No picadeiro

Por Janio de Freitas

A “crise” entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino que está a “crise”, na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um efeito enorme na grande arquibancada chamada país.

Não é verdade, como está propalado, que o Congresso, e nem mesmo uma qualquer de suas comissões, haja aprovado projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente levado a plenário. A CCJ considerou que sim. E nenhum outro passo o projeto deu.

Daí a dizer dos parlamentares que “eles rasgaram a Constituição”, como fez o ministro do STF Gilmar Mendes, vai uma distância só equiparável à sua afirmação de que o Brasil estava sob “estado policial”, quando, no governo Lula, o mesmo ministro denunciou a existência de gravação do seu telefone, jamais exibida ou comprovada pelo próprio ou pela investigação policial.

De autoria do deputado do PT piauiense Nazareno Fonteles, o projeto, de fato polêmico, não propõe que as decisões do STF sejam submetidas ao Congresso, como está propalado. Isso só aconteceria, é o que propõe, se uma emenda constitucional aprovada no Congresso fosse declarada inconstitucional no STF. Se ao menos 60% dos parlamentares rejeitassem a opinião do STF, a discordância seria submetida à consulta popular. A deliberação do STF prevaleceria, mesmo sem consulta, caso o Congresso não a apreciasse em 90 dias.

Um complemento do projeto propõe que as “súmulas vinculantes” –decisões a serem repetidas por todos os juízes, sejam quais forem os fundamentos que tenham ocasionalmente para sentenciar de outro modo- só poderiam ser impostas com votos de nove dos onze ministros do STF (hoje basta a maioria simples). Em seguida a súmula, que equivale a lei embora não o seja, iria à apreciação do Congresso, para ajustar, ou não, sua natureza.

O projeto propalado como obstáculo à criação de novos partidos, aprovado na Câmara, não é obstáculo. Não impede a criação de partido algum. Propõe, isso sim, que a divisão do dinheiro do Fundo Partidário siga a proporção das bancadas constituídas pela vontade do eleitorado, e não pelas mudanças posteriores de parlamentares, dos partidos que os elegeram para os de novas e raramente legítimas conveniências. Assim também para a divisão do horário eleitoral pago com dinheiro público.

A pedido do PSB presidido pelo pré-candidato Eduardo Campos, Gilmar Mendes concedeu medida limitar que sustou a tramitação do projeto no Congresso, até que o plenário do STF dê a sua decisão a respeito. Se as Casas do Congresso votassem, em urgência urgentíssima, medida interrompendo o andamento de um processo no Supremo Tribunal federal, não seria interferência indevida? Violação do preceito constitucional de independência dos Poderes entre si? Transgressão ao Estado de Direito, ao regime democrático? E quando o Supremo faz a interferência, o que é?

Ao STF compete reconhecer ou negar, se solicitado, a adequação de aprovações do Congresso e de sanções da Presidência da República à Constituição. Outra coisa, seu oposto mesmo, é impedir a tramitação regimental e legal de um projeto no Legislativo, tal como seria fazê-lo na tramitação de um projeto entre partes do Executivo.

O ato intervencionista e cogerador da “crise”, atribuído ao STF, é de Gilmar Mendes -e este é o lado lógico e nada surpreendente do ato. Mas o pedido, para intervenção contra competência legítima do Congresso, foi de um partido do próprio Congresso, o PSB, com a aliança do PSDB do pré-candidato Aécio Neves e, ainda, dos recém-amaziados PPS-PMN.

Com o Congresso e o STF, a Constituição está na lona.

24 comentários em “No picadeiro

  1. Registre-se, nesse caso, o papel gritantemente desinformativo da mídia tupiniquim ocultando aquilo que diz defender e vice-versa. Fala em fidelidade partidária, mas ataca o projeto que a garante; fala em corrupção, mas ataca o projeto que limita a influência do poder econômico nas eleições brasileiras; festeja a derrubada de um veto da presidenta Dilma pelo Congresso, mas faz eco a quem tenta escandalizar o país com o vedetismo declaratório de ameaça de se rasgar a Constituição, simplesmente porque um projeto prevê a derrubada da declaração de inconstitucionalidade de uma lei, quando 60% do Congresso nacional assim entenderem.
    Ao contrário, o que o país precisa é de mais informação e menos manipulação.

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  2. O Jânio hoje mostrou sua face comediante, pra dizer o mínimo. Um projeto como este que submete as decisões do Supremo ao Congresso não devia nem ter admitida sua tramitação pois investe contra aquelas regras que a Constituição considera imutáveis. Quer dizer, em verdade, o que a Comissão de Constituição e Justiça – CCJ, fez mesmo foi metaforicamente “rasgar’ a Constituição.

    E a comédia está exatamente aí, no Jânio minimizar o ato da CCJ, dizendo que ela SÓ admitiu que o projeto fosse discutido e eventualmente levado ao plenário, e é comédia porque, na verdade, a CCJ existe exatamente SÓ pra barrar no nascedouro as tentativas de mudar aquilo que a Constituição considera imutável, SÓ deixando seguir aqueles projetos que estejam corretos neste particular. E não interessa se agiu inadvertida ou deliberadamente, o que importa é que a CCJ quando não barrou o projeto ‘rasgou mesmo a Constituição”.

    E, na sequencia, o artigo permanece comediante. Quem acompanhou e acompanha, com atenção, o desenrolar da polêmica, tanto na mídia oposicionista, quanto na midia governista, nota facilmente as distorções operadas no artigo do Jânio.

    A principal é dizer que o STF se intromete indevidamente nas deliberações do Congresso. Ora, o STF está lá, parado, cuidando de seus muitos afazeres, quem o vai procurar são os próprios congressistas, governistas e oposicionistas, e outros insatisfeitos, com as suas insatisfações querendo providências, e o que o STF faz é tomar as providências que lhe parecem as corretas para os casos, como fez por exemplo no caso dos royalties, do pré-sal, dos anencéfalos, da cotas, do casamento homoafetivo, das experiências com células-tronco, do pagamento das contribuições previdenciárias pelos aposentados, no caso da lei da ficha limpa, e agora neste caso tratado pelo Jânio. Aliás, uma das missões do STF é exatamente esta, desfazer o que foi mal feito pelo Congresso. E o que a CCJ fez agora, ao não barrar uma proposta de emenda que permite ao Congresso passar no crivo as decisões do STF, foi o primeiro passo para um golpe branco de que tanto alguns reclamam.

    Quer dizer, com todo o respeito que o Jânio merece, tenho que dizer que ele se mostrou um grande comediante e conseguiu entrar no picadeiro também.

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  3. Em nenhum momento o projeto de Nazareno Fontelles prevê a submissão de decisões do STF ao Congresso Nacional, mas, a revisão daquelas decisões que declaram inconstinucionais leis aprovadas no Congresso Nacional, com quorum de 60% dos parlamentares e dentro de 90 dias.
    Assim como tem o poder de rejeitar veto oriundo do Executivo, nada há de anormal a contestação institucional do Poder Judiciário, aliás, como já determina o artigo 52, X, da Constituição Federal, quando determina, “…Suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal..” Ora, se compete ao Poder Legislativo a referida declaração, logo, compete também a ele o estabelecimento das normas que regerão a dita cuja. O resto é mimetismo inerente ao jus sperneandi.

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  4. Vou repetir aqui o que digo aos amigos: com todo o respeito ao articulista, se o STF errou quando disse que jornalista precisa de diploma para exercer seu ofício – e creio ter errado – também deveria ter estabelecido que jornalista que escreve sobre política judiciária teria de ter bacharelado em Direito ou ter realizado especialização em Direito Constitucional. Isto porque não sabem muitos que há limites na reforma da Constituição, sendo que um deles é não se poder retirar o Príncípio da Separação dos Poderes, nem mesmo por Emenda. Poderia o blogueiro, no contraponto, publicar a entrevista de Francisco Rezek, anteontem, no globo. Fica a sugestão.

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  5. Elton, minha opinião é que o Jânio e outros (tanto situacionistas, quanto oposicionistas), sabem muito bem destes limites. Todavia, não ligam muito pra eles porque escrevem visando um certo público e um certo objetivo um tanto distanciado da exatidão da informação e da opinião que publicam, e, portanto, do próprio jornalismo. No mais das vezes, o que escrevem é só um manifesto compromissado apenas com o lado político que defendem.

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  6. Amigo xará, entendo que se a decisão do STF deva ser levada à apreciação do Legislativo será sim submissão. Pior que isso, a competência jurisdicional não pode ser transferida para o Legislativo. Aqui feririamos de morte a separação dos poderes. Quem deve julgar uma Ação Judicial (ADIn, por exemplo), é o Poder Judiciário, sem qualquer interferência do poder legislativo,nem submissão do resultado, por óbvio até. A separação dos poderes é justamente para isso, cada qual com suas competências, para que não se volte ao modelo absolutista. O sistema de freios e contrapesos não é, nem de longe, o que o projeto propõe. Sob a desculpa de diminuir o ativismo judicial, propõe o tal projeto. Ora, para diminuí-la, basta fazer o legislativo funcionar como deveria. Não esqueçamos que o art. 126, do CPC dispõe: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Não esqueçamos, também do art. 5º, XXXV, da CF: ” a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”

    abs

    Jorge Alves

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    1. O texto do Janio esmiúça essa questão, mostrando que o polêmico projeto não defende essa submissão. Aponta, com razão, para o fato de que as atribuições do Congresso vêm sendo desrespeitadas pelo Supremo, um tribunal cada vez mais político e menos técnico.

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  7. Exato, Antônio, e nós – como formadores de opinião – devemos participar dessa “dialética”, digamos assim. O problema, creio eu, é que nossa democracia é jovem e não ficou tão bem assentada, pois a maioria das pessoas não sabe o que significa esse conceito, nem como ele se aplica no cotidiano, pensando apenas que o voto é a voz do povo. É mais fácil alegar o interesse pelos holofotes – o que de fato ocorre – e deixar a discussão do que realmente interessa de lado. Futebol é paixão, mas a nossa vida, não – pelo menos não toda esta.

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  8. Amigo Gerson, com todo o respeito a sua opinião, o texto do Janio discrepa, e não é pouco, seja dos fatos, seja da verdadeira função do Judiciário, distorcendo deliberadamente o significado das palavras, para alcançar seu objetivo de agradar ao governo. Afinal, dizer que a CCJ não aprovou a proposta de emenda que submetia o Judiciário ao Congresso e dizer que o projeto que limita o tempo de televisão e o acesso à verba do fundo partidário não representa obstáculos à criação de novos partidos, é, no mínimo, tentar criar um cenário completamente diferente da realidade concreta. Aliás, a criação deste cenário fantástico fica claro quando ele fala no Supremo aprovar uma Lei em caráter urgente, urgentíssimo para barrar um julgamento no Supremo. Será que ele pensa que ao ler o texto ninguém vai perceber que ele está deliberadamente distorcendo o significado das palavras e das próprias instituições; ou será que ele nem se importa que as pessoas percebam a distorção, pois o que ele quer mesmo é que o governo esteja satisfeito com o que ele escreve.

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    1. Amigo Oliveira, Janio cita a decisão do Gilmar Mendes como exemplo – e está certo ao fazer isso, visto as outras decisões do mesmo ministro. Negar o aspecto político de suas ações é abusar da ingenuidade.

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  9. Amigo Antônio, entendo a preocupação do blogueiro em defender o texto do Jânio, mas insisto que ele não tem qualificação para falar a respeito, pelo menos em comparação com Rezek e outros juristas de escol.

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    1. Amigo Elton, Janio pode não ter notório saber jurídico, mas é um dos mais brilhantes, premiados e lúcidos jornalistas brasileiros – em todos os tempos. Vamos respeitar o homem.

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  10. Caro Gerson, exatamente por ser fã do Janio é que não entendo esse posicionamento dele. Se viesse de um despreparado seria normal, mas vindo dele, é até meio decepcionante. Veja também que Gilmar Mendes – que é um jurista que não me empolga em outras áreas do Direito – reconhecidamente “saca” muito de Direito Constitucional. No nível dele, hoje, no Brasil, são poucos. Mas essa questão é mesmo instigante. Ainda bem que você aceita com tranquilidade o debate. Essa conversa rende um churrasco de um dia inteiro, amigo.

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  11. Mas, Gerson, em última análise, as decisões provenientes do Supremo, estão sempre impregnadas d’algum componente político, afinal a atribuição principal deste Tribunal é a interpretação e a guarda da nossa CARTA POLÍTICA, a Constituição Federal.

    Mas, não foi disso que o Janio acusou o Supremo e o próprio Ministro Gilmar, que isoladamente não representa todo o Supremo. Ele acusa o Supremo de usurpar as atribuições do Congresso e suspender o trâmite de uma lei que não causa nenhum embaraço à criação de novos partidos.

    Ocorre que todos sabemos que o Supremo tem poder para examinar e rever os atos tanto do executivo, quanto do legislativo e do próprio judiciário, podendo aceitá-los ou rejeitá-los. Foi isso que o Supremo fez por toda a sua existência, como por exemplo quando impediu que a lei da ficha limpa se aplicasse para fatos acontecidos antes dela ter entrado em vigor, quando impediu inicialmente que o veto dos royalties fosse votado antes da votação de outros vetos que o antecediam e quando confirmou a lei que obrigava os aposentados a pagar contribuição previdenciária.

    E todos sabemos também que nenhum partido novo consegue se estabelecer se não tiver tempo na televisão, nem dinheiro do fundo partidário. Logo, todos sabemos que impedir acesso à televisão e ao dinheiro do fundo partidário, é sim, criar obstáculos à criação dos novos partidos.

    Sabe, meu amigo, de minha parte, mesmo sabendo que posso estar revelando ingenuidade extrema, eu lamento deveras que o Janio, um jornalista que tem mesmo todos estes predicados que você enumera, os coloque a serviço d’algo alheio ao jornalismo.

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    1. Mas não deveriam estar, amigo Oliveira. Sei que a realidade aponta nesse sentido, mas temos que nos pautar por bons exemplos, como o da Suprema Corte americana, cujas decisões raramente são maculadas pelo vírus político-partidário.

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  12. Gerson e Antônio, é de nossa característica, como foi dito pelo Antônio, que o STF tenha a natiteza politico-constirucional. Esse é o nosso sistema! O sistema americano é diverso. Se vc se interessar, recomendo a leitura de José Affonso da Silva, no seu curso de direito constitucional – as bibliotecas da UFPA e da UNAMA devem tê-lo – pois ele explixa exatamente essa diferença. Posso te assegurar, Gerson, que é inconstitucional decisão do STF que nao considere o conteúdo político, isso por determinação expressa da Lei maior.

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    1. Não questiono as raízes do nosso sistema jurídico, mas entendo as preocupações manifestadas pelo Janio no artigo. Não vi qualquer absurdo ou distorção da realidade vigente.

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  13. Mas, veja como é difícil: é o Presidente quem escolhe os Ministros, que, em seguida, vão a uma sabatina ‘pro forma’ realizada pelos parlamentares do Congresso, todos políticos impregnados até a medula de interesses político-partidários.

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  14. Lopes, era os eleitores que deveriam fechar o Congresso… Aliás, os eleitores deveriam fechar todo o Parlamento para uma determinada marca de parlamentares que a última coisa que querem é cumprir a Constituição. Mas, aí fica difícil! De um modo geral, o eleitorado também não parece estar muito preocupado com o cumprimento da Constituição. Ele precisa satisfazer outras necessidades mais prementes, criadas e mantidas pelos próprios parlamentares, demais agentes políticos e seus múltiplos apoiadores e propagandistas.

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