Por Mauricio Stycer
A decepção com Bob Dylan, por aceitar submeter para aprovação prévia do governo chinês o set list de seu show em Pequim, é o mais recente episódio que alimenta uma tensão com seus fãs há quase 50 anos. A influente escritora e jornalista Maureen Dowd expressou sua fúria em um artigo no “The New York Times” intitulado “Blowin’ in the Idiot Wind”. Para ela, Dylan se vendeu de uma forma mais abjeta do que qualquer outro artista pop ao se apresentar na China sob as regras do governo (o texto, em inglês, pode ser lido aqui).
Além de não tocar as músicas com conteúdo político, ignorou solenemente a recente prisão, sem maiores explicações, do famoso artista e arquiteto Ai Weiwei, autor do projeto do estádio “Ninho do Pássaro”, em Pequim. Tocando violão e gaita, o autor de canções como “Blowin´ in the Wind” ou “The Times They are a Changin´”, se tornou um dos maiores símbolos das lutas pelos direitos civis, nos primeiros anos da década de 60. Logo, porém, trocou o instrumento acústico pela guitarra e deu novo rumo à carreira.
No documentário “No Direction Home”, Martin Scorsese se detém neste episódio-chave da trajetória de Dylan sem chegar a uma conclusão. Mas sugere, como também se lê na própria biografia de Dylan, “Crônicas – Volume 1”, que o músico nunca foi, de fato, engajado nas causas políticas dos anos 60. Não que fosse alheio ao que acontecia ou que não acreditasse no teor das músicas que escreveu – canções que se tornaram verdadeiros hinos em passeatas, festivais e atos políticos. Mas parece não haver mais dúvidas, depois de tudo que já foi publicado a respeito daquele momento, que Dylan sempre esteve mais preocupado consigo mesmo do que com os anos 60.
Como já escrevi uma vez, essa é uma característica que percorre muitas das suas escolhas – pessoais e artísticas – ao longo do tempo. As idas e vindas na carreira, as diferentes opções religiosas, as escorregadas e os triunfos, Dylan nunca demonstra preocupação com o que vão pensar ou dizer dele e parece ter como único interlocutor a sua própria insatisfação. Não vejo isso como defeito, mas reconheço aos fãs, entre os quais me incluo, o direito de se decepcionar. Pode ser duro aceitar, mas a verdade é que Dylan sempre pertenceu ao “Partido do Eu Sozinho”.