, como quem precisa de água. Impressiona o conservadorismo de hoje e de sempre, posto que a sociedade se comporta quase negligentemente com relação à cultura e à produção cultural. Quase. A preocupação das elites com a produção cultural está em manter a reprodução de costumes e valores, como forma de controle social, pelo que se pode observar por Theodor Adorno e Walter Benjamin. Acho que a postura da Globo em tratar com naturalidade temas espinhosos como o homossexualismo e o racismo é salutar, embora se veja a atuação do conservadorismo das elites todo o tempo e o reacionarismo que observa cotidianamente se engaja mais sobre os temas individuais, como disse Leoni, do que sobre os temas coletivos. Ou a tentativa de se envolver em temas coletivos se mostra desastrosa, porque é evidente a preocupação com o próprio umbigo. A arte tem papel importante na vida social e política, mas não necessariamente se posicionará politicamente, principalmente quando há muitos artistas que têm enorme interesse econômico com grande visibilidade e aqueles com algum engajamento político, sem a mesma notoriedade na mídia.

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